Eram nove e pouco da manhã ensolarada do dia primeiro de maio. Seguia-se um ritual iniciado há mais de dez anos. Levantar uns 15 minutos antes, enquanto tomava café já esticava o pescoço pra começar a ver a corrida. Ela começa e tudo acaba ali….

O que se seguia não faria muito sentido…

O fim de semana estava tenso no esporte. Um grave acidente na sexta, uma morte na pista sábado. Para quem acompanha (numa época em que rádio e jornal eram essenciais) se percebia que era uma corrida que todos torciam para que acabasse logo. As manchetes do dia seguinte evocariam a morte de um mito e  a necessidade de reformulação total na segurança dos carros de corrida. Acho que fizeram bem feito, nunca mais houve um acidente fatal. A morte ao vivo trouxe uma sensação estranha que parecia que ele era próximo a todos. E talvez fosse.

Nunca tive ídolos na Formula 1. Torcer pra um ou outro, O.K.. Mas me derramar apaixonadamente por um piloto, nunca. Tenho minhas opinões e algumas convicções e elas é que darão o mote. Gosto muito do esporte. Da adrenalina aliada à tecnologia. Da conversa de sempre tirar o máximo de um equipamento. Motivos que já me levaram uma dúzia de vezes ao Grande Prêmio do Brasil em Interlagos e me levarão em breve a assistir corridas em dois templos da velocidade. Senna foi dos grandes e é disso que vamos tratar.

Senna, aos 34 anos, tricampeão, lutou dois anos para estar na Williams. Era seu sonho de consumo, chegando a esbarrar na ética dizendo que correria de graça lá. Pôs Prost na parede com essa história. Devido ao domínio da equipe de Grove em 92 e 93, as regras tinham sido severamente alteradas e ele não conseguiu produzir em três corridas o que esperava.

sennaschumacher1994E mais, ainda via o jovem Schumacher, cheio de amor pra dar, transformar a pequena Benetton numa equipe capaz de desafiar os grandes¹. Incomodado, cuspia marimbondo nas entrevistas expondo a equipe em nome de suas derrotas. Ele tinha esse lado. Potencializava vitórias e socializava derrotas. Traço típico de gênios. Não acho que Senna seria o operário padrão, mas muitas vezes o funcionário do mês.

O quanto à morte da pista colabora com a santificação do mito Senna?

Ayrton talvez tenha sido a figura que melhor se aproveitou de sua proximidade com a TV Globo e com isso potencializou em muito o nível de seus feitos. Sua amizade com Galvão Bueno colaborou muito para isso. Seus feitos são considerados muito maiores que os de Piquet e Emerson por exemplo. Suas vitórias são cantadas de uma forma que se mistura mágica, heroísmo e superação a tragédia. A memória seletiva da maioria, hoje salva pelo Google, faz com que isso fique cada dia maior.

Não se engane, caro, ninguém jamais foi campeão do mundo sem ter um grande carro. Em 88 a McLaren ganhou 15 das 16 corridas. E a corrida que perdeu em Monza merece um grande asterisco pelas coisas que a FIA deixou a Ferrari fazer. Prost fez mais pontos que Senna naquele ano, que só foi campeão devido a um maravilhoso sistema de descarte de pontos. Mito, monstro, gênio sim. Mas não o único. Seus feitos incomparáveis em treinos, suas voltas voadoras, seu ritmo alucinante pelas vitórias são proporcionais às derrotas que lhe impuseram. Tudo normal. Tudo humano.

Senna perdeu um titulo em 89. Uma corrida maluca. Ele e Prost voando. Disputando centímetro a centímetro. No final, Senna vai passar. Prost fecha, bate, Senna corta a chicane e é punido (regra, injusta no caso, mas regra). Ano seguinte, mesma Suzuka, Prost larga na frente, na primeira curva Senna encosta no carro do francês e saem os dois. Perigoso. Justiça com as próprias mãos. Em 89 Prost um filho da puta. Em 90, justiça.

sennaprost1988bEm 1988, Prost garantia que havia motores no caminhão da Honda com a inscrição “Engine for Ayrton” e que não havia isso para ele. O francês também jurava que havia preferência da montadora japonesa pelo brasileiro².

Não tem santo, não tem vilão. Tem é espirito de vencedor, presente nos grandes do esporte e da vida. Esbarrando em éticas, passando por cima de tudo. Em nome da vitória, do máximo, do extremo. Todos os grandes já fizeram isso e vão continuar fazendo. Vettel acaba de aposentar Webber e já deve ter percebido que fez péssimo negócio. O esporte chamado Formula 1 é assim. E assim nós fãs gostamos.

Numa lista rápida meu top 3 tem Schumacher, Fangio e Senna. Vettel já está implorando entrar nesse clube. Papo de boteco que tanto alimenta nossas alegres madrugadas na fila do setor G do autódromo anualmente. Ali temos história de gente que não se conforma com o dia 1-5 até hoje. Gente que invadiu a pista na vitória de 93. Gente que desmaiou na vitória de 91. Gente que o faz desde os anos 80 na esperança de ver novamente um piloto brasileiro vencer. Que é isso que a maioria faz. Torce pelo brasileiro. Quando vence presta. Quando não vence, é fraco. Calma.

