(por Rodrigo Mattar, jornalista da Fox Sports e dono do blog A Mil Por Hora)

A maior tragédia que presenciei no futebol não merece muitos detalhes: a derrota sofrida diante da Itália, com os três gols do carrasco Paulo Rossi arrombando a defesa brasileira, foi a mais doída que assisti da seleção brasileira. Tinha onze anos de idade e para uma criança, uma derrota destas é mais dolorida do que qualquer outra. Chorei adoidado, uma nação inteira foi às lágrimas e os críticos decretavam o fim do futebol-arte do time de Telê Santana, decantado em verso e prosa.

A melhor seleção saía da Copa e entrava para a história, assim como a Hungria de 1954 e o Carrossel Holandês de 1974 como os grandes times que nunca foram campeões do mundo.

Que remédio, não? Eliminado o Brasil, o jeito era continuar a assistir as partidas da Copa de 1982 e escolher uma seleção para torcer. Na verdade, eu já torcia em paralelo ao time de Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, pela França.

Heresia? Não. A gente sempre tem uma seleção estrangeira por quem somos simpáticos. Na época, eu gostava dos Bleus e não me perguntem o motivo. Pena pela eliminação precoce em 1978? Talvez. A França, quatro anos antes, deu azar: sorteada numa chave dificílima contra Itália, Argentina e Hungria, perdeu na estreia para os italianos – mesmo com um gol relâmpago do centroavante Lacombe – e depois para os donos da casa, numa bomba de Luque que desviou num zagueiro e tirou o goleiro Baratelli, que, aliás, entrara no lugar de Bertrand-Demanes.

alemanha e frança IIIJá eliminada, a França protagonizou uma cena curiosa: foi para o campo de jogo contra a Hungria, cumprir tabela vestindo branco. Os magiares só levaram o uniforme branco também e fez-se o impasse. Num sorteio, os franceses perderam e o jeito foi improvisar com o uniforme do Kimberley, um pequeno time argentino. A França despediu-se vencendo o jogo por 3 x 1.

Esse mesmo placar repetiu-se na estreia da Copa da Espanha, quatro anos depois. O time era praticamente o mesmo de 1978, com alguns jogadores já mais experientes, feito Michel Platini, que já brilhava intensamente no futebol europeu. Os velocíssimos Rocheteau e Six também estavam no elenco, além dos zagueiros Battiston, Bossis, Trésor e Lopez. Com dois gols, um deles a menos de um minuto de jogo, Bryan Robson criou a primeira crise no time francês. Platini pediu o afastamento de Trésor ao técnico Henri Michel, antigo colega dos dois na Copa de 1978 como jogador. Não foi atendido: o grupo era simpático ao zagueiro.

Surpresa? Nenhuma. Conhecida pela mistura de raças, a seleção mostrava que Trésor não estava sozinho. Havia, ainda, Janvion e Jean Tigana, que começou a Copa na reserva, mas não tardaria a ganhar a posição de titular. Todos negros e talentosos, calando o preconceito de Platini.

Com as coisas mais calmas, a França goleou o Kuwait, no famoso jogo em que um xeque invadiu o campo para anular um gol contra a seleção de seu país (e foi atendido) e empatou com a Tchecoslováquia, obtendo uma vaga para a fase seguinte, em que enfrentaria Áustria e Irlanda do Norte.

O primeiro jogo foi duro: sem Platini, a França perdeu sua referência no meio-campo e só venceu com um gol de falta de Genghini, aos 39 do primeiro tempo. Foi aí que Tigana ganhou definitivamente espaço no time e Henri Michel convenceu-se que dava para a seleção jogar com dois meio-campistas criativos, o combativo Giresse e o solidário Genghini, além dos velozes pontas Rocheteau e Six, que poderiam se revezar na posição. O centroavante era o apenas esforçado Soler.

Na véspera da eliminação do Brasil, a França deu um baile na Irlanda do Norte, uma das grandes surpresas da Copa de 1982. Com dois gols do baixinho Giresse e outros dois de Rocheteau, passou tranquila às semifinais, o que não acontecia desde 1958, quando o Brasil cruzou o caminho daquele time fantástico que tinha Jonquet, Kopa, Piantoni e Fontaine e detonou os Bleus com três gols de Pelé.

