Em 29 de dezembro, o general Canrobert Pereira da Costa, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), dera uma declaração a O Jornal, afirmando que não haveria candidatura militar à sucessão presidencial. “Sou um simples eleitor, interessado em que se chegue a uma solução honesta, capaz de atender, pela polarização das forças vivas nacionais, à gravidade do momento”[1].

Para Corbisier, o episódio era tranquilizador. Ele anteriormente já cobrara de outras importantes lideranças militares, como o brigadeiro Eduardo Gomes, ministro da Aeronáutica, e o general Juarez Távora, chefe do Gabinete Militar, a cooperação na solução da profunda e grave crise econômica e financeira pela qual o país passava. Pela lógica de Corbisier, se os dois militares ocupavam posições de destaque na alta hierarquia do poder, ambos não precisariam se candidatar à Presidência para resolver os problemas nacionais. Se já estavam no governo e frequentavam as reuniões no Palácio do Catete, seria mais fácil que contribuíssem diretamente, no governo.

Em 05 de janeiro de 1955, o brigadeiro Eduardo Gomes recebera no Ministério da Aeronáutica a visita da bancada da UDN na Câmara e no Senado, e também dos vereadores eleitos no Distrito Federal, que foram até lá desejar um bom ano novo. O brigadeiro aproveitou então para fazer um discurso de agradecimento, que seguiu a mesma linha do general Canrobert:

“Árbitros várias vezes das crises profundas que têm afetado a existência nacional, os militares jamais pretenderam para si as responsabilidades do governo, que deve ser oriundo do voto popular legítimo. A nossa missão tem consistido em velar para que não desapareçam as liberdades do povo, e para que o nosso progresso democrático não se revele somente na letra das leis e sim na prática efetiva da legalidade.

(…) É preciso que seja insuspeitada a base onde repousa o sistema representativo, com inscrições eleitorais expurgadas de vícios e com formas ou métodos de escolha indenes à violência, à corrupção ou à fraude. E, para que se cumpra o mandamento de que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, faz-se necessário que a eleição dos governantes tenha a consagrá-la a maioria absoluta dos cidadãos a cujo critério se confiam os destinos da pátria.[2]

A certa altura de seu pronunciamento, porém, o brigadeiro disse:

(…) Se o fim do Estado é promover o bem-estar dos indivíduos, através da justiça social e da conciliação das classes, a política deve ter presente que a própria ética reclama, no dizer de Bertrand Russell, se produzam instituições sob cuja égide os interesses de indivíduos ou de grupos diferentes entrem o menos possível em conflito”.[3]

O editorial do Correio da Manhã, na mesma edição em que o discurso do brigadeiro fora publicado, não deixava dúvidas que este desarticulara de vez os boatos golpistas. Mas para Corbisier, o brigadeiro não fora muito claro nas palavras. O trecho em que cita Bertrand Russell, segundo Corbisier, seria o mais controverso, em que Eduardo Gomes parecia desaconselhar a competição no jogo democrático. Para ele, o Exército não deveria ser uma instituição amorfa, ausente, ou indiferente às questões nacionais. Era necessário, sim, chegar a um entendimento com as Forças Armadas, estreitando contato com essa instituição. Não combinaria com democracia excluir as Forças Armadas da vida política do país. Mas seria um equívoco transferir para os quartéis a soberania nacional, já que esta não deveria ser reivindicada com exclusividade por nenhuma classe ou grupo civil ou militar, em nome do povo.

A possibilidade de haver um golpe era grande e continuava a ganhar as páginas dos jornais. No dia 11 de janeiro, o jornal Última Hora publicou uma entrevista com Ernani do Amaral Peixoto, presidente do diretório nacional do PSD, com a seguinte manchete em primeira página: “Amaral Peixoto desmascara os pregoeiros da desordem e do golpe”. Amaral Peixoto falou sobre a posição política do partido e da candidatura de Juscelino Kubitschek à Presidência da República. Mas aproveitou também para questionar os métodos oposicionistas:

“Se aquilo que se quer chamar de união nacional é apenas um pretexto de subversão das instituições em benefício de facções desesperadas pela própria falta de ressonância no favor popular, nenhum nome mais apto a promovê-la do que Juscelino Kubitschek.