O que seria de Senna pós maio de 94? Quantos títulos ganharia? o que faria hoje em dia?

Emerson Dinah responde: acho que teria ganho mais dois campeonatos e hoje faria algo como o Niki Lauda faz na Mercedes. Um super consultor na McLaren sendo preparado para assumir o cargo do Ron Dennis. Acho que comentarista do Globo nunca seria. Teria feito carreira no esporte.

Mas esse é mais um assunto pra fila… e meus amigos Roberto, Luciano, Rogério, Daniel, Edson, Alyson e Jelleya certamente estarão, sempre com o copo na mão, embaixo das lonas da vida prontos a discutir…

1 – Descobriu-se depois, como Senna suspeitava em conversas com amigos, que a Benetton tinha um controle de tração disfarçado no carro e retirara o filtro da mangueira de reabastecimento para agilizar os pit stops em até três segundos.

2 – Segundo o livro “Ayrton, o herói revelado”, de Ernesto Rodrigues, a McLaren sorteava os motores a serem usados por Senna e Prost na presença dos mecânicos-chefes de ambos, e no GP do Japão, que decidiu o campeonato a favor do brasileiro, os próprios pilotos foram convidados para o sorteio.

14 Replies to “Vamos à Luta: “Semana Senna – Entre Anjos e Demônios…””

  1. Diga-se de passagem que a descoberta da retirafa do filtro foi feita da pior forma possível: um baita acidente no pit-stop de Jos Verstappen (companheiro de Schumacher na Benneton) que lambeu o carro em chamas. Milagrosamente, Verstappen sobreviveu sem maiores sequelas.

  2. Bom, se o próprio texto fala em irregularidades na Benetton, como falar que o mesmo transformou a Benetton em “máquina de vitórias”?

    E falar que as corridas anteriores a do acidente foram culpa de Senna é, no mínimo, má vontade em entender o contexto que se apresentava ali, né? Era um carro novo, feito do zero, com a mesma potência mas sem a ajuda eletrônica. Era muito difícil guiá-lo. Enfim, o limitado Hill conseguiu terminar a temporada 1 ponto atrás do alemão. Acredito que Senna teria sido campeão com certa tranquilidade.

    Abs

    1. Eduardo , a descoberta do problema na Beneton não invalida na transformação que a equipe sofreu .. era pequena , Schumacher conquistou dois cameponatos e depois se transformou em nada novamente…

      1. Na verdade a transformação da Benetton de escuderia média para grande começou com Piquet em 90

        1. não acho que a Benetton tem sido grande… talvez uma média , estilo Sauber de hoje em dia com um gênio no volante…

        2. Acho as transformações na Benetton mt mais marcantes com Piquet do que com o Schummy, inclusive.

    2. Vale lembrar que Schumacher sofreu uma desclassificação e foi suspenso por duas corridas por motivo ao mínimo controverso. Não dá para fazer o “se” neste caso

      1. São coisas distintas:

        1 – Piquet foi fundamental e imprescindível para transformar a Benetton em equipe grande.

        2 – Schumacher foi fundamental e imprescindível para transformar a Benetton, que era grande com a ajuda do Piquet, em força dominante, o que é diferente.

        3 – Apesar da importância e talento do Schumacher, a Benetton estava fora do regulamento em 94, com controle de tração disfarçado e sem o filtro de segurança da mangueira de abastecimento. Esses dois fatores ajudaram muito a Schumacher assumir a liderança no Brasil e forçar Senna a “andar mais do que o carro” e errar – Hill, com o mesmo carro (instável) de Senna, ficou uma volta atrás de Schumacher. Na corrida seguinte, Senna foi tirado por Hakkinen logo na primeira curva e na terceira, a barra de direção quebrou, causando o acidente fatal.

        4 – Senna e Piquet foram dois gênios do esporte a motor, cada um no seu estilo. Não digo que é o caso nessa discussão, mas o que mais se vê por aí é desmerecimento aos feitos de um pelos torcedores do outro. E isso é lamentável e inaceitável.

        1. acho que o Nelson colaborou , mas quem a transforma em grande é Shcumacher , Ross Brown e Rory Byrne. Até alé , e ele participou do processo , ela teve espasmos…

          quanto ao ítem 4 assino em baixo , incluo o Fittipaldi e uma dúzia de estrangeiros.. muito chato esse papo que se resume a f1 aos dois.. fazem parte de uma liste de gênios e aí cada um tem sua preferência…

        2. Concordo. Não dá pra falar que Schumacher é fraco, até pq ngm ganha 700 títulos à toa. Só acho que tem muito mérito aí da máquina.

          1. Schumacher chegou a uma equipe que era uma zona e soube organizar as peças até se tornar dominante, com tremenda paciência. Isso é um feito e tanto, ainda mais se lembrarmos que estamos lidando com a Ferrari

          2. fraco??? MS é o maior de todos… ninguém conseguiu a perfeição dele nos tempos de Ferrari…

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