Na coluna de hoje o estudante Leonardo Dahi nos fala sobre a safra das escolas do Grupo de Acesso do carnaval paulista, que desfilam domingo de carnaval no Sambódromo do Anhembi.

Os sambas-enredo do Grupo de Acesso de São Paulo

Bem, já falei dos sambas do Grupo Especial do Rio, da Série A, do Grupo Especial de São Paulo… Então, para fechar essa série de análises sobre os sambas-enredo de 2014, falo agora do Grupo de Acesso de São Paulo.

Acredito que poucos leitores do Ouro de Tolo acompanhem o grupo, primeiro pela falta de mídia da maioria das agremiações e segundo porque os desfiles acontecem ao mesmo tempo que a primeira noite dos desfiles do Grupo Especial do Rio. Então, aproveito para contar um pouco da disputa que veremos em 2014.

Acreditem caros leitores: ao menos neste ano, a disputa será de altíssimo nível. A começar pelas duas agremiações rebaixadas do Grupo Especial: Mancha Verde e Unidos de Vila Maria, que até 2012 brigavam por títulos no Especial – e em 2013 saíram da Avenida com essa esperança.

Tem também a Estrela do Terceiro Milênio, que bateu na trave nos últimos dois anos e as tradicionais Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche. Esta última, confesso, briga mais para não cair que para subir. Colorado do Brás, Morro da Casa Verde e Imperador do Ipiranga completam um grupo onde ninguém deve passar sem nenhuma emoção: seja na parte de cima ou na de baixo, todos brigam por algo.

Vale lembrar que, neste ano, o Canal Viva transmitirá os desfiles ao vivo no domingo de Carnaval.

Agora sim, aos sambas. Tal como no Grupo Especial, notas de 8,0 a 10,0 fracionadas em décimos.

Colorado do Brás

Enredo: “De onde vem a alegria dessa gente?”

Compositores: Vitor Gabriel, Rodrigo Minuetto, Rodolfo Minuetto e Guilherme Cruz

Intérpretes: Rodrigo Atração e Chitão

Após chegar ao fundo do poço na penúltima divisão do Carnaval Paulistano, a Colorado do Brás se reestruturou e está de volta ao Grupo de Acesso. Graças à competente diretoria ‘Juventude & Transparência’ do Presidente Leandro Donato e ao talento do Carnavalesco Danilo Dantas, a agremiação do bairro do Pari conquistou três acessos seguidos e voltou ao segundo grupo.

O enredo escolhido (áudio acima) é muito semelhante ao da Mangueira – anunciado antes da verde-e-rosa – e fala das festas brasileiras. E o samba, meus amigos, é espetacular. Eu poucas vezes fiquei tão emocionado com um samba-enredo quanto na primeira vez que ouvi. Ele é de uma simplicidade tão marcante que nos remete a toda a trajetória difícil que a escola tem percorrido nos últimos anos.

Simples, mas tocante, ele resume essa viagem pelo Brasil através das festas de maneira bem alegre e com uma excelente melodia. O refrão principal não chega a ser uma pancada, mas é gostoso de cantar. A primeira parte tem uma melodia perfeita e que nos leva ao grande momento do samba.

Este momento é o refrão do meio: “me leva no passo do frevo, me leva / me leva que eu vou festejar, vou dançar / um forró arretado, ao som do xaxado / até o dia clarear”. A melodia nesta estrofe é completamente diferente do resto do samba e deve levantar a harmonia da escola. E aí vemos outro grande momento, a segunda parte: “Bahia… Da Lavagem do Bonfim… / No Olodum eu vou, ouço o rufar do tambor / Vou descendo a ladeira do Pelô / Oh Minas Gerais… / Quem te conhece não te esquece jamais…”. Antes que o samba termine, ainda há uma bela passagem que fala sobre a Cidade Maravilhosa: “meu Rio de bambas, malandros, mulatas / das rodas de samba nos arcos da Lapa / descubro alegria em cada olhar…”

Enfim, é o melhor samba do ano no grupo e talvez até dos dois grupos principais. Rodrigo Atração e Chitão interpretaram o samba com correção e apresentaram excelente entrosamento. Ao final da música, ainda há espaço para alguns versos que embalam o Carnaval da escola: “da loucura, o sonho se tornou realidade. E agora depois de muito trabalho: é só festejar!”. Aliás, a faixa toda é muito bem produzida e empolgante.

Nota: 10,0morro8Morro da Casa Verde

Enredo: “O bicho vai pegar… Medos!!!”

