A primeira Copa do Mundo da qual lembro alguma coisa é a de 1986. Lembro de estar com meus familiares vendo os jogos, lembro de estar com a camisa do famoso Araken, lembro do jingle “Mexi-mexi-mexicoração”, lembro de nós jogarmos papel picado na rua, lembro do gol de mão do Maradona, lembro da eliminação brasileira… Mas eu tinha apenas cinco anos.

Em 1990, com nove, eu já via bem todas as partidas. Lembro que havia frustração com um time que não engrenava e uma frustração ainda maior quando fomos eliminados jogando finalmente uma boa partida. Lembro bem de todo mundo passar a torcer por Camarões e lembro bem de a forte Alemanha suar para ganhar da manquitolante Argentina com gol mandrake de pênalti – embora o fraco Edgardo Codesal tenha ignorado pênalti claro para os alemães antes.

Dizem que ninguém sabe mais do que rola no futebol do que um garoto de 12, 13 anos. E isso é verdade. Em 1994, 13 anos completados 16 dias depois da morte de Ayrton Senna, eu estava por dentro de tudo que cercava a Copa que se avizinhava nos Estados Unidos. Por isso mesmo, eu nunca fiquei tão ansioso para uma Copa como naquela vez.

Passamos bem pela Rússia, melhor ainda por Camarões, mas logo voltaram as críticas tão comuns quando se falava da Seleção de Parreira: empatamos com a Suécia jogando mal e só fizemos um gol graças à genialidade de Romário. Lembro que a coluna do Agamenon em “O Globo” sempre era encerrada com a seguinte pergunta: “o que faz Paulo Sérgio na Seleção?”

Daí passamos de forma apertada pelos Estados Unidos no 4 de julho deles, em mais uma jogada genial da dupla Romário-Bebeto. Mas confesso que, apesar da classificação, estava ainda ressabiado. Afinal, como poderíamos passar de forma tão difícil pelos EUA? Mesmo com a expulsão de Leonardo, na minha cabeça não deveria ser tão complicado…

Por isso mesmo, encarei o jogo contra a Holanda como o mais difícil e como o verdadeiro teste daquela Seleção. Mesmo sem o brilhante Van Basten, eles tinham Rijkaard em grande forma, um competentíssimo Koeman na defesa e jogadores de frente perigosos como Bergkamp, Overmars e Winter, além de outros bons jogadores que compunham ótimo conjunto.

brasilholanda2Depois de um primeiro tempo meio amarrado, o Brasil fez dois gols maravilhosos logo de cara. Um num primoroso lançamento de Aldair que teve sequência em outro primoroso cruzamento de Bebeto e uma também primorosa, ou melhor, primorosíssima conclusão de Romário. Outro, numa escapada de impedimento inteligentíssima de Romário e um drible perfeito de Bebeto, que ninou seu Mattheus que chegara havia poucos dias.
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Com 2 a 0 no placar, pensei que finalmente deslancharíamos. Afinal, contra o adversário mais forte até aquele momento, estávamos jogando soltos, com belos lances e atuações individuais e coletiva brilhantes. Mas durou menos de um minuto essa suposição… Bargkamp, que estava sumido sumido, apareceu do nada e aproveitou o cochilo brasileiro para diminuir.

Daí mostramos mais uma vez nossa endêmica incompetência em jogo aéreo e Winter empatou o jogo… Lembro bem do desespero de Galvão Bueno na transmissão da Globo ao ver Raí no aquecimento logo após o gol de empate: “Raí no aquecimento… Agora, né? Humpf… Porta arrombada, bota tranca nova… Por que não mexeu antes, quando tava em vantagem…?”

De fato, o sentimento de que tudo fora jogado no lixo em minutos estava mais vivo do que nunca. Mas aí Branco, então discretamente ali na lateral esquerda no lugar do suspenso Leonardo, explodiu. Explodiu ao carregar de forma competente uma bola meio na podre. Explodiu o pescoço de Overmars ao dar uma “mãozada” meio desajeitada para se proteger. Explodiu ao causar a ira dos holandeses e ao cavar uma falta na área. Parecia que ele premeditara tudo.

brasilholanda4Mas a maior explosão estava por vir. A sempre eficiente perna esquerda do nosso lateral nos tirou do sufoco e a bomba que quase acertou Romário – o Baixinho, sempre genial, conseguiu sair da frente – foi indefensável para De Goeij, bateu na trave e morreu na rede holandesa. Estávamos à frente de novo!

Com 3 a 2 para nós, finalmente os comandados de Parreira mantiveram a cabeça ligada o tempo todo e nem os cinco minutos de acréscimo do fraquíssimo árbitro Rodrigo Badilla, da Costa Rica, nos impediriam de avançarmos às semifinais.

Pela primeira vez eu via a nossa Seleção numa semifinal de Copa e minha esperança aflorou de vez. Eu tinha certeza de que seríamos campeões. É claro que não dava para contar vitória. Tínhamos de passar por Suécia e Itália e realmente foram dois jogos complicados.

Mas no fundo do coração eu sentia que aquela bomba santa de Branco e a dramática vitória sobre a Holanda eram o passaporte definitivo para o paraíso chamado tetra. E, de fato, naquela Copa de tantas emoções, nada foi como aquele jogo.

E olha que quatro anos depois, teríamos outro teste para cardíaco contra a Holanda…