Na coluna deste domingo o compositor Aloisio Villar faz um balanço do carnaval e chama atenção para o processo de renascimento de três escolas.

O fim e o renascimento

Está acabando o carnaval. Ontem tivemos o desfile das campeãs, hoje temos o Monobloco passando pelas ruas do centro arrastando multidões e se transformando em um marco do fim do carnaval. Fica aquela sensação triste para quem curte a folia, principalmente àqueles que a vivem o ano inteiro como nós.

Todo carnaval tem seu fim, como já diria uma banda que não gosto, mas o carnaval mesmo não.

Porque se esse carnaval mostrou a estabilização da Unidos da Tijuca como uma escola de samba de excelência e dominante a ponto de começar a ser odiada e falarem menos do Paulo Barros em relação a conquista e mostrou sinal amarelo pra Beija-Flor e Vila Isabel, ele também mostrou renascimento.

Renascimentos tímidos como da Mocidade, que mesmo ficando na mesma faixa de classificação dos últimos anos conseguiu o que mais desejava perto da folia: mudar seu presidente. Não sei se a mudança será boa, não por quem saiu, isso é ótimo, mas por quem entrou. Só o tempo dirá, mas o ânimo do independente renasceu e isso é importante demais.

A Grande Rio renasceu como escola ao alcançar o desfile das campeãs e não sofrer nenhuma contestação por isso. Mérito de sua direção que, mesmo também voltando ano passado, percebeu que o resultado foi maior que merecia e mudou muita coisa na agremiação.

Imperatriz renasceu como escola simpática sendo muito feliz na escolha de um enredo popular e carismático. A escola aos poucos se livra da pecha de escola fria e certinha da virada do século.

Mas três renascimentos chamam mais a atenção.

20140302_015037A Unidos do Viradouro renasce sem nunca ter morrido. Não foi uma escola que entrou em decadência até cair. Pagou por um ano desastroso em 2010 (tanto nas escolhas para o carnaval quanto politicamente) e caiu.

Caiu, mas não fez como outras escolas que caíram e foram se acomodando no grupo até se tornar mais uma dele. Desde o princípio mostrou-se incomodada de estar no acesso, botou fortes carnavais, sempre nas primeiras posições, lutando, mordendo até que finalmente esse ano conseguiu e de forma avassaladora, sem deixar dúvidas.

E sobe dando dor de cabeça. Pela primeira vez em muito tempo tenho dúvidas se a escola que sobe vai mesmo cair e vou além, hoje apostaria que não cai.

A Viradouro é grande demais, com a diferença que ela sabe disso.

A segunda escola que renasce conseguiu isso aos poucos. No fim de 2008 e começo de 2009 era uma escola esquecida, amargando oito anos de acesso. Ninguém lhe citava mais como uma das favoritas a subir e uma vez, dentro de uma van, vi duas pessoas conversando e uma perguntou se a União da Ilha tinha acabado.

Sim. É dela que falo.

20140303_225335Ao contrário da Viradouro a impressão que sempre tive é que a União da Ilha não sabia a força que tinha. É a escola dos sambas mais populares, uma das mais queridas e carismáticas, mas afundava cada vez mais em administrações ruins e esquecimento. Começou a mudar com a chegada do presidente Ney Filardi.

Subiu a escola, manteve em 2010 com um belo desfile, prometia muito em 2011 quando seu barracão pegou fogo, mas mesmo assim fez um desfile maravilhoso ganhando Estandarte de Ouro de melhor escola. É verdade, estagnou em seus desfiles em 2012 e 2013, mas ninguém mais lhe citava como possível rebaixada e nessa fase reformou sua quadra que se transformou em uma das melhores do Rio de Janeiro.

Pra 2014 consertou erros, acabou com vaidades internas e resolveu seu maior problema, a escolha de samba-enredo. Foi para a avenida com o samba que a escola queria. [1]

A consequência foi o grande desfile e o quarto lugar, sua melhor posição em vinte anos. Ao contrário de 1989 e 1994 não vejo essa posição fruto de um ano excepcional e sim de um crescimento e isso é fundamental para que outros grandes carnavais venham e uma injustiça histórica seja encerrada. A da União da Ilha não ser campeã.

Agora o terceiro e o principal renascimento do ano.

20140304_010430O símbolo dela é uma águia, mas poderia ser a fênix – já que ressurgiu das cinzas. A vinte e uma vezes campeã do carnaval foi humilhada. Viu seu barracão pegar fogo e constatar que até foi beneficiada com isso, pois não tinha nada. Pela primeira vez foi para a avenida sem competir.