Compositores: Celsinho, Leo Reis, Thiago SP, Anderson Lagrilinha, Caíque da Mangueira, Jorge Chocolate, Marquinhos, Godoy e Felipe

Intérprete: Adeílton Almeida

Esse é um caso muito delicado. Na época das eliminatórias, foi o meu samba preferido em todo o ano de 2014, muito por conta da interpretação sensacional do grande Celsinho Mody. Porém, para o CD oficial, a escola preferiu mudar a linha melódica do samba, que era quase que totalmente marcheado. A obra ficou mais cadenciada e até melhor em alguns pontos, especialmente na primeira parte. Ficou um samba gostoso de ouvir, perfeito.

O refrão do meio também ficou muito bacana e aí… Aí vem a segunda parte.

Como acredito que ninguém tenha ouvido, transcrevo a letra, que acho sensacional para um enredo que fala sobre medos: “olha o boi… boi da cara preta / quem é do Morro não tem medo de careta / lá no Sertão tem um ditado popular / ‘quem conta um conto aumenta um ponto’ / vem cabra macho o lobisomem enfrentar / a loira fantasma eu vi / o homem do saco passou por aqui / em cartaz no cinema suspense e terror / gritos aflitos tremendo pavor / múmias formaram uma gangue / vampiros em busca de sangue / zumbis por favor tenham pena de mim / de tanto susto que leve quase enfartei”.

Acho isso sensacional. Só que por causa dessa melodia mais cadenciada, o samba simplesmente morreu em seu melhor momento. Ficou arrastado, principalmente por conta de uma interpretação pouco carismática de Adeílton Almeida. Ainda seria um grande samba, nota 10, não fosse a passagem entre o 5 e 6. Na versão concorrente, Celsinho puxava o “a loira fantasma” desde o fim do verso anterior, mas Adeílton optou por deixar o samba “mudo” por um tempo quase insuportável e só então interpretar o verso. Ficou bem estranho. Uma pena, mas parece que na Avenida tem funcionado melhor.

Nota: 9,9.

Unidos do Peruche

Enredo: “A beleza é imperfeita e a loucura é genial”

Compositores: Toninho Penteado, André, Mineiro, Denis Patolino, Lucas Santiago e Luiz Bento

Intérprete: Toninho Penteado

Quando eu fiz minhas análises sobre os sambas do Grupo Especial do Rio, comentei que a Mocidade Independente tinha se acostumado a “pedir licença” para entrar na Avenida, ou seja, a fazer sambas que tinham medo de dizer o tamanho da escola. Eu digo sem medo de errar que a Unidos do Peruche atravessa o mesmo problema – e não o superou em 2014.

O samba sobre os loucos da história da humanidade não é ruim, mas está longe daquilo que se espera de um samba-enredo de uma escola como essas. Acho o refrão principal fraquíssimo e a primeira parte um pouco sem sentido em relação ao enredo, como nos versos “a saudade da minha amada / traz coragem pra lutar…” Também não gostei muito das subidas de tom no refrão do meio, que devem comprometer o canto da escola.

Gosto bastante da segunda parte, mas sinto falta de algo mais explosivo no samba. Considero a obra linear demais. Uma pena em se tratando da Filial do Samba. Toninho Penteado tem atuação regular na gravação.

Nota: 9,4.ariellenCamisa Verde e Branco

Enredo: “O Quilombo está em festa! Do Grupo Barra Funda ao Camisa Verde e Branco vamos celebrar 100 anos de histórias!”

Compositores: Denny Gomes, Almir Menezes, Léo Abdalla, Matheus Neves, Marcelinho, Fábio de Paula e Silas Augusto

Intérprete: Juninho Berin

O caso do Camisa Verde e Branco, cuja ausência no Grupo Especial é não menos que lamentável, é exatamente o inverso da Peruche. Falando sobre o seu centenário desde a fundação do Grupo que daria a origem a uma das mais tradicionais escolas do Brasil, o Camisa tem um samba daqueles que faz qualquer torcedor cantar forte.

Sob nova direção, a escola vem lembrar já no refrão principal que “é muito Especial”, numa alusão muito bem sacada quanto à divisão da escola. No primeiro verso da primeira parte, os compositores encaixaram um “a Barra Funda pisa forte na Avenida” que é excelente. Em seguida, ele conta muito bem o enredo, as origens da escola, a opressão sofrida pelos seus primeiros membros, etc. Há uma mudança melódica interessantíssima no meio da primeira parte, no trecho do “firmei meu ponto lá no Largo da Banana”.

O refrão do meio fala da madrinha da escola, a Mangueira, mas guarda outro trecho que mistura dois Carnavais inesquecíveis da escola de maneira genial: “dormi em teus braços… ó Nega Fulô / mas é você Narainã meu grande amor”. Simplesmente genial, insisto.

O início da segunda parte tem um bem sacado “louco… o Rei do Ouro das Minas Gerais” e outra brincadeira com carnavais marcantes da escola: “enchi a cara de cachaça e pendurei / na saída do metrô eu encontrei / inesquecíveis Carnavais”. Antes de uma merecida homenagem aos grandes bambas da escola e ao Carnavalesco Talismã, um trecho bacana sobre o desfile da escola sobre a cerveja: “vem loirinha… alterar o meu astral (que legal)”.

