Nesta quinta feira, o historiador Luiz Antonio Simas nos traz histórias sobre as ocasiões em que as autoridades tentaram intervir no curso normal do carnaval e a reação da população.

O Carnaval Venceu

Imaginem o Rio de Janeiro sem o fuzuê do Carnaval. Seria como Belém do Pará sem o Círio de Nazaré, Roma sem o papado, Juazeiro do Norte sem os romeiros do Padre Cícero, São Paulo