Um processo de humilhação que começara em 2005 com sua gente mais importante barrada de um desfile terminava ali. Porque ali a verdadeira Portela resolveu ressurgir na garra de seus apaixonados.

Primeiro escolheram um samba na marra em 2012 que se consagrou no melhor do ano e foi o responsável pela volta da agremiação ao desfile das campeãs. No ano seguinte outro grande samba salvando o desfile da escola.

Estava na hora da Portela deixar de ser a escola do samba e voltar a ser escola de samba.

Ocorreu em 2013, com a junção de portelenses históricos com gente jovem e apaixonada pela agremiação. Venceram a eleição e começaram a reconstrução.

O astral mudou, as pessoas retornaram felizes à sua agremiação, até eu botei samba nela e aos poucos as coisas foram entrando nos eixos. Dívidas reconhecidas e começando a ser sanadas, carnaval sendo feito com respeito a bandeira ali representada. Trabalho de formiguinha que ao longo dos anos traria a verdadeira Portela de volta.

Que nada!! Mostrando que não é uma escola comum a Portela ressurgiu como a força na natureza que é logo no primeiro ano. Um desfile arrebatador, consagrador, de campeã em um campeonato que lhe fugiu nos detalhes, provando que estava de volta.

O fogo queima as impurezas e do fogo no barracão a águia voou com raiva e vontade de vencer. A Tijuca que abra o olho. Tenho dúvidas se sua estabilização na supremacia irá durar muito.

Anda teria um renascimento para falar. Um que espero que tenha começado ontem (quinta feira). Tinha prometido falar no Boi da Ilha hoje, mas o assunto é longo e acho que merece uma coluna só dele para explicar.

Com essa coluna orgulhosamente fecho a temporada do Ouro de Tolo voltada ao carnaval, parabenizando toda a equipe (em especial ao Pedro Migão e ao Fred Sabino) pelo grande trabalho. Muitas vezes escrevemos sem dormir, sem descansar só para fazer o melhor trabalho para vocês.

Agradecer a vocês pelos recordes de audiência conseguidos pelo blog, chegando em alguns dias aos dois mil acessos únicos.

O carnaval acabou, mas nosso trabalho e nosso compromisso com a informação e o seu entretenimento não.

Feliz ano novo.

[N.do.E.: acho que contribuiu para esta explosão da União da Ilha este ano o enredo escolhido, que tem “a cara da escola”. Espero uma abordagem do Rio de Janeiro na mesma linha para 2015, e um enfoque totalmente diferente do adotado pela Portela, que trará o mesmo enredo.]

6 Replies to “Orun Ayé – “O fim e o renascimento””

  1. O texto é ótimo, mas discordo quanto à análise sobre a Imperatriz. A escola nunca vai mudar sua pecha de “certinha” e “fria”, porque essa pecha – colocada pela imprensa e por quem detesta a escola – marcará a agremiação por muito, muito tempo. Esse enredo é um fato isolado na história da agremiação de Ramos e, por incrível que pareça, assim espero que seja. Contrasenso? Não. Estou escolado pelos títulos que vi a escola conquistar e pelos 13 anos (futuramente 14) de fila. Não foi um enredo com a “cara” da Imperatriz.

    Saudações!

    1. O João Marcos disse, em uma coluna no Sambario, que essa marca da Imperatriz é dela mesma. Segundo ele, as outras escolas violentaram suas tradições para fazer Carnaval para jurado. A escola de Ramos não: fez o que sabe, do jeito que sabe.

      Particularmente acho isso uma virtude. Sem entrar nos méritos das conquistas. A Imperatriz sempre foi a escola que aprendeu a ser; nunca mudou seu estilo para agradar ninguém.

  2. Enquanto a Portela Renasceu, a Mangueira trocou a presidência e fez um carnaval tão pífio e insignificante que sequer foi citada no texto. Não ameaçou cair, não ameaçou nada. Ficou a frente das duas últimas por definição e de duas escolas com crise financeira gravíssima. Por definição, a lanterna das que tinham alguma obrigação…

    A sensação é que a Escola não desfilou. Acho que se não passasse, ninguém daria falta. Só a torre de TV.

    1. Lendo a entrevista do Castanheira a O Globo confirmei a impressão que já tinha de que nem a Liesa esperava um ressurgimento tão rápido da Portela

  3. A maioria pela idade não deve lembrar, mas nos ano 80 a Imperatriz era popular sim. O desfile do “Só da Lalá” foi muito popular e bem recebido pelo povo sem contar “Liberdade, liberdade”

    abraços

    1. Bem lembrado, Aloisio. O rótulo de “desfila para os jurados” a meu ver tem muito relacionado a uma forma de justificar os contestados títulos entre 95 e 2001

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