O ano é 2014, mas o assunto ainda é 2013. A coluna do advogado Allexandre Valle explica porque a decisão extra campo que beneficiou o Fluminense está longe de ter um final definitivo, mostrando também que o recurso à Justiça Comum é perfeitamente válido.

Essa novela ainda não acabou…

Quer ver uma coisa? Você fica doente e pede ao INSS a concessão de um benefício e ele te nega. Você deve desistir após a última decisão (última Instância) desse órgão ou tem direito a ir ao Judiciário para reparar essa injustiça? Claro que você vai dizer que não se conformaria com a negativa administrativa e partiria pra briga na Justiça, certo?

Outro exemplo: Seu pai foi torturado durante a ditadura militar e o Ministério da Justiça – que concedeu pensão vitalícia e indenização ao Gilberto Gil e ao Caetano – nega o mesmo a ele. Você aceitaria ver o velho ser chamado de chato, sem senso esportivo ou antiético apenas porque não se conformou e requereu seus direitos perante um Juiz?

Então por que razão, amigos, um clube – ou mesmo um  torcedor – não tem o direito de rever um julgamento de uma Justiça Desportiva, que, por sua natureza atípica – os auditores são indicados e não concursados – não é garantia absoluta de julgamento técnico e inatacável, sem se falar em “virada de mesa” ou “manobras judiciais”?

Fala-se, antes mesmo, que se deve SEMPRE respeitar o  resultado de campo. Seria isso mesmo – SEMPRE – a melhor postura?

Volto a perguntar: E se, dias depois, descobrirmos que o adversário do seu time jogou com meio time dopado? E se descobrirmos (e provarmos), a posteriori, que a água colocada no vestiário do time visitante estava batizada, como fez a Argentina (com o Brasil) no passado ou como a Aline faz com o César, na novela das 21 h? O que fazer? Manter-se passivo, resignado e imóvel em nome do respeito ao resultado das quatro linhas ou correr atrás da correção do erro, em respeito à moralidade no esporte, punindo-se os responsáveis, ainda que essa punição inverta os pontos da partida, tirando-os do infrator e concedendo-os ao clube que foi vítima dessa mesma infração?

Muitos não confessarão, mas o conceito de moralidade no futebol, na maioria das vezes, é muito flexível e os torcedores bailam no ritmo de seus interesses: Se é bom para o seu clube, querem a aplicação da Lei (seja ela qual for, desportiva, comum…), mas se a aplicação da norma contraria os interesses do seu clube (e, concomitantemente, o resultado do jogo), deverá sempre prevalecer o placar construído no gramado, ainda que em detrimento do que dizem as Leis.

Como se vê, quando se envolvem as paixões, nem sempre tudo é tão simples e pragmático como parece – ou como deveria (?) – ser.

Não falo em nome da defesa do interesse de clube nenhum nem pretendo aqui julgar o mérito da perda dos pontos do Flamengo ou da Portuguesa, nem o benefício indireto (?) ao Fluminense – que com isso evitou o seu rebaixamento – ou muito menos discutir se o Vasco (clube pelo qual torço) e/ou seus torcedores tem ou não razão em seu (s) pleito (s) de ir à Justiça. Dizer que alguém tem razão é discutir o mérito, mas afirmar que existe alguma base jurídica é provar que o caso pode ser discutível. Sendo assim, o que quero é demonstrar, como Advogado e Ex-Auditor do TJD/RJ (2000/2002) que essa novela ainda está longe de acabar e que, dificilmente poderemos afirmar, hoje, nem tão cedo, com segurança, quem serão, realmente, os rebaixados, se haverá rebaixados, quem estará na Série A (entre os clubes citados, estendendo-se o mesmo à Ponte Preta e Náutico) ou se o próximo Brasileirão (ou seja lá o nome que tiver em 2014) terá 20, 22 ou 24 clubes.

Mas como, longe de acabar, perguntariam alguns, se a FIFA proíbe que os clubes recorram à Justiça Comum, prevendo, inclusive, penalidades às Confederações dos países que permitirem tal postura? Antes de mais nada, é preciso desmistificar essa lenda que, há anos, alguns teimam em acreditar e em difundir.

