E lá se foi a Copa.

Eu sou “gaúcho” há apenas 7 anos, mas me arrisco a dizer que nunca houve nada parecido em Porto Alegre. A cidade viveu e curtiu o momento como poucos. Até quem não foi às partidas e manteve distância da agitação adorou a sensação de segurança com tantos policiais espalhados pelas ruas, vibrou com o movimento frenético dos restaurantes, aproveitou a chance de conviver com tanta gente diferente.

Eu tenho muita coisa bacana para falar da Copa, só que vou me deter naquilo que mais me impressionou: a incrível capacidade dos brasileiros de superar as dificuldades, aplicando soluções criativas.

Porto Alegre tem, vamos chamar assim, uma espécie de hub de transportes públicos, que fica próximo ao Mercado Público, referência da cidade. Ali é a estação final dos trens, o terminal de ônibus urbanos, a rodoviária, a estação do serviço de barcas. Com a construção do aeromóvel, que conecta o aeroporto à linha do trem, tudo parecia perfeito, faltava apenas resolver o trajeto final, os cerca de 4 km de distância ao Beira-Rio.

Imaginou-se fazer esse percurso através de um BRT. Só que, infelizmente e como sói acontecer, o projeto não saiu nem do papel.

O que fazer em uma hora dessas? A Prefeitura teve uma ideia insólita: vamos fechar todas as ruas ao tráfego e obrigar a todos que caminhem! Mas como assim, 4 km a pé? Quem é o louco que sugeriu isso? Que vergonha, o que vão pensar de nós….

Caminho do Gol 2Pois foi justamente essa maluquice de fechar as ruas que deu à cidade um espetáculo irreproduzível. Os estrangeiros, em clima de festa, não se importaram em sair em procissão andando tanto. E ao longo do percurso se achava de tudo, barracas de comidas típicas, muita cerveja, a população da cidade se misturando aos torcedores na marcha ao estádio, a sede da Fan Fest na metade do percurso. Quatro quilômetros de alegria e muita festa.

Parece incrível que tamanha precariedade tenha dado certo, mas deu muito certo! A Copa em Porto Alegre foi muito além do Beira-Rio, o Caminho do Gol, nome de batismo dessa gambiarra, espalhou a atmosfera do estádio por uma ampla região da cidade.

E foi assim que cheguei no estádio para o último jogo que tivemos a honra de sediar. E cheguei lá lembrando que vimos França, Holanda, Argentina, Alemanha. Que sorte a nossa.

Caminho do Gol 1A cada jogo as coisas iam melhorando um pouquinho – nesse jogo quase não teve fila no bar e nos banheiros. As torcidas da Argélia e da Alemanha estavam mais dispersas e pela primeira vez achei que o número de estrangeiros ficou abaixo dos 30% do estádio. Poucas camisas amarelas – aqui se vai ao jogo com a camisa do time de coração, como se pode ver na minha foto com os amigos.

Torci bastante para que os valentes argelinos conseguissem levar a decisão para os pênaltis, mas a camisa alemã acabou pesando. Ainda bem, porque, como diz um amigo, seria péssimo que justamente na nossa hora de sediar a Copa ela virasse um grande campeonato carioca com o improvável triunfo das zebras.

O jogo terminou simbolicamente debaixo de um vento gelado e uma chuva fina. Porto Alegre chorava e se acinzentava para se despedir das duas semanas mágicas que emocionaram a todos nós.

Agora, só pela TV. E eu me despeço dessa série especial lembrando que me parece estarmos diante de um clima muito parecido com o de 1994.

Para quem era muito jovem naquela época, a imprensa se dedicava a criticar a Seleção do Parreira e a vaticinar sua eliminação. As vitórias eram magras e difíceis, o time aparentemente jogava mal – mas tudo porque Parreira percebera algo óbvio, a Copa não é vencida pelos melhores, mas sim por aqueles que perseguem o resultado. Assim, o objetivo não é dominar o adversário, ao contrário, o importante é evitar que ele o derrote e contar com o potencial de definição de 1 ou 2 craques nas poucas chances que aparecerem.

2014-06-30 14.09.07Em 1994 foi uma surpresa que a Seleção tenha chegado tão longe e a imprensa estava tão contaminada pelo pessimismo que não deu tempo de ajustar o discurso e apoiar o time – aliás, passados 20 anos, ainda se encontra quem critique aquela equipe.

Algo semelhante pode estar correndo – e apesar de eu ser muito fã da ESPN, parece que alguns dos seus jornalistas disputam arduamente uma gincana para ver quem vai ser o Juarez Soares de 2014. Ali não se sorri mais, só se amaldiçoa.

Relaxa aí, gente: é só futebol e a gente tem grande chance de costurar a 6ª estrela em cima do escudo. Não tem nenhum bicho-papão na Copa e Felipão é mestre em ganhar de forma imerecida e feia, como se fosse possível haver feiura e desmerecimento na vitória.

Só sei que foi tudo tão bom e deliciosamente inspirador que só me resta encerrar a série da forma mais clichê possível: a Copa renovou meu imenso orgulho de ser brasileiro. Que bom ter tido essa chance.