(…) O grupo adversário, divorciado do povo, quer impor uma nova escravatura pela injúria e difamação. Agora, na verdade, a nação está felizmente dividida: de um lado o povo, aguardando oportunidade de dizer o que pensa e o que sente, sem coações nem violências, ao lado dos partidos, no desempenho normal de suas atividades, e do outro, o grupo – sempre esse grupo fatal – pondo a serviço de seus complexos a inquietação, a maledicência, a agitação e o escândalo”.[4]

Attachment-1Corbisier (ao lado, com JK) concordava com Amaral Peixoto. Segundo ele, os udenistas “só defendem a democracia quando têm a esperança de vencer, e passavam a sabotá-la quando se convencem de que serão derrotados nas urnas”. (CORBISIER, 1976: 56)

A “união nacional” também foi tema do editorial do jornal O Globo, de 14 de janeiro de 1955:

“Desde o primeiro dia O Globo tem sido inflexível em bater-se por uma solução nacional, sem exclusivismos personalistas, sem reabilitações dos “gregorios”, não só os indivíduos que boiavam no “mar de lama”. [5]

Um dos pontos principais que o editorial abordava era a entrevista concedida pelo marechal Eurico Gaspar Dutra, ex-presidente da República, na véspera. O marechal desmentira boatos de que fosse o responsável pela candidatura de Juscelino à Presidência, sendo favorável ao exame e debate de vários nomes pela convenção pessedista:

“Não me considero autor, nem responsável pela eventual candidatura do governador Juscelino Kubitschek, nem no seu lançamento, nem na sua manutenção. O PSD ainda não tem candidato”[6]

Corbisier mostrou-se surpreso com as declarações do ex-presidente. Disse concordar, pelo menos nesse ponto, com o rival Carlos Lacerda: que os responsáveis pelo governo do país fossem mais claros e explícitos em seus discursos e pronunciamentos. As declarações do marechal foram inesperadas e desconcertantes. “Não podemos concordar com o Sr. Dutra quando afirma que o PSD ainda não tem candidato, simplesmente porque essa afirmação não é verdadeira”. (CORBISIER, 1976: 59)

O principal argumento de resistência à candidatura do governador mineiro, utilizado por seus adversários, era o de que ele estaria associado ao governo Vargas, um de seus herdeiros políticos e restaurador de um passado que eles desejavam esquecer. O alvo das críticas, porém, continuava sendo os políticos da UDN. No programa do dia 12 de janeiro, Corbisier dizia que eles eram carentes de senso histórico e de formação sociológica. Segundo ele, devia passar pela cabeça de um udenista que as derrotas políticas seriam, no fundo, um atestado de sua idoneidade. Ou seja: sua impopularidade seria diagnosticada como incapacidade do povo, não suficientemente educado e esclarecido para reconhecer o real valor do partido. Para Corbisier, um grande fosso separava a UDN do povo, pois este partido não teria identidade própria, exercendo um comportamento imutável, incapaz de reconhecer e tirar lições de suas derrotas. A UDN desconhecia o eleitorado, permanecendo longe da realidade, como marginais aristocráticos e conservadores reacionários. Seus políticos seriam “fariseus da democracia”. Por não ter personalidade própria, só restaria à UDN depender das Forças Armadas e, com isso, optar pelo constante incitamento ao golpe.

