E chegou a Copa. Para moradores de outras cidades que já tinham visto a Copa das Confederações pode ser que o fato não despertasse grandes frissons, mas para os porto-alegrenses era tudo muito novo.

Por aqui estamos muito acostumados a ver milhares de uruguaios e alguns argentinos de passagem para Santa Catarina, mas é raro ter outro estrangeiro que não seja em viagem de negócios. De uma hora para outra, a gente vai ao supermercado e esbarra com turistas. Sábado vi dois franceses completamente atrapalhados tentando sacar dinheiro no caixa automático do Bradesco – e acabaram conseguindo. Logo depois cruzei com um casal de hondurenhos idosos, mas já paramentados da cabeça aos pés para um jogo que só ia se realizar no dia seguinte.

Essa é a parte boa da Copa… Como não amar essa mistura genuína de culturas e de gente com adrenalina à flor da pele? Desde cedo a cidade pulsava diferente, uma rara união em um lugar onde só há uma divisão possível, ou se é vermelho ou se é azul, Caprichoso e Garantido em versão futebolística.

photo2Alguns conhecidos resolveram alugar um micro-ônibus para ninguém se preocupar com Lei Seca e estacionamentos. Uma enorme área ao redor do estádio foi interditada para trânsito de veículos e os estacionamentos ficavam longe para caramba, incentivando as pessoas a pararem seus carros lá e irem até o Beira-Rio em ônibus especiais, os únicos autorizados a circularem dentro do perímetro da interdição.

Por incrível que pareça isso funcionou, porque não houve trânsito pesado nem para chegar, nem para sair – mesmo nós, com nosso ônibus fretado, não tivemos dificuldade em parar no ponto mais próximo da zona interditada. E os ônibus especiais não lotaram, deixando as pessoas praticamente em frente ao portão de entrada.

Quem, como nós, não estava nesses ônibus precisava caminhar até um posto de checagem, mas isso acabou diminuindo as filas, porque andar por mais de 1 km para acessar as catracas evitava a aglomeração. Ao longo do caminho, barracas oficializadas vendiam lanches, bebidas (cerveja gelada, a R$ 5,00) e os banheiros químicos tinham filas mínimas. Acabei encontrando uns amigos hondurenhos, que cultivam o bom hábito de serem flamenguistas e costumam assistir jogos no bar da FLA RS.

Não tive dificuldades para entrar ou achar meu lugar, inclusive porque tinha bastante voluntário orientando as pessoas. Quando cheguei (pouco mais de 1 hora antes do início) não tinha fila nenhuma para comprar cerveja, só o preço é que era o dobro, mas seguia gelada.

photo3Tomei três cervejas no estádio, as outras duas também com pouca fila (uma alma caridosa me disse que um carrinho vendia para quem já tinha o copo, bastava caminhar um pouco mais).

Com cerveja abundante e gelada, o gargalo mudou de lado: no intervalo, as filas do banheiro eram gigantescas. Acabei perdendo o segundo gol do Benzema.

O grande fiasco foi a ausência dos hinos. A maior concentração de franceses estava exatamente no lado oposto ao meu, uma espécie de torcida organizada deles, que para compensar acabou cantando a Marselhesa à capella, durante a partida. Bem emocionante de ouvir.

Meu lugar era fantástico. Se eu xingasse um jogador, ele certamente ouviria.

Desde cedo ficou bem clara a diferença de qualidade entre os franceses e os hondurenhos, acho até que o gol demorou a sair, a França parecia intuir que liquidar a partida era só uma questão de tempo.

Fiquei muito impressionado com o meia francês Valbuena. Quando o vi entrar em campo, duvidei que ele pudesse produzir algo. O aspecto físico dele assusta. Ele é muito pequeno (tem 1,67m, mas parece menos no meio dos outros atletas), muito franzino (pesa 58kg) e dá a impressão de ter braços curtos. A sensação é de ver uma criança jogando com adultos. O contraste era mais assustador ao ver o zagueiro hondurenho Figueiroa, com sua aparência de estivador, partindo para cima do pequenino francês.

Mas é exatamente isso que torna o futebol mágico. Se não fosse futebolista, Valbuena só poderia ser jóquei ou enxadrista, mas como as quatro linhas são democráticas, o mini francês pintou e bordou, só não fez chover no Beira-Rio. Benzema fez 3 gols, ok, mas se eu tivesse que escolher o craque da partida cravaria Valbuena, que, dizem, vinha de atuações irregulares e criticadas.

photo6Na saída vi a tão criticada lama e os entulhos de obras do Beira-Rio. Mas é um pedaço que dá acesso ao edifício garagem ao fundo do estádio, que ontem me pareceu estar fechado (até porque a Avenida Beira-Rio, que dá nome ao complexo, estava restrita à circulação de veículos oficiais). Gente mais chata, implica com tudo.

Foi uma experiência ímpar, embora de pouca emoção, porque o jogo em si não foi lá essas coisas e futebol é mais divertido quando envolve paixão, o que não era o caso de ontem, já que tudo o que acontecia ali me era absolutamente indiferente.

Viva a Copa! Aos seus detratores só me resta pedir piedade, gente careta e covarde.