Meu amigo Gustavo Cardoso já havia me chamado atenção: se você é de classe média urbana e é eleitor da Dilma, a atitude correta em relação às suas preferências eleitorais é a política do Don´t Ask, Don´t Tell. Para quem não está ligando o nome à figura, durante muitos anos o exército estadunidense admitia homossexuais de forma velada, adotando essa política de não perguntar a orientação sexual dos candidatos e eles não a declararem. Só assim, atrás de uma cortina de silêncio, era possível admitir a convivência com a diferença.

Eu trabalho com advocacia empresarial, basicamente para grandes corporações. Divido meu tempo entre duas cidades, Rio de Janeiro e Porto Alegre. No meu ambiente social, as famílias têm renda acima de 20 Salários Mínimos, trocam de carro de 3 em 3 anos (geralmente tem mais de 1 carro), passam férias no exterior, contratam empregadas domésticas, possuem pós-graduação, os filhos estudam em colégios caros.

Nesse ambiente, existem dois tipos de eleitores: a ampla maioria é visceralmente antipetista, votaria no Capeta se necessário fosse para apear do poder a turma de Lula; uma minoria quase imperceptível votará em Dilma, mas esses, ao menos entre os meus conhecidos, são todos ligados ao setor público, trabalham em empresas estatais ou na administração direta, alguns concursados, outros ocupando cargos em comissão. No máximo, encontro colegas advogados, dedicados à advocacia trabalhista em favor de reclamantes.

dilmalulaNão conheço ninguém como eu, que reúne todas as características de um cidadão revoltado com o governo e ainda assim insiste em votar na Dilma.

Talvez seja, quem sabe, uma Síndrome de Peter Pan. Fui militante do PT dos 17 aos 31 anos, quando fui desligado do partido em um recadastramento para expulsar filiações irregulares feitas em massa pela Benedita da Silva para controlar a máquina partidária. Eu não era um deles, óbvio, mas notei que a degradação do partido que eu acreditava capaz de mudar o mundo já era evidente e me recusei a participar. No entanto, sigo simpático ao partido, talvez como um revival da minha juventude.

Apesar disso, nunca deixei de votar no PT ou em seus aliados. Por escolha. Por acreditar que (i) mesmo com todas as dificuldades desse país tão complexo, (ii) mesmo com todos os dramas da Realpolitik, (iii) mesmo com a vergonhosa submissão a um arco de alianças deletério, um governo que tenha um toque de inversão de prioridades – governar com a mira nos interesses da população mais pobre ao invés de se preocupar com os negócios de um punhado de empresários – é algo absolutamente necessário em um país com tantas desigualdades.

Sou uma alma única. Quando listei meus conhecidos, dividindo-os entre tucanos (muitos agora convertidos ao marinismo) ou funcionários, esqueci de citar meus companheiros de militância. Alguns, sim, ainda são esquerdistas. Mas estão todos no PSOL ou no PSTU. Por não enxergarem no governo petista qualquer traço popular, o criticam com tanta ou até mais veemência do que o discurso conservador. O poder, para eles, está muito distante, não é algo com que precisam se preocupar. É como torcer para a Portuguesa.

No ambiente virtual ainda me arrisco, como agora, a dar palpites, mas na vida real me tornei um sujeito recluso, politicamente falando. Nada posso dizer, não tenho como explicar ou justificar minhas escolhas, tamanho o espanto dos meus interlocutores. Fico calado, não digo o que penso, para não me aborrecer ou não decepcionar os que me dão atenção.

Vou completar 12 anos de casado mês que vem. Raramente falo de política em casa, mas essa semana fui jantar fora com a esposa e me dei conta de que a eleição estava próxima. Como andava hesitante em relação ao voto, comentei que pela primeira vez, a menos de 10 dias do pleito, ainda não estava certo em quem votar. Minha esposa me perguntou se eu iria votar no Aécio!!!

Assim é minha vida e imagino que seja a vida de quem, nas minhas condições, opta por votar na Dilma. De duas, uma: ou omite suas escolhas ou irrita o mundo ao seu redor. Ainda bem que o voto é secreto. Isso me dá a chance de votar 13 no domingo sem precisar me sentir um pária.

4 Replies to “O estranho no ninho”

  1. E nem tem motivos para se sentir um pária!

    Por mais que o Governo do PT tenha defeitos (e tem mesmo, e muitos, o principal deles, política de relações internacionais), ainda assim está fazendo o possível para TENTAR tirar o país do buraco.

    E modifico um pouco tua frase sobre os conservadores, puxando pro meu lado: voto no Lúcifer, se preciso, mas 45 de novo, jamais! Deixar o Brasil refém do FMI e dos Estados Unidos, de novo, não!

    Abraço!

    1. Rodrigo, o governo Dilma está fazendo o possível para retirar o país do buraco?

      Mas não foi o governo Dilma que estagnou o crescimento do país — principal pilar (sobretudo redistributivo) dos anos Lula?

  2. Bom,então veja pelo lado positivo,agora pelo menos você já tem uma noção de como é ser um direitista,defensor da economia de mercado,tanto faz se de linha liberal ou conservadora,em uma universidade federal ou um funcionário de uma empresa estatal,trabalha no setor público nos últimos 12 anos ou trabalha numa empresa altamente sindicalizada etc… A lista é bem extensa!

    Se você estuda em uma universidade federal e tem a infelicidade de acreditar que somente o capitalismo pode gerar riqueza o suficiente para tirar o maior número possível de pessoas da miséria,que a única distribuição de renda realmente igualitária é aquela que é feita por livre e espontânea vontade por aquelas pessoas que conseguiram enriquecer graças a liberdade econômica que só o capitalismo pode oferecer,que só o capitalismo oferece a chance de alguém sair de sua miséria social e intelectual e poder compartilhar por livre e espontânea vontade sua riqueza adquirida com quem não goza do mesmo status econômico,se você acredita que só o capitalismo na prática é que realmente pode melhorar a qualidade de vida de uma sociedade etc…
    Se você acredita que somente a propriedade privada,liberdade econômica,liberdade individual sem demagogias ideológicas utópicas,livre concorrência de grandes e pequenas empresas livres de interferência estatal,é contra o aparelhamento ideológico dos 3 poderes,é contra a constante burocratização da política,da educação,dos meios de comunicação de massas,do debate público e até da própria consciência individual!

    Se você acredita que direitos não se conquistam apenas por você ser quem é ou fazer o que você faz(ninguém em uma sociedade realmente livre e democrática ganha direitos só porque é pobre,negro,mulher,alto,baixo,gordo,magro etc…)mas se ganham na base da superação dos obstáculos que o ambiente em que vive lhe impõem,é a superação das próprias limitações.
    Direitos e avanços também só conquistam com o TEMPO! Um direito só passa a valer alguma coisa se for experimentado e adaptado em uma sociedade ao longo do tempo e da história(o que funciona permanece,o que não funciona desaparece!) nada em uma sociedade realmente livre e democrática se conquista através de uma revolução ou reformas quaisquer.

    Se você é um pobre coitado que acredita e defende tudo isso que eu falei acima,então a única alternativa que te resta é o ostracismo e a solidão silenciosa estéril da própria existência. Triste realidade é a nossa nos últimos 30 anos nesse país!

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