Outro dia mesmo, vi um advogado de um clube, cujo nome omitirei em respeito à ética, dizendo que há um conflito porque a FIFA proíbe o acesso à Justiça Comum, enquanto nossa Constituição Federal permite, o que foi, inclusive corroborado por um auditor do STJD que mais parecia usar tal afirmação como uma ameaça de quem quer impor o julgamento daquele órgão como última instância dos clubes e/ou dos cidadãos.

Nada mais incorreto.

Na verdade, o artigo 68 do Estatuto da FIFA estabelece que os países-membros da FIFA devem inserir em seus códigos um artigo estipulando que seus associados não recorram à Justiça Comum, DESDE QUE as Leis do País permitam isso e nossa Constituição Federal (maior lei de um país), em seu art. 217, parágrafo 1º limita o acesso à Justiça Comum, pelos clubes, apenas após o esgotamento da última instância da Justiça Desportiva OU caso essa não tenha tomado suas decisões em até 60 (sessenta) dias, ainda que o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) diga o contrário, até mesmo porque o referido Código é apenas uma “resolução”, logo uma norma hierarquicamente inferior ao Estatuto do Torcedor (que é uma Lei Federal) e à Constituição Federal, nossa Lei Maior.

Como é cediço, os clubes envolvidos no imbroglio desse fim de ano e que protagonizaram julgamentos que foram, inclusive, por transmissões televisivas e por alguns sites, já foram até onde podiam, no âmbito desportivo, restando-lhes agora, apenas decidir se querem ou não adotar os meios jurídicos disponíveis na Justiça Comum.

A questão maior e que poucos se deram conta é que, ainda que os clubes não queiram ajuizar ações na Justiça Comum, nada impediria – nem impede – que seus conselheiros ou mesmo, torcedores, o façam, se tiverem algo relevante a ser discutido pelo Judiciário, até porque nossa Carta Magna determina que um dos direitos individuais do cidadão é o de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, também conhecido como Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário para evitar que qualquer lei autoritária, e portanto, inconstitucional e atentatória ao Estado Democrático e de Direito, possa reservar alguma matéria alijada da proteção da apreciação da Justiça.

O ESTATUTO DO TORCEDOR, tão em voga nos últimos dias, define o TORCEDOR, em seu art. 2º, como “toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva.” e garante ao mesmo uma série de direitos que podem ser pleiteados na Justiça Comum, claro, uma vez que torcedor não pode propor ações perante Tribunais Desportivos para fazer valer esses mesmos direitos.

No caso da Portuguesa, o que poderiam, então, esses torcedores alegarem (repito, não quero entrar no mérito se o argumento é ou não é válido) seus torcedores?

Primeiramente, que o jogador que teria sido escalado irregularmente, estaria constando como regular – ou apto para jogar – até o final do expediente da sexta-feira anterior ao jogo no próprio BID (Boletim de Informações Diárias) DAS SUSPENSÕES DA CBF e que, somente um dia após o jogo – segunda-feira – passou a constar como irregular.

Embora um dos auditores tenha argumentado que não se deve confundir a falta de publicação com a falta de publicidade a que se refere o Estatuto do Torcedor, tal tese não mereceria prosperar, em meu entendimento, pelo simples fato de que tal Lei Federal citada dispõe, em seu artigo 35 que “as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese…” “…ter A MESMA PUBLICIDADE que as decisões dos tribunais federais.” 2gazetapress1Ora, se a publicidade nos Tribunais Federais só se dá com intimações, citações ou com a PUBLICAÇÃO em Diário Oficial, essa “MESMA PUBLICIDADE” só existiria, no caso da Portuguesa, com a publicação no BID DAS SUSPENSÕES, o que não ocorreu tempestivamente.

