Não me lembro do filme que fui ver no Estação. Era 2004, faz mais de dez anos, tinha acabado de sair de Rio Bonito pra morar em Niterói quando descobri aquele lugar que se tornaria tão especial pra mim em Botafogo. Primeiro, aquele; depois, aqueles, os dois. Lembro apenas de pegar o 996, a linha já até mudou de número, descer na São Clemente e ir andando até a Voluntários da Pátria.

Ontem, li as últimas notícias sobre a situação do Grupo Estação. Numa situação que se arrasta há algum tempo, os cinemas do grupo correm o risco de fechar. São 16 salas, a maioria de rua, e uma dívida imensa. Não é nada bom. Numa cidade que, gradativamente, tem abandonado a rua e se enfiado em shoppings, é ainda pior.

E, nesse clima meio melancólico, comecei a tentar lembrar do filme que fui ver no Estação pela primeira vez. Vaguei, vaguei bastante pela minha fraca memória e não lembrei.

Na busca, percebi também que não tenho ingressos guardados das sessões vistas. Talvez ajudasse a lembrar e até gostaria de colocar algum ilustrando este texto. Guardo tantos papeis inúteis e, de tempos em tempos, saio jogando vários deles fora. Muitas vezes, os ingressos foram e continuam indo junto. Aliás, por conta disso, nunca consegui participar da promoção dos cinemas do grupo que dão uma entrada grátis pra quem apresenta um número x (cinco?, seis?) de ingressos usados. Começou, então, a nascer este texto e percebi que o primeiro filme e os ingressos importam pouco.

Não quero, além de saudosista e melancólico, parecer velho, porque não sou, mas o Estação faz parte de muitos momentos da minha vida. Tenho 29 anos, a mesma idade dele. E isso é parte da magia: é tanta gente apaixonada, gente velha e gente nova. E mais um monte de gente no meio: não precisa de muitos anos pra ter o lugar, os lugares, Botafogo, Flamengo, Niterói, Centro, Ipanema, Barra, Largo do Machado, esqueci de algum?, num pedacinho especial do coração.

Quando cheguei à cidade grande, eu, um pequeno capiauzinho, só queria saber de cinema. A minha doce aldeia, com seus 30 mil habitantes não tinha mais o seu cinema, transformado há uns 25 anos em um templo da IURD. Morando em Niterói, matei muita aula pra ir ao Cine UFF (com ingresso a R$2 nas segundas-feiras) e no Estação Icaraí (com suas promoções de quarta-feira), que ficava escondido e descobri existir bem depois do da Zona Sul do Rio. Eventualmente, conseguia ir a Botafogo, ao Paissandu ou ao Paço. Muitas aulas foram matadas naqueles anos.

Mais tarde, já morando no Rio, os dois Estações de Botafogo ocuparam papel de destaque no meu enamoramento pela cidade. Muitas vezes, defensor dos cinemas de rua como sou, disse que o número 35 da Voluntários da Pátria era um dos meus lugares preferidos na cidade. Continua sendo.

E tanto afeto tem por que. O Estação sempre foi espaço de troca, de encontro, de debate, de festa. Até de cinema. Assisti Loach, Woody Allen, Godard, lá, na tela grande, pela primeira vez. Vi filmes romenos, argentinos, belgas, mexicanos. Descobri cinema independente norte-americano. Pude ver documentários que não veria em nenhum outro lugar. Até o cinema iraniano, com o qual sempre me entediei, acabou por me convencer lá.

Conheci gente interessada por cinema, ouvi muita coisa interessante, namorei os cartazes dos filmes pendurados, levei alguns pra casa, marquei primeiros encontros lá. Porque também se vai ao Estação pra não ver filmes. Detestei algumas coisas, dormi em algumas exibições.

Estive em mostras e festivais, encarei maratonas madrugada adentro e filas pra assistir alguma coisa no Festival do Rio. Posso dizer que o cinema foi parte da minha formação e que o Estação foi protagonista dessa história.

Neste domingo, há um ato de apoio ao Estação. Espero que possa estar cheio. As salas não andam bem assim nos últimos anos. Mas há um monte de filhos, filhotes, herdeiros sentimentais: artistas, professores, vendedores, estudantes, gente de tudo quanto é profissão, gente de carne e osso que se apaixonou e continua apaixonada por um cinema de carne e osso como é o Estação.

Honestamente, não sei como será resolvida a situação, qual o caminho, nem tenho uma sugestão. Sei que gostaria de continuar vendo o Estação funcionando. Sei ainda que o Rio de Janeiro precisa do Estação. A palavra é mesmo essa, precisa. E queria dizer a todos os sócios do Grupo Estação que o público desse filho problemático deles está aqui, torcendo pra dar tudo certo, como dindas e dindos prontos pra dar uma força com a criação desse moleque. Porque ele é parte de nós também.

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