Volta e meia eu gosto de citar aqui no Ouro de Tolo o excelente documentário “Entreatos”, que mostra os bastidores da campanha vitoriosa de Lula para a Presidência nas Eleições de 2002. Revejo o filme sempre que possível porque, além de ser um documentário interessante para quem se interessa pelo período eleitoral, é fundamental para que se entenda melhor o que o PT queria ser e o que o PT resolveu ser para chegar ao poder.

Uma das muitas cenas marcantes do filme, e que me serve de base para esse texto, é uma em que Lula está reunido com os cérebros da campanha – de cabeça me lembro de Gushiken, Aloizio Mercadante e, vejam vocês, José Dirceu – para definir as estratégias para o debate da TV Globo. Nessa passagem, o futuro Presidente conta como foi sua primeira reunião com o marqueteiro Duda Mendonça, que assumiu naquele ano sua campanha.

Lula conta que Duda afirmava que o caminho para vencer seria abandonar a estratégia de tratar a imprensa como adversária, atacar nomes fortes da política nacional, recusar alianças e ser a esquerda radical que ele sempre foi. O próprio Lula disse ter ficado nervoso e ter dito que o caminho certo era o que sempre havia trilhado, mas aí não conseguiu responder à pergunta de Mendonça: “se você está tão certo, por que não ganhou ainda?” Era ali que surgia o “Lulinha Paz e Amor” que, inegavelmente, foi o pilar fundamental para que ele enfim pudesse chegar ao Palácio do Planalto.

A estratégia do excelente Duda Mendonça foi importante para que o brasileiro, pouco contente com o segundo mandato de FHC e desiludido com Ciro Gomes, passasse a confiar em Lula. Um inegável acerto que desagradou bastante a esquerda radical, mas que ganhou a esmagadora maioria do eleitorado brasileiro. Duda foi o primeiro a perceber que dar murro em ponta de faca seria entregar o país ao PSDB por mais quatro anos e acertou em cheio na estratégia, muito elogiada por especialistas na área.

joao-santana-lula-e-dilmaFaço essa introdução para lembrar que, ao contrário do que muita gente pensa, o marketing é sim fundamental para definir o resultado de uma Eleição. O assunto ficou meio escanteado em 2006 e 2010, quando não era preciso muito esforço para que o PT, embarcando na altíssima aprovação do Presidente Lula, vencesse, mas volta com tudo agora em 2014 com a Eleição mais maluca dos últimos anos. O competentíssimo João Santana (foto), marqueteiro das campanhas presidenciais petistas desde 2006, teve que se virar nos trinta para, de uma hora para outra, conseguir, ao mesmo tempo, combater a febre Marina Silva e diminuir a altíssima rejeição da Presidente Dilma.

Mesmo em tempos de internet, o horário eleitoral gratuito ainda é o maior canal de comunicação entre candidatos e eleitores por um motivo muito simples: o brasileiro médio ou não se interessa por política, ou tem uma opinião firme sobre partido X e Y e não se interessa por averiguar a veracidade das bases para a formação dessa opinião. Em ambos os casos, ele só tem algum contato com a política, quando não há saída. “Não ter saída”, no caso, significa ter um mesmo programa passando em todos os cinco ou seis canais de que o cidadão dispõe durante seu horário de almoço. Não há outra alternativa, ele tem que, dia sim, dia não, almoçar na companhia de Dilma, Aécio, Marina, Everaldo e Tiririca.

É por isso que, como eu já vinha falando há algum tempo, Dilma tinha uma enorme vantagem sobre seus adversários para vencer a Eleição no primeiro turno. Além de iniciar a corrida eleitoral com cerca de 49% dos votos válidos (um a menos do necessário para vencer em primeiro turno), ela teria mais que o dobro do tempo de Aécio Neves e teria mais de um minuto a mais que todos os adversários somados. Isso, multiplicado por duas vezes ao dia e por uns 25 dias de propaganda na TV, faz uma diferença enorme.

O trabalho de Santana, nesse contexto, me soava relativamente simples. Eduardo Campos ainda patinava em seus 9% e, portanto, Aécio Neves era o único adversário de fato grande para o PT. A estratégia de Aécio beirava o óbvio: colocar o dedo na ferida do povo que está sentindo os efeitos da alta da inflação e do salário que rende cada vez menos. Em volta dessa tática principal, estariam, claro, a corrupção, um suposto desgaste do partido, o fato de Dilma não ter dado sequência ao que a oposição aprendeu a chamar de “avanços do Governo Lula” e etc. Só que aí era mole para o PT. Seriam quatro minutos de ataque contra 11 – quase um curta metragem por dia – de um país perfeito. Quanto ao programa de Dilma, falemos mais adiante.

