Eu tinha sete anos naquela manhã. Na verdade, seis anos e meio, mas nessa idade a gente quer falar que é mais velho. Ironia ou não, 20 depois, o fato é que lembro como daquele dia como se fosse ontem. A “sorte” é que agora, com praticamente 26 anos na cara (apesar de eu jurar que pareço ter 25 – ou será 24?), posso escrever algo minimamente relevante sobre o fatídico dia 1º de maio de 1994.

O GP de San Marino era coadjuvante no evento familiar em que me encontrava. Ainda assim, apesar da faladeira geral (famílias judias parecem gregas nesse aspecto), entre comes e bebes, apenas eu, um tio e um primo (este, com 13 anos, aficionado por F-1 na época) assistíamos atentos à corrida, no canto da sala.

barrichello1994Até hoje não sei bem se o nosso silêncio de frente para a TV era pela gritaria que nos rondava ao lado, pela pouco emocionante corrida de Senna até então ou se era um prenúncio do que estaria por vir. Até porque, aquele fim de semana já havia sido trágico, com a morte do austríaco Roland Ratzenberger no treino da véspera. Sem contar o acidente grave do Barrichello dois dias antes (que o tirara da corrida, inclusive).

Enquanto o GP se desenrolava, de alguma forma o meu melhor amigo na época me ligou com um convite tentador (digo “de alguma forma” porque até então não tínhamos celulares em 94, então ele deve ter dado um jeito de me achar, bipou, fez sinal de fumaça, etc, etc): passar o resto do dia em Teresópolis, jogando bola.

Aceitei na hora, mas, como todo bom menino de seis anos e meio (não dá para enganar a idade sempre), pedi permissão aos meus pais, que foi concedida quase que imediatamente (imagino que devia ser tentador para eles – ou para qualquer pessoa – ficar um domingo inteiro sem mim). Como já havíamos feito isso algumas vezes antes e as famílias já se conheciam, não teve nenhum tipo de desenrolo. Eles viriam me buscar na minha tia em uns vinte minutos (moravam perto), e eu desceria rumo ao meu destino feliz.

sennacrashFoi justamente nesse ínterim, porém, que o tal do destino pregou uma peça a Ayrton Senna. Diria que uns cinco minutos depois de receber a ligação do meu amigo. Mas, criança ingênua que era, não dei tanta importância àquela batida, a não ser pelo fato de lamentar que meu ídolo estaria fora da corrida. Mal sabia eu que ele estaria fora de qualquer corrida para sempre a partir daquele momento. Comecei a achar estranho quando os outros adultos do evento (que antes não estavam ligando para o que se passava na TV) passaram a ver e ouvir o que se passava em Imola. De repente, o nosso cantinho na sala virou o centro das atenções. Foi quando o interfone tocou.

Desci com a minha mãe e, antes de me despedir, perguntei: “mãe, ele vai melhorar, né?”. Ao passo que ela respondeu com um “lógico que vai, filho, ele é o melhor”. Sorri e entrei no carro. Cumprimentei a todos e, antes mesmo de abrir a boca para falar outra coisa, a atenciosa mãe do meu amigo falou: “não se preocupa com o Senna não, vai ficar tudo bem”. Na época, moleque, não percebi o que hoje foi um gesto de blindagem por parte de nossas mães. Elas provavelmente sabiam que o estado era crítico, mas uma morte dessas, na idade em que estávamos, simplesmente arruinaria nosso domingo de sonhos. Talvez até tenham combinado isso, mas o fato é que ficamos alheios às consequências do acidente. Agradeço, vinte anos depois, aos meus pais e aos pais do meu amigo por nos ter dado a oportunidade de ter um domingo feliz para crianças ansiosas.

Afinal, naquele tempo não tinha Twitter, Facebook, Whatsapp e todas as infinitas possibilidades de propagar informação como temos hoje, de maneira que aquela blindagem foi muito bem sucedida ao longo do dia. Jogamos futebol, corremos, pulamos, lanchamos e, sempre que um de nós perguntava sobre alguma notícia a respeito do piloto, a resposta era mesma: “nenhuma novidade, vão brincar”. Até que, de noite, voltamos para o Rio.

sennabrasil1991Antes de me deixarem em casa, fizemos uma rápida, porém inesquecível visita na avó do meu amigo. Demos um jeito (como sempre) de jogar bola na sala dela, mas foi quando alguém na casa ligou a TV que vi uma das cenas mais inacreditáveis da minha vida: um coro em uníssono das torcidas de Flamengo e Vasco, num Maracanã lotado, entoando “olê, olé, olá, Senna, Senna”.

Naquele instante, nós paramos em choque. A imagem não era apenas a confirmação da morte de um ídolo numa idade em que ídolos são tão imortais. Mais do que isso, o canto das torcidas juntas trouxe uma sensação de que nós, eu e meu amigo, não estávamos sozinhos na dor da perda.

Eu sequer tinha noção de que éramos apenas mais uns. Dois gatos pingados no meio de milhões de “órfãos” pelo país. Todos juntos com o “olé, olé, olá” entalados na garganta. Todos, até hoje, com o Tema da Vitória embutido na memória.

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