É um samba que cada vez cresce mais no meu conceito por conta de suas sacadas inteligentes e por sua melodia ousada. Sem dúvida, top 3 do grupo.

Nota: 10,0.

Imperador do Ipiranga

Enredo: “Os quatro deuses encantados sob as bênçãos de São Caetano do Sul”

Compositores: Maradona, Turko, Paulinho Miranda, Ricardo Netto, Diley Machado, Macaco Branco e Paulo Filosofia

Intérprete: Evandro Malandro

Depois de dois anos escapando do rebaixamento sabe Deus como, a Imperador do Ipiranga vem para 2014 ameaçada pela Colorado do Brás na briga por fugir da única “vaga” no Grupo 1 da UESP em 2014. O enredo escolhido foi uma homenagem à cidade de São Caetano do Sul.

Até por conta do enredo bem desenvolvido, o samba foge um pouco do lugar-comum em enredos CEP. Ele mantém aquela estrutura “lenda-festa-passeios-parque industrial”, mas faz isso com um pouco mais de originalidade. Não é um samba ruim, tem uma letra bem construída, uma melodia bem trabalhada, mas falta um momento de maior explosão. É outro samba com melodia muito linear e que vez ou outra é atrapalhado por subidas de tom desagradáveis.

Evandro Malandro tem excelente desempenho na condução de um samba apenas bom e que não se destaca em uma safra de altíssimo nível.

Nota: 9,7.vilamaria_raulzito_rzt_8153Vila Maria

Enredo: “Nos meus 60 anos de alegria sou Vila Maria e faço a festa resgatando do passado brinquedos e brincadeiras dos tempos de criança”

Compositores: Alemão do Pandeiro, Ítalo Rubbin, Prof. Wal, Russo, Paulo Senna, Anderson Madrão, Tadeu Gomes, Nininho, Wagner Yhai e Pepê Niterói

Intérprete: Clóvis Pê

Muita gente acusou injustamente a Vila Maria de copiar o enredo e a logomarca da União da Ilha do Governador no Carnaval 2014 (injusto, porque a Ilha divulgou tudo isso no sábado e a Vila no domingo). Bobagem: se tem uma coisa em que a Vila Maria copia mesmo a tricolor insulana é na disputa de samba.

Eu não conseguia decidir qual das duas escolas era mais incompetente na escolha do samba-enredo, mas com a vitória de Gabriel Fraga e parceiros na Ilha, o título foi mesmo parar no Jardim Japão. Não que o samba seja um horror como aquele sobre as mãos ou o que foi rebaixado falando da Coreia do Sul. Mas essa junção estranha resultou em um samba muito inferior ao da parceria de Jorge Zanin e ao de Fabinho Sampa e parceiros.

Vamos por partes: acho o refrão principal desse samba brilhante. Considero os versos “na roda da vida, vou dar a volta por cima” perfeitamente condizentes com a situação atual da escola. Porém, no resto do samba vejo uma letra muito mais alegre que a melodia. Acho também que os compositores se preocuparam muito em homenagear a escola e pouco em falar das brincadeiras de criança.

Também me incomodam algumas denominações no samba: aqui em São Paulo, não existe “pique-esconde” e sim “esconde-esconde”, para ficar em um exemplo. Não tiro ponto por isso, mas fica o registro. Acho que é um samba que tem tudo para passar muito bem, mas que não me agrada muito. Diga-se de passagem, Clóvis Pê já teve interpretações piores que esta…

Nota: 9,6.

Mancha Verde

Enredo: “Bem Aventurados Sejam Os Perseguidos Por Causa Da Justiça Dos Homens… Porque Deles É O Reino Dos Céus”

Compositores: Vaguinho, Douglinhas e Jaú

Intérprete: Freddy Vianna

Depois do rebaixamento absurdo em 2013, a Mancha teve que cancelar a homenagem ao centenário do Palmeiras que pretendia fazer no Grupo Especial. Em seu lugar, optou pela reedição do desfile de 2006, que não foi julgado em meio à confusão sobre a inclusão ou não de torcidas organizadas no grupo principal.

O samba, à época, fez sucesso, mas eu acho horrível. Lento, arrastado e não acaba nunca. Porém, uma alteração na melodia aqui, um refrão que virou estrofe sem repetição ali, ficou um samba bem agradável de se ouvir, até. Mesmo porque, embora em 2006 ele estivesse na voz do excelente Vaguinho, agora ele é cantado pelo não menos fantástico Freddy Vianna, que deu outra cara à obra.