Aquele era um fantasma com o qual os franceses conviviam havia 24 anos e era chegada a hora de expurgá-lo. O futebol-arte, sem a seleção canarinho, tinha na França sua grande representante na decisão por uma vaga na final contra a sempre tradicional e perigosa Alemanha.

alemanha e frança 82 IICom 70 mil espectadores nas arquibancadas do estádio Sanchez Pizjuán, que os brasileiros chamavam de “Pai João”, o árbitro Charles Corver deu início a um dos maiores jogos da história das Copas. Logo a Alemanha prevaleceu a experiência de seu grupo e aos 17 minutos saiu o primeiro gol: Ettori, o esforçado goleiro francês, saiu aos pés de um adversário e no rebote, Littbarski estufou as redes tricolores.

O troco veio ainda no primeiro tempo. Após uma cobrança de falta ensaiada, Rocheteau foi derrubado por um zagueiro e Charles Corver marcou pênalti. Platini cobrou sem chances para Harald Schumacher e empatou a partida.

Na segunda etapa, a França teve a chance de virar o placar: aos quinze do segundo tempo, o zagueiro Battiston recebeu um lançamento precioso e só foi parado com uma entrada digna de Karatê Kid, perpetrada por Schumacher. O auxiliar fez vista grossa e o árbitro Charles Corver nem coçou o bolso: o goleiro alemão permaneceu alegrinho em campo e Battiston, nocauteado após ficar 10 minutos em campo, deu lugar a Lopez.

A Alemanha, que além do “carateca” Schumacher e de Briegel, seu lateral-decatleta, tinha também o cerebral Paul Breitner, agora comandando o meio-campo, tinha um trunfo para o resto do jogo: Rummenigge, em condições físicas precárias, assistia ao jogo do banco de reservas, esperando por uma chance na prorrogação. E a chance veio: o tempo normal acabou 1 x 1 e haveria 30 minutos de tempo extra.

A prorrogação não chegou a ser um épico como Itália x Alemanha de 1970, mas chegou muito próximo. Logo aos dois minutos, com um voleio belíssimo e indefensável, Trésor, o zagueiro tão criticado por Platini, punha a França na frente. Jupp Derwall, atento, olhou pro banco e mandou Rummenigge entrar – e no lugar de Briegel, reforçando o poder ofensivo dos germânicos. Desorganizada, a Alemanha permitiu um contra-ataque puxado por Rocheteau: Six ajeitou com carinho e Giresse fez 3 x 1. Àquela altura, eu vibrava loucamente, antevendo um França x Itália e a vingança por nossa derrota no Sarriá.

Só que a Alemanha nunca pode ser chamada de galinha morta em Copas do Mundo, a menos que dê motivos para isso. Com o time que tinham, isso era impossível. Eles acordaram para o jogo e, liderados por Rummenigge, diminuíram o prejuízo ainda no primeiro tempo da prorrogação: após jogada pela esquerda com Littbarski, o próprio Rummenigge escorou na saída de Ettori.

A pressão foi intensa em busca do gol de empate e ele saiu aos três minutos do segundo tempo extra: o grandalhão Horst Hrubesch escorou de cabeça e Fischer, numa meia-bicicleta espetacular, igualou o marcador em 3 x 3. O esforço pela vitória foi imenso, faltaram pernas às duas seleções e o resultado levou o jogo ao drama dos pênaltis. Por sinal, a primeira partida da história de todas as Copas que seria decidida dos tiros da marca fatal.

Quando Ettori conseguiu defender a cobrança de Uli Stielike e a França abriu 3 x 2, achei sinceramente que já eram favas contadas. O 4 x 2 poderia decidir tudo se Didier Six marcasse e Littbarski perdesse. Aconteceu justamente o contrário: o francês perdeu sua cobrança e o alemão converteu. Com Platini e Rummenigge acertando suas cobranças, a decisão foi para os tiros alternados.

Maxime Bossis, cansado, estropiado, meias arriadas abaixo da canela, foi o escolhido para o sacrifício da primeira cobrança da série alternada. O camisa 4 da seleção francesa telegrafou o canto e não foi difícil para Schumacher defender. A bola foi à meia-altura, não havia como o goleiro da Alemanha levar o gol. Nessa altura, eu não sabia se gritava de ódio com Bossis como se ele fosse o Zico, Sócrates ou o Júlio César na Copa seguinte ou se chorava de tristeza pelo fim do futebol-arte, da magia e do encantamento.

A segunda opção foi bem mais simples. Quando Hrubesch deslocou Ettori com um chute rasteiro, o jeito foi abrir o berreiro e lamentar a derrota daquele time que admirava e que substituiu, por 72 horas, o Brasil no meu coração.