6fs82cngyc5cx0np6nukeu40wQuando o avião de Eduardo Campos caiu, a Eleição virou de cabeça para baixo. Aécio virou coadjuvante e a Dilma não ganhou um “forte adversário”, mas sim uma candidata para brigar por cada voto e que começava a campanha praticamente empatada com a Presidente. E aí, o que fazer? Mudar a estratégia? Partir para o ataque e escancarar o desespero? Esperar a febre Marina passar sem ir ao médico? João Santana, mais uma vez, tomou a decisão correta e é, talvez, o maior responsável pela retomada de Dilma nas pesquisas, que já abriu 8% de vantagem no primeiro turno (onde, nos meus cálculos, já tem 44,82% dos votos válidos) e já empatou tecnicamente com Marina no segundo.

Muita gente classifica os ataques do PT a Marina Silva como desespero. Falam em “política do medo” e até comparam com os ataques do PSDB ao próprio PT em 2002.

Particularmente, discordo.

Primeiramente, é preciso entender a diferença entre ter 20% de vantagem no primeiro turno e estar 6% atrás no segundo. As Eleições são, antes de mais nada, um jogo e é preciso entender bem cada momento dele. Comparando com o futebol, é preciso entender que, quando se está ganhando de dois a zero, dá para trabalhar a posse de bola no campo de defesa e esperar o adversário vir para cima; quando o jogo está zero a zero e o outro time está mais perto de abrir o placar, é preciso atitude para ir ao ataque e, na hora do contra-ataque, fazer uma falta mais dura para matar a jogada no meio de campo. Vale a pena levar o cartão amarelo.

foto-Ichiro-Guerra-Dilma-13201409070012E os ataques do PT mexem sim com o medo da população, mas em um cenário, penso eu, um pouco diferente ao do PSDB em 2002. Quando a campanha de José Serra chegou ao cúmulo de colocar a Regina Duarte dizendo que tinha medo de Lula (aliás, em outra grande passagem do “Entreatos”, Mercadante e Lula debocham do caso – o ex-Presidente chega a confundir a atriz com a colega de profissão Débora Duarte), estava, na verdade, falando sobre o Lula de 1998, aquele que morreu na primeira reunião com Duda Mendonça. Além de um erro de fato, era também uma enorme burrice, porque, àquela altura, a população já tinha entendido que estava votando em um outro Lula.

Com Marina, me parece um pouco diferente, porque vai na mão exatamente inversa. O PT nem pode criticar a Marina do passado porque a Marina do passado era justamente do PT. Sobra, então, falar sobre as contradições do presente de uma candidata que não consegue manter firme uma opinião sequer. É claro que há um exagero ao dizer que ela vai acabar com o pré-sal, fazer um Governo como o de Collor ou coisas do tipo, mas não vejo problema em nenhum em, com base em fatos concretos, dizer ao eleitor: “olha, isso não vai dar certo não”.

Acho até que a campanha de Dilma poderia explorar outras contradições, como o fato dela ter dito à Folha de S. Paulo em fevereiro de 2013 que “Dilma, Aécio e Campos estão no mesmo diapasão” – isso já foi inclusive tema de coluna minha aqui no Ouro de Tolo, muito antes da morte de Eduardo Campos.

Se por um lado isso é muito eficiente para conter o crescimento de Marina Silva, por outro é insuficiente para que Dilma retomasse a ponta porque, sabe Deus como, a candidata do PSB já tem um eleitorado fiel muito grande – cerca de 30% – e o alto índice de rejeição que a Presidente tem faria com que quase todos os votos dos outros candidatos passassem para Marina, especialmente os de Aécio Neves, que muitas vezes repousam mais no anti-petismo radical que na simpatia aos ideais tucanos.

http://www.youtube.com/watch?v=rTy_9oW3gRg

É aí que entra de novo aquela história de vender um país perfeito. A estratégia usada por João Santana para reverter a baixa popularidade de Dilma é tão óbvia quanto inteligente e pode ser facilmente exemplificada. Está rolando aí nas redes sociais um texto curto, que vi pela primeira vez na lista de emails dos colunistas deste blog, que conta a história (verídica, até onde eu sei) de um médico que recebeu um grupo de estudantes de medicina e foi apresentado como o único médico que uma determinada pessoa que trabalhava por ali conhecia, que votava no PT. Diante do espanto dos estudantes pelo voto do Doutor, ele questionou: “quantos de vocês usam o FIES?”. Com a afirmativa de todos, respondeu: “é por isso que eu voto no PT.”

Para mim, isso sintetiza bem uma coisa que acaba ficando escondida em um Governo que se destaca mais pelos projetos e pelo lado social, coisas que não aparecem no jornal, que pelas decisões econômicas e pela infra-estrutura: o PT tinha uma alta rejeição em um setor da sociedade que tinha tudo para amá-lo.