Continua sendo um samba abaixo da média. Como o compositor Vaguinho compõe para o intérprete Vaguinho, ele costuma fazer uma melodia que o permita “chorar” mais. As vezes dá certo, as vezes não. Nesse caso, não. Freddy ainda tentou mudar isso, mas não obteve êxito completo. Outro problema nesse samba é que em alguns setores ele faz citações diretas – como no que fala sobre Jesus – e em outros, conta o que foi proposto na sinopse de maneira indireta – caso do Papa João Paulo II e dos imigrantes italianos, por exemplo.

Enfim, em suma, ele melhorou bastante em relação à 2006, mas, ainda assim, é fraco. A meu ver, o pior do grupo.

Nota: 9,4.

Terceiro Milênio

Enredo: “Xirê! Louvação aos orixás!”

Compositores: Edimar do Salgueiro, Wagninho Sempre Soube, Wesley Rios, Edson Salin, Cassio Oliveira e Ronaldo Brás

Intérprete: André Pantera

Diz a lógica que, escolhendo um enredo afro, são pequenas as chances de uma escola ir com um samba ruim para a Avenida. Após bater na trave em seus dois primeiros anos no Acesso, a Estrela do Terceiro Milênio terá um samba (áudio acima) que corrobora com esta tese para chegar pela primeira vez ao Grupo Especial.

Com um tema muito pertinente que esclarece as raízes do candomblé e conta a função de cada orixá nesta religião africana, a Coruja do Grajaú tem um dos mais fortes refrãos do Carnaval: “motumbá, kolofé! / a Zona Sul tem mais axé! / sou Terceiro Milênio / a Estrela que brilha com candomblé”. Em seguida, ele conta perfeitamente a história descrita na sinopse, principalmente no que se refere a separação e posterior união (através de pulseiras e colocares) do Orun (mundo dos deuses) e do Aiyê (mundo dos homens).

Gosto muito do trecho final na primeira parte, que tem uma excelente melodia: “nos rituais… catulou, raspou, pintou / iniciando Iyaô”. O verso nos leva ao refrão do meio que tem uma bossa sensacional da bateria do Mestre Diego: “xirê! Xirê! Vai começar… / no toque do tambor, dança orixá / xirê! Xirê! Epa babá! / A devoção vai nos consagrar…”.

Em seguida, na segunda parte, o samba viaja pela função de cada orixá com uma melodia rápida e uma letra simples, a despeito das expressões afro. O grande destaque da faixa é o intérprete André Pantera, que canta o samba com correção e tem excelentes cacos adaptados à letra e à melodia.

Nota: 10,0.

Considerações Finais: talvez a melhor safra do século no Grupo de Acesso, com quatro dos oito sambas (50%) de muita qualidade e apenas dois que deixam a desejar. Promessa de um desfile equilibradíssimo no domingo de Carnaval. Do melhor samba ao pior, eis minha preferência.

  1. Colorado
  2. Estrela
  3. Camisa
  4. Morro
  5. Imperador
  6. Vila Maria
  7. Peruche
  8. Mancha

Bem, agora acho que só volto a falar de Carnaval por aqui quando o dito cujo estiver em andamento.

(Imagens: G1)

8 Replies to “Filho Pródigo: “Os sambas-enredo do Grupo de Acesso de São Paulo””

  1. Bom..apenas discordo do samba da Mancha Verde
    E acho que a maioria tbm discordará pq o samba da mancha é um dos melhores sambas do carnaval paulistano .
    Só acho que esse samba tema acara do vaguinho e por mais que o grande Fredy Viana tente imprimir sua cara …esse samba é feito para o vaguinho
    A letra do samba é espetacular e a melodia em tom que emociona quem canta

    Do mais concordo com tudo

  2. É impressão ou esses sambas são os obtiveram a melhor média de nota dos sambas analisados aqui no Ouro de Tolo?

    Abraços!

      1. Acho que pra esse CD saiu a maior quantidade de notas 10, por exemplo. E não teve nenhuma nota abaixo de 9,4.

  3. O sagrado banalizado na avenida pela, TERCEIRO MILÊNIO DO GRUPO DE ACESSO DE SÃO PAULO!
    Quem orientou essa escola nesse tema não foi responsável com o sagrado das culturas africanas no brasil.
    Atos sagrados de uma casa de santo, foi jogado na avenida como algo banal.
    Quem orientou esse povo quebrou regras de uma cultura, Okodidé, adoxo e a pintura de efun é usado na saida de um orisá do roncó, tudo é manipulado em segredo pelo babalorisá no roncó, dando o direito a quem desejar fazer o mesmo, banalizando e vulgarizando um ato sagrado na vida desse Iawó.
    Este Iawó sai do roncó pintado e adoxado para seu orisá dar o seu RUN, gritar seu nome e dizina.
    Quem orientou esse povo sobre essa cultura, foi irresponsável com ela.

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