No programa do dia 19 de janeiro, Corbisier associava a imprensa golpista à figura de Carlos Lacerda (foto ao alto do post), diretor do jornal Tribuna da Imprensa. Tratava-se, para ele, de uma corrente que espalhava boatos, segundo os quais,

1)       A situação no país é absolutamente anormal e, devido à sua excepcional gravidade, seria arriscado submeter a Nação a uma luta eleitoral em grande escala, como será a luta pela sucessão presidencial da República;

2)       A candidatura de Juscelino Kubitschek significa uma ameaça de retorno ao passado, à situação anterior ao golpe de 24 de agosto;

3)       Levando-se em conta a gravidade da situação nacional e a ameaça representada pela candidatura mineira, os militares deveriam interferir, a fim de vetar essa candidatura e impor um nome em torno do qual se pudesse realizar a chamada união nacional. Ou então dar o golpe no regime e instaurar uma ditadura militar. (CORBISIER, 1976: 60-61)

Corbisier concordava que a situação no país era grave, mas a anormalidade absoluta era fantasiosa, principalmente do ponto de vista eleitoral, já que apenas dois meses após a morte de Vargas já eram realizadas eleições, em quase todo o Brasil, inclusive no Distrito Federal.[7] O tom dos adversários seria de provocação, a fim de justificar a tese de que a situação seria anormal e não comportaria eleições.

Ele falava de um comício promovido pelo Clube da Lanterna em Juiz de Fora (MG), em 15 de janeiro – um sábado. No dia 18 de janeiro, o jornal Última Hora estampava a seguinte manchete: “Lacerda queria que a Polícia espancasse o povo que o vaiou”. O deputado federal Hildebrando Bisaglia, do PTB, nascido na própria cidade, deu seu depoimento à equipe de reportagem da Última Hora:

juiz de Fora decada 1960 14 rest“Cheguei a Juiz de Fora no sábado e tive conhecimento, pelos jornais locais, que o sr. Carlos Lacerda e comitiva estavam sendo esperados para realizar um comício da sacada do Palace Hotel, instalando a sucursal do Clube da Lanterna. Com sua chegada pude ouvir perfeitamente vaias ensurdecedoras que me atraíram às proximidades do local. Assisti, então, o povo em massa compacta, diante dos oradores visitantes, manifestando-se em vaias e assobios, cada vez que os oradores iniciavam em linguagem violenta os seus discursos. O espetáculo era realmente impressionante. Milhares de pessoas gritavam, impedindo que os oradores, mesmo auxiliados por possantes microfones e alto-falantes da emissora local, prosseguissem insultando o governo e o povo mineiro. Como o sr. Lacerda tentasse continuar o seu discurso, a reação do povo se fez ainda mais forte. Houve então uma chuva de tomates e ovos sobre o palanque onde se encontravam os oradores udenistas. Impossibilitados de continuar a onda de impropérios que lançava contra, para achincalhar a honra do governo mineiro, tornaram os membros da comitiva ao interior do Palace Hotel, onde permaneceram até uma hora da madrugada de domingo, quando se retiraram cercados por tropas do Exército e da Polícia, fato que impediu que novas vaias e assobios atingissem os visitantes.[8]

O deputado, testemunha ocular dos fatos, finalizava assim seu relato ao jornal:

“Ausente completamente o governador mineiro da participação das ocorrências, frisamos, entretanto, que a violência de linguagem dos membros do Clube da Lanterna criará no Brasil um clima de hostilidade e desagregação social e política, capaz de perturbar a marcha normal de nossa evolução moral e política. A violência gera violência. Os membros do Clube da Lanterna receberam o que procuraram.”[9]

Juiz de Fora era justamente um dos redutos políticos de Juscelino Kubitschek, que no mesmo dia e horário do comício do Clube da Lanterna estava em Manaus, cumprindo sua agenda de candidato. Era uma cidade industrial, um centro fabril e com grande contingente operário. O PSD era o partido majoritário na cidade.[10] Para Corbisier, diante das declarações do deputado mineiro, os “udeno-lacerdistas” não tinham como objetivo promover um comício com fins propositivos ou de alavancar uma plataforma política. Lacerda e seu Clube da Lanterna foram, sim, fazer um comício contrário à candidatura de Juscelino.