Esse, em nosso entendimento, seria um caminho que poderia levar a Lusa a obter sucesso, ou, ao menos UMA LIMINAR – entre tantos processos que seus torcedores, certamente distribuirão em vários Estados do Brasil – que trará, como efeito, a suspensão da perda dos pontos da Portuguesa até o julgamento do mérito final da ação que, em primeira instância poderia levar meses (sem falarmos das demais instâncias), engessando a CBF que não poderá elaborar tabela do Brasileirão/2014 sem a presença de tal agremiação, enquanto o caso estiver sub judice, sob pena de prisão, caso seus dirigentes desobedeçam tal ordem judicial.

E os torcedores do Vasco? O que poderiam argumentar? Teriam algum argumento realmente sério – juridicamente falando – que sustentasse seus pleitos e que os levasse a obter, da mesma forma uma liminar com os mesmos efeitos de suspensão provisória da perda de pontos e de inclusão na Série A até a sentença final, como pretendem os torcedores da Portuguesa?

Ouso dizer – vale repetir, sem adentrar ao mérito – que sim e mostrarei apenas um dos pontos, até porque, a pedidos, reservarei outro dia para me estender, de forma mais detalhada, sobre os diversos fundamentos jurídicos que os dois clubes poderão questionar e, em função disso, não como objetivo, mas como conseqüência, paralisar tudo e engessar a CBF na elaboração de tabela do próximo Campeonato Brasileiro, até porque a mesma é acusada de ser uma das maiores responsáveis por toda essa confusão e será RÉ na maioria dos processos, assim como vem sendo investigada pelo Ministério Público do RJ e de SP, para averiguar eventuais responsabilidades da entidade, em ambos os jogos (no da Portuguesa e no do Vasco) e respectivos julgamentos, até porque, o artigo 34 do Estatuto do Torcedor diz, claramente que “é direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os Princípios da Impessoalidade, da Moralidade, da Publicidade e da Independência.

Sob esse aspecto e apenas para ilustrar, informo que um Promotor de Justiça de São Paulo, Dr. Senise, nesta semana, deu entrevista ao LANCENET! dizendo, entre outras coisas, que “o STJD coloca as coisas como se seu código fosse autossuficiente e ele, o STJD, estivesse blindado pela Justiça Brasileira quando, na verdade, tem que se submeter ao que diz a Constituição Federal, não podendo se proclamar como um mundo à parte.

Mas, voltando ao Vasco, seus torcedores argumentam, não sem base jurídica, que o ESTATUTO DO TORCEDOR foi desrespeitado em alguns de seus dispositivos, como por exemplo:

I) o artigo 1-A determina que “a prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos”.

II) O artigo 14 aduz ainda que “… a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

Assim, mais que discutir se o árbitro poderia ou não recomeçar o jogo com 73 minutos de interrupção quando o CBJD fala em um máximo de 60 minutos, a questão principal é que o jogo não poderia, sequer ter sido iniciado sem a presença de AGENTES PÚBLICOS de segurança (leia-se PMS) dentro do estádio e que, o fazendo, devem ser atribuídas as responsabilidades a quem de direito, dentre eles o próprio Atlético Paranaense que, em sendo considerado culpado por ter infringido o Estatuto do Torcedor, deverá perder os três pontos da partida – eu seriam revertidos ao Vasco, desta feita, não pelo Estatuto, mas como conseqüência prevista no “Regulamento Geral das Competições”, da própria CBF.

Vale repetir que não pretendo julgar se aquilo que é jurídico também seria justo, alterando o resultado das partidas, até porque, como já disse, na maior parte dos casos, o conceito de “moralidade” entre os torcedores é muito flexível e costuma voar ao vento dos interesses clubísticos, mas apenas fazer um breve exercício de reflexão com os leitores para que cada um avalie não acredito que haja descenso para o  próximo Brasileirão.

Em primeiro lugar, lembro que 2014 é ano de eleição na CBF e que seu Presidente José Maria Marin quer eleger como seu sucessor o candidato Marco Pólo Del Nero, o que já é uma importante variante de natureza política, principalmente se considerarmos que existem interesses de dois clubes cariocas em jogo e que a Federação de Futebol do RJ é uma das eleitoras que escolherá o próximo presidente da CBF.

