[N.do.E.: a partir de hoje o escritor e designer Diniz Gomes irá assinar uma coluna quinzenal sobre sexualidade e temas LGBT no Ouro de Tolo. Sempre aos sábados. PM]

Já faz mais de um século que Freud descreveu a sexualidade infantil, escandalizando a sociedade daquela época. Desde então, muito se estudou e falou sobre este assunto e, mais recentemente, com a inclusão da educação sexual nas escolas, os pais estão se dando conta de que as antigas fórmulas de “se livrar” do problema já não funcionam mais. As crianças sofrem cada vez mais a influência da TV, de amigos, de parentes, de babás e empregadas, muitas vezes recebendo noções erradas e prejudiciais. Se os pais conseguirem manter um canal aberto com seus filhos, poderão auxiliá-los no que for preciso.

A sexualidade é uma coisa natural nos seres humanos e é uma função como tantas outras. Os pais frequentemente estimulam a evolução de seus filhos em vários aspectos, ensinando-os a comer sozinhos, andar, ler… Mas com a sexualidade somos cautelosos e até mesmo preconceituosos.

Educação sexual é um processo para a vida inteira: teremos tempo de melhorar o que não conseguirmos explicar da forma como gostaríamos. Não é fácil para pais que não foram educados desta forma em sua infância, mas o importante é tentar melhorar a educação que possam oferecer a seus filhos. É importante saber que, assumindo ou não a tarefa de orientá-los, conversando ou não, estamos dando, de qualquer forma, educação sexual. Dependendo da atitude dos pais, as crianças aprendem se o sexo é bonito ou feio, certo ou errado, conversável ou não.

Aquenda – “O que os Pais Precisam Saber Sobre a Sexualidade Infantil”Quando questionados por seus filhos, os pais devem dar respostas simples e claras, não havendo a necessidade de responder além do que lhes for perguntado. Dar respostas insuficientes faz com que a criança pergunte mais e mais ou, ainda, que vá procurar as respostas em outras fontes nem sempre confiáveis; por outro lado, dar respostas extensas demais, do tipo “aula completa”, também não é indicado, é preciso buscar respostas de acordo com o que a criança for solicitando. É importante ficar claro o que exatamente ela gostaria de saber, para que a medida da resposta seja suficiente. A própria criança dará os sinais do momento mais adequado para saber cada coisa.

Alguns de vocês podem estar se perguntando: “será que tanta informação não acabará por estimular a direção errada?”, ou então pensar “eu não recebi educação sexual alguma e estou muito bem”. Contrariando preconceitos, pesquisas mostram que crianças esclarecidas tendem a ser mais responsáveis e adiar o início da vida sexual (até porque a curiosidade foi devidamente saciada) até que amadureçam, possam fazer uso de anticoncepcionais e escolher o parceiro certo.

As outras vantagens de conversar com os filhos sobre sexo desde as primeiras dúvidas são: aumentar a intimidade e a afetividade entre si; abrir caminhos para que se possa conversar sobre tudo; informar corretamente, reduzindo as fantasias e a ansiedade; e, por fim, prevenir futura gravidez indesejável e contaminações por doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a Aids, entre outras.

Aquela antiga história de separar meninos e meninas em grupos diferentes, no que se refere à sexualidade, estereotipando os papéis, também traz sérias implicações. Como se não bastasse o fato de negar o igual direito ao prazer no futuro sexual, é preciso saber que meninas passivas, educadas para a submissão, se tornam presas fáceis de abusadores sexuais; por sua vez, os meninos precisam ter espaço para demonstrar suas emoções, o que os prepara para serem pais afetivos.

Existem dois tipos principais de influência no desenvolvimento sexual das crianças: os fatores biológicos e os fatores sociais e culturais. O desenvolvimento sexual humano é visto como um processo essencialmente biológico, que segue um modelo de desenvolvimento sexual saudável e é vulnerável a perturbações por influência de uma cultura maior ou por outros meios. Esta é a abordagem mais utilizada no estudo de médicos acerca do desenvolvimento da criança.

Os fatores sociais e culturais influenciam fortemente o desenvolvimento sexual da criança.

Existem diferentes opiniões sobre quais destes fatores definem a sexualidade ou exercem maior influência sobre o desenvolvimento sexual da criança.

Sigmund Freud1, em seu trabalho de 1905, chamado Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, delineou uma teoria do desenvolvimento psicossexual, com cinco fases distintas: a fase oral (0-1,5 anos), a fase anal (1,5-3,5 anos), a fase fálica (3,5-6 anos), que culmina com a resolução do conflito de Édipo, a fase de latência (6-12 anos de idade), e a fase genital ou estágio adulto. A tese básica de Freud era de que a sexualidade precoce nas crianças pode mudar de forma. Segundo o autor austríaco, fortes impulsos incestuosos se desenvolveriam nessa fase e a criança deveria aproveitar ou sublimar essas unidades, a fim de desenvolver uma identidade sexual saudável como um adulto. Algumas das teorias de Freud, como a inveja do pênis, têm sido largamente ultrapassadas, e muitos especialistas consideram o seu moderno trabalho obsoleto atualmente; além disso, a base principal do seu trabalho nunca foi totalmente aceita pela comunidade científica e médica. Alfred Kinsey2, em seus relatórios, fez a investigação sobre a resposta sexual física de crianças, incluindo crianças pré-púberes (embora o foco principal dos relatórios fossem os adultos). Afirma-se que alguns dos dados em seus relatórios não poderiam ter sido obtidos sem a observação ou a participação em abuso sexual infantil, ou através de colaborações com molestadores de crianças. O conhecimento sobre o comportamento sexual infantil geralmente não é recolhido por meio de entrevistas diretas às crianças (em parte devido a considerações éticas), mas sim observando as crianças em tratamento contra comportamento problemático ou em observação dos adultos que a cercam.