“Imaginem o que aconteceria se nós promovêssemos, na rua Toneleros, um comício contra o sr. Carlos Lacerda e o Major Vaz, ou no Galeão, um comício contra os brigadeiros?” (CORBISIER, 1976: 62)

Corbisier não poupava adjetivos para Lacerda:

“Os rádio-ouvintes conhecem bem o sr. Carlos Lacerda, e sabem que se trata de um homem sem nenhum senso de humor, um temperamento melodramático, quem sabe uma vocação teatral extraviada na política e no jornalismo. Acontece que o Sr. Lacerda, cuja suposta inteligência sofre às vezes curiosos eclipses, foi agredir o candidato mineiro numa cidade mineira, pessedista e petebista. Que esperava o führer dos lanterneiros, que o carregassem em triunfo e o cobrissem de flores?” (CORBISIER, 1976: 63-64)

Para Corbisier, Carlos Lacerda, o “agitador da rua do Lavradio”, o “ditador dos lanterneiros”, o “diretor da Tribuna das Empresas”[11], “era um homem possuído pela fúria do anátema, da denúncia e da provocação”.[12]. “O Sr. Lacerda começa a apresentar sintomas de desgaste, de descontrole, de desequilíbrio e, em pleno desespero, agita-se freneticamente e faz movimentos espasmódicos, desconexos, como as rãs eletrizadas”. (CORBISIER, 1976: 69) Ele achava que com a morte de Vargas, Lacerda ficou sem ter o que dizer, ficando no vazio.

Imagem: Arquivo Pessoal da Família Corbisier

Notas:


[1] O Jornal. 29/12/1954.

[2] Correio da Manhã. 06/01/1955.

[3] Correio da Manhã. 06/01/1955.

[4] Última Hora. 11/01/1955.

[5] O Globo. 14/01/1955. p.1.

[6] Idem

[7] Em 3 de outubro de 1954 foram realizadas eleições gerais no Brasil. Foram renovados onze governos estaduais, dois terços do Senado Federal e toda a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas.

[8] Última Hora. 18/01/1955

[9] Idem.

[10] Composição da Cãmara Municipal de Juiz de Fora: o PSD tinha cinco vereadores; o PTB quatro vereadores e a UDN apenas um vereador. (Fonte: TRE-MG)

[11] Programa. 16/05/1955. Rádio Mayrink Veiga.

[12] Programa. 25/11/1954. Rádio Mayrink Veiga.

2 Replies to “História e Outros Assuntos: “Roland Corbisier e a campanha por Juscelino Kubitschek – Parte II””

  1. Sempre é bom revermos fatos históricos.
    ————–
    Senhores, necessito de fotos de alguns ilustre brasileiros, com a devida autorização, para inclusão em livro sobre o general Juracy Montenegro Magalhães, com base em depoimentos por ele prestados ao meu irmão, Prof Paulo César dos Santos. Esses depoimentos fazem parte do Livro “VERDADES HISTORICAS”, lançado em 1980, com depoimentos de diversas figuras de nossa história. Agora, o autor resolveu rever, ampliar, dar nova dinâmica e lançar o livro com o título: JURACY MAGALHÃES, UM DEPOIMENTO HISTÓRICO, com base nos depoimentos de Juracy.

    Fotos, medalhas comemorativas, necessárias. Os militares, fardados ou não.

    1) general Juracy Montenegro Magalhães.

    2) general Landri Salles Gonçalves.

    3) marechal Juarez Távora.

    4) brigadeiro Eduardo Gomes.

    5) presidentes: Getúlio Vargas, JK, Jânio Quadros, Castello Branco, Costa e Silva, Ernesto Geisel.

    6) José Américo

    7) J.J. Seabra

    9) Osvaldo Aranha

    10) Carlos Lacerda

    11) outros que tiveram relacionamento com o general Juracy, desde sua incorporação em Fortaleza, passando pela Academia Militar do Realengo, Aditancia nos EEUU, Min Relações Exteriores, Petrobrás, etc.

    Desde já fico grato, Paulo Lucio

    Paulo Lucio

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