E aí entra o horário eleitoral que chama a atenção do eleitor para o fato de que a vida dele melhorou muito nos últimos 12 anos. Mostra para o eleitor que dizia não votar em Dilma de jeito nenhum que se ele hoje mora em uma casa própria, troca de carro regularmente, viaja para o exterior, colocou o filho na Universidade e pôde desfrutar de um universo outrora restrito a poucos privilegiados, tudo isso aconteceu por causa dos Governos de Lula e Dilma.

Nas últimas semanas, e acredito que isso já ocorreria caso o Aécio fosse o principal adversário, o programa da Dilma admitiu veladamente os pontos negativos de seu Governo, mas apresentou as suas iniciativas para melhorar a vida desse eleitor que tanto a rejeita, fazendo assim um questionamento: você vai trocar tudo o que conquistou graças a mim porque gastou 100 reais a mais no supermercado neste mês?

É assim que Dilma pretende, com boa possibilidade de sucesso, destruir o principal argumento usado pela oposição para botar medo na população: a volta da inflação. Com serenidade, o PT diz: “calma, confia em mim que tudo vai dar certo”.

Com tempo de sobra para tal, Dilma consegue rebater até o senso comum de que faz parte de um Governo corrupto. Semana passada mesmo disse que os escândalos aumentaram porque, ao contrário do que acontecia na época de FHC, há investigação. Esqueçamos o quão cara-de-pau é a Presidente da República admitir que seus homens de confiança são uns picaretas, mas pensemos no efeito que esses 11 minutos divulgados a esse tema pode causar em todas as classes sociais. É um tiro certeiro.

No último sábado, o PT acertou em cheio mais uma vez. Entendendo que parte dos votos em Marina repousava no desejo de mudança despertado pelos movimentos de junho de 2013, Dilma foi ao ar batendo um papo animado com líderes daquelas manifestações que, vejam, declararam voto em Dilma! Foi mais um recado: o “tudo” que eles queriam mudar começa um pouco mais abaixo. O topo até que está bom.

5xs5u2fzqa_k9a5st4ih_fileEssa estratégia toda, em linhas gerais e no contexto atual, serve para conter o crescimento de Marina, mas, principalmente, para garantir um triunfo no segundo turno. Como dito anteriormente, Dilma tem, hoje 44,82%, contra Marina tem 35,66% e, os outros, 19, 51%. Ao meu ver, como Marina vai cada vez mais se aproximando do percentual que tinha no ano passado, quando ainda pensava em ser candidata pela Rede (o que portanto significa um eleitorado mais ou menos fiel), estamos próximos de um resultado no primeiro turno. Penso que dificilmente teremos mudanças mais drásticas nestes percentuais (acredito apenas em oscilações pontuais em 1% ou no máximo 2%).

Vamos supor, então, que as duas candidatas terminem o primeiro turno com os percentuais que tem hoje – 44,82% x 35,66%. Em uma conta bastante simples, apenas para ilustração, temos que Dilma precisaria ganhar apenas 5,18% dos 19,51% dos outros candidatos, enquanto Marina precisaria conquistar mais da metade deles, 14,34%.

Supondo que todos os votos de Aécio, Everaldo e cia. passem para Marina (o que, embora saibamos que a esmagadora maioria irá, é totalmente impossível), Dilma teria, contando a partir de hoje, pouco mais de 30 dias para conquistar um eleitorado que representa 5,18% do total e, com a mesma estratégia que hoje vem sendo usada, isso seria muito fácil. Bastaria atingir determinada classe social ou outro setor qualquer da sociedade e pronto: mais quatro anos no poder.

Claro que as coisas não são tão simples assim, mas essa conta serve para mostrar que Dilma, através do tal do marketing, conseguiu dar o passo mais difícil para conseguir se reeleger: manter a calma quando tudo parecia ter desabado, neutralizar a sua queda e a subida de Marina. Agora, vem a parte mais fácil, mas a decisiva, onde qualquer erro é fatal. O resultado da Eleição agora depende mais da própria Dilma que de Marina (mesmo ambas tendo 10 minutos na TV no segundo turno, o quadro pouco se altera porque a porradaria em Dilma só passaria de polarizada em 10 candidatos a concentrada em um só – e este um nem pode bater muito porque isso é coisa da “velha política”) e, por ora, tudo está indefinido.

Se eu tivesse que arriscar um palpite, diria que dá Dilma, justamente pelo que foi exposto no parágrafo anterior. Mas ainda convém, para petistas, tucanos e adeptos da nova política, muita prudência. Essa Eleição já mostrou que ninguém se elege de véspera.