Embora existam variações individuais entre as crianças, todas geralmente estão curiosas sobre seus corpos e os das outras, e desenvolvem brincadeiras sexuais exploratórias para satisfazer tal curiosidade, como brincar de “médico”, “casinha” ou “papai e mamãe”. Embora o comportamento às vezes seja mal interpretado, esses jogos são geralmente considerados normais em crianças pequenas e não são exatamente de natureza sexual.

A sexualidade infantil é considerada fundamentalmente diferente do comportamento sexual do adulto. Este é mais objetivo e orientado à troca corporal, à penetração etc. O contato oral-genital de uma criança é incomum, por vezes descrito como imitação do comportamento adulto percebido.

Durante meses de pesquisa, captei algumas dúvidas que geralmente se tornam tabu. De antemão e com o auxílio de alguns profissionais, elaborei uma série de questionamentos com suas devidas respostas esclarecedoras:

  • O que fazer se meu filho se masturba?
    Masturbação é normal, a maioria das crianças acaricia os seus órgãos genitais. Não faça seu filho sentir-se culpado por estar interessado em seu próprio corpo. Os pais podem ajudar a criança a entender que este é um ato particular, pode ser feito no quarto, mas não no supermercado, por exemplo.
  • Eu encontrei o meu filho brincando de médico com os amigos. O que devo fazer?
    Todas as crianças são curiosas, a maioria brinca de “hospital e doutor”. Esta pode ser uma boa oportunidade para dizer ao seu filho: “Eu sei que você está se perguntando sobre o corpo do outro. Vamos falar sobre o que você quer saber”. É também uma chance para dizer: “Seu corpo pertence a você e por isso pode dizer a alguém “NÃO”, se não quer ser tocado”. É preciso também estar ciente sobre questões de segurança. As crianças podem inserir lápis, varetas ou outros objetos nos orifícios do corpo e causar ferimentos. É normal crianças na mesma faixa etária participarem de jogos de exploração do corpo, entretanto, há motivo para preocupação se uma ou mais das crianças que participam é mais velha.
  • Meu filho de quatro anos gosta de se vestir com roupas de meninas e brincar de casinha. Isto conduzirá à homossexualidade?
    Não. Este tipo de jogo é uma das maneiras como as crianças aprendem sobre o mundo adulto. As crianças em período escolar costumam experimentar muitos papéis.
  • Meu filho usa frequentemente palavras obscenas. Como devo lidar com isso?
    Você pode verificar o conhecimento do seu filho sobre o que a palavra significa. Crianças costumam usar uma palavra sem conhecer o significado. Ao explicar o que a palavra significa, muitas vezes eles passa a não querer mais usá-la.
  • Muitos pais desejam evitar o uso de obscenidades, falam sobre o que significam com seus filhos e explicam que esse tipo de palavra pode incomodar os outros. E quanto ao sexo na televisão?
    Muitos pais estão preocupados sobre como a televisão retrata questões sexuais e o comportamento sexual. Quase todos os programas e comerciais transmitem mensagens sexuais – papéis sexuais, imagem corporal, como a emoção se expressa, o significado do casamento, da família e a forma como as pessoas se comunicam em relação à sexualidade. Você pode usar a televisão para reforçar a sua comunicação com a criança. Assistir a TV com seu filho e usar o conteúdo da programação como trampolim para uma discussão. Use essas oportunidades para discutir a sexualidade e os valores da família. Além disso, você poderá administrar o tempo que seu filho assiste a programas de TV.
  • De onde vêm os bebês?
    Para crianças menores use uma resposta simples como: “Os bebês vêm do interior da mãe. Eles crescem em um lugar especial chamado útero”. As crianças, principalmente a partir dos cinco anos de idade, ficam interessadas em assuntos como “de onde vêm os bebês?” e você pode precisar dar uma explicação mais detalhada. Se o seu filho estiver interessado, você pode descrever o nascimento da relação à concepção usando termos simples.

Geralmente há dúvidas sobre o que responder e até mesmo onde responder às perguntas dos filhos. Todo pai quer que seus filhos sejam mais bem preparados do que ele o foi, e que vivam sua sexualidade de forma mais consciente, porém, os pais não sabem como ajudar. Primeiramente, é importante que os pais relembrem as suas próprias dúvidas a este respeito quando eram crianças e como teriam gostado se tivessem tido orientações. Desta forma fica mais fácil entender a curiosidade dos filhos.

Por hoje é só pessoal, aguardo vocês em nosso próximo encontro, aqui mesmo, bem pertinho de vocês.

1Nascido no ano de 1856 em Freiberg, na Morávia, Sigmund Freud é considerado o pai da psicanálise. Estudou medicina na Universidade de Viena e desde cedo se especializou em neurologia. Seus estudos foram os pioneiros acerca do inconsciente humano e suas motivações. Ele, durante muito tempo (de fins do século passado até início do nossoséculo), trabalhou na elaboração da psicanálise, tendo falecido em 1939.

2Alfred Charles Kinsey (Hoboken, 23 de junho de 1894 — Bloomington, 25 de agosto de 1956) foi um entomologista e zoólogo norte-americano. Em 1947, na Universidade de Indiana, fundou o Instituto de Pesquisa sobre Sexo, hoje chamado de Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução. Suas pesquisas sobre a sexualidade humana influenciaram profundamente os valores sociais e culturais dos Estados Unidos, principalmente na década de 1960, com o início da chamada “revolução sexual”. Ainda hoje, suas obras são consideradas fundamentais para o entendimento da diversidade sexual humana. Entretanto, muitos dos dados, teses e resultados apresentados por Kinsey têm sido recentemente questionados e desmentidos por outros estudiosos.

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