Em segundo lugar, com a realização da Copa do Mundo em JUNHO, a CBF deseja iniciar o Campeonato Brasileiro em ABRIL e, para cumprir o Estatuto do Torcedor, precisa ter sua tabela definida com, pelo menos 60 (sessenta) dias de antecedência, portanto, em FEVEREIRO.

Em terceiro lugar, assim que a PORTUGUESA conseguir a primeira liminar, recuperando os seus 4 (quatro) pontos, os próprios torcedores do FLAMENGO poderão – e deverão – recorrer ao Judiciário (além dos torcedores do VASCO, como já dissemos) porque, nesse caso, com a Lusa recuperando os pontos, o clube da Gávea tomaria seu lugar, dentre os clubes que cairiam para a Série B. Vejam, portanto, a bola de neve que pode se formar e a pressão a que será submetida a CBF.

Como o Judiciário volta de seu recesso nesta primeira quinzena de JANEIRO, época em que serão ajuizadas as centenas (ou milhares, dependendo da mobilização nas redes sociais) de ações na Justiça Comum, por torcedores dos clubes citados, não é difícil prever que, com a enxurrada de liminares sendo concedidas Brasil afora, não sobrará à CBF, em virtude da exigüidade do tempo, outra alternativa que não seja encontrar uma solução para ampliar o número de participantes em sua próxima competição, ainda que seja obrigada a convidar equipes, inclusive Ponte Preta e Náutico (sob pena desses também ingressarem em Juízo) – por uma questão de tratamento isonômico –que, pelo critério técnico não atingiram o requisito necessário para se manterem na Série A – ou seja lá o nome que se dê a ela – como na época da criação da COPA JOÃO HAVELANGE, quando o GAMA/DF conseguiu sua vaga na Justiça Comum, em virtude da  polêmica envolvendo o atleta Sandro Hiroshi.

imageComo podem ver, ao contrário do que muitos pensam, não seria nenhuma novidade e nem nenhuma aberração jurídica, diante dos fundamentos apresentados. Solução para evitar que novos campeonatos sejam resolvidos nos Tribunais?

Maior atenção e maior seriedade dos responsáveis pelos clubes – todos – e pelas entidades que organizam as competições, bem como dos tribunais desportivos que não podem se arvorar na condição de habitantes de outro planeta que não está adstrito à legislação pátria.

Se todos cumprirem os seus papéis, os atletas, verdadeiros protagonistas do esporte, certamente saberão cumprir os seus e assim ninguém poderá reclamar do resultado produzido no campo de jogo, mas,  enquanto isso não for resolvido, enquanto esse enredo não for desvendado pelo roteirista dos gramados celestiais, muita água ainda vai rolar e, podem  estar certos, ESSA NOVELA AINDA NÃO ACABOU, amigos.

Podem me cobrar depois.

(Imagens: Globoesporte.com., GazetaPress e reprodução de internet)

2 Replies to “Impressões Digitais: “Essa novela ainda não acabou…””

  1. sinceramente.creio que a portuguesa e o flamengo ,venham recuperar seus pontos e o fluminense ,volte p seu verdadeiro lugar,a série B. mais ,dizer que o vasco tenha direito a alguma coisa já é ilusão sua meu querido. ou vc é muito fanático ou fuma um negocinho? toma vergonha na cara e para de delirar. flu e vasco fazEndo classico na segundona é a realidade.pode me cobrar.

  2. Leandro Pedrosa, quanto ao “vergonha na cara” e ao “fuma um negocinho”, vou m e abster de comentar porque vejo que nossas origens (de educação, ressalte-se) são bem diferentes e entendo sua dificuldade de lidar com as divergências de pensamento, apenas na argumentação fundamentada e polida. No mais, “cantei a pedra” quanto à Portuguesa e Flamengo bem antes das duas conseguirem as tais liminares. Quanto ao “direito do Vasco a alguma coisa” (como vc diz)já expliquei no artigo e só posso admitir três hipóteses: Ou você não leu, ou não entendeu o que leu ou, por ser leigo na matéria não alcança a profundidade dessas questões e não conhece o funcionamento do Judiciário e o caráter obrigatório de suas decisões. O resto é “mimimi”. Saudações!

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