Excepcionalmente neste sábado, o jornalista esportivo Fred Sabino relembra os diversos talentos desperdiçados na história da Fórmula 1 pegando como gancho as excelentes atuações do alemão Nico Hulkenberg em equipes médias.

Será Hulkenberg o próximo desperdiçado?

A cada corrida de Fórmula 1 que vejo, sinto que Nico Hulkenberg é o piloto mais talentoso da nova geração da Fórmula 1. E também o mais desperdiçado de todos. Afinal, o alemão estreou em 2010 pela Williams, ficou a pé em 2011 por falta de patrocínio, correu em 2012 pela Force India, pela Sauber em 2013 e voltou para a Force India em 2014. Em todas as equipes, ele mostrou serviço. 

Pela Williams, obteve resultados piores do que Rubens Barrichello, mas andou sempre nos calcanhares do brasileiro e ainda cravou uma espetacular pole position na úmida pista de Interlagos. Depois de ficar um ano fora da categoria, engoliu Paul di Resta na Force India e fez o mesmo com Esteban Gutierrez na Sauber, que, depois de um mau início, melhorou o carro e proporcionou ao alemão brigar pelas primeiras posições nas provas finais. No GP da Austrália deste ano, de volta à Force India, terminou em sexto, à frente do campeão mundial Kimi Raikkonen. (N.do E: o colunista escreveu antes dos treinos para o GP da Malásia).

hulk2014Hulkenberg tem claramente mais talento do que Pastor Maldonado, Romain Grosjean, Sergio Perez, Esteban Gutierrez, Jean Eric Vergne… Você pode se perguntar então: ora bolas, por que Hulk continua subutilizado num time médio como a Force India? Simplesmente porque ele nunca teve um patrocinador fortíssimo ou fez parte de um programa de jovens pilotos desde as categorias de base. Infelizmente hoje quem está um tanto desabastado, digamos, tende a ser um “Móveis & Utensílios”. É cruel, mas a Fórmula 1 tem sido assim.

Mas ainda torço para que o alemão seja uma exceção neste cenário lamentável em que a Fórmula 1 se encontra. Isso porque diversos talentos como ele acabaram sendo desperdiçados ao longo da história da categoria. Não necessariamente devido a essa sanha das equipes pelos patrocinadores, mas por diferentes motivos.

Um dos grandes pilotos que não conseguiram traduzir em títulos o enorme talento foi o neozelandês Chris Amon. Entre o fim dos anos 60 e 70, Amon por várias vezes esteve nas equipes certas mas nos momentos errados e, nas vezes em que finalmente teve carros competitivos e brigou por vitórias, sempre acontecia alguma quebra no carro. O azar de Amon ficou tão famoso que Bernie Ecclestone disse certa vez que, se Amon estivesse liderando com um minuto de vantagem na última volta, uma vaca atravessaria a pista e atingiria seu carro…

paceJosé Carlos Pace também entra na lista dos talentos desperdiçados. Depois de brilhar e penar em equipes como a Politoys-Williams e Surtees, Moco foi para a Brabham em 1974 e de cara conseguiu bons resultados e quebras inexplicáveis. Em 1975 venceu o GP do Brasil mas outros azares atrapalharam. No ano seguinte, Bernie Ecclestone assinou com a Alfa Romeo para fornecer motores à Brabham e Moco não conseguiu bons resultados com o beberrão propulsor. Para 1977, a Brabham melhorou e Moco tinha tudo para vencer mais corridas. Perdeu a vitória na Argentina por um desgaste causado por virose e brigou pela liderança no Brasil. Mas morreu num acidente de avião e seu talento jamais pôde ser consolidado. Reza a lenda que Ecclestone teria afirmado: “Se Pace tivesse continuado, não precisaria ter contratado Niki Lauda em 1978”.

1984stefanbelloftyrrellff1Outro que prometia uma grande carreira mas não pôde provar seu talento em equipes de ponta foi o alemão Stefan Bellof. Velocíssimo em todas as categorias pelas quais passou, Bellof estreou em 1984 numa Tyrrell sem motores turbo e brilhou naquele mesmo GP de Mônaco em que Ayrton Senna deu show. Pelos tempos de volta, Bellof tinha tudo para alcançar Senna e promover um grande pega. Mas a Tyrrell acabou desclassificada da temporada e o alemão acabou ficando no time para 1985. Quando tinha acerto com a Ferrari para 1986, morreu num acidente no Mundial de Esporte Protótipos, em Spa. Mais um talento desperdiçado…

O brasileiro Roberto Pupo Moreno também pode ser considerado um talento desperdiçado. Depois de vencer a equilibradíssima Fórmula 3000 com uma equipe de três pessoas e orçamento decorrente de premiações, Moreno desenvolveu maravilhosamente o câmbio semiautomático da Ferrari com a bênção de Enzo Ferrari e foi colocado na modesta Coloni para ganhar experiência. Mas o Comendador morreu e Moreno continuou penando na Eurobrun até Alessandro Nannini (outro que se encaixa no perfil de talento desperdiçado) sofrer um acidente de helicóptero e abrir uma vaga na Benetton. Ele estreou no pódio e naquele famoso GP do Canadá de 1991 estava à frente de Nelson Piquet até quebrar. Mas os dólares da Mercedes fizeram a Benetton dispensar Moreno em favor de Michael Schumacher e o brasileiro nunca mais teve um carro de ponta.

kubicaMais recentemente temos o exemplo de Robert Kubica. Sempre demonstrando talento pela BMW Sauber, o polonês chegou a vencer uma corrida, mas a equipe depois deixou a F-1 e ele teve de ir para uma Renault que já não era essa força toda. Mesmo assim, em 2010 ele incomodou os pilotos de Red Bull, McLaren e Ferrari e beliscou pódios. Esperava-se que depois de mais um ano na Renault ele iria para a Ferrari, mas o acidente de rali acabou ceifando sua carreira na Fórmula 1.

Agora é um consenso que Nico Hulkenberg é um potencial piloto vencedor de corridas, quiçá campeão mundial. Resta ver se o destino será tão cruel como foi nos casos citados acima. Vamos ver se um dia ele terá meios para mostrar seu talento num time de ponta e coloque pimenta numa Fórmula 1 cada vez mais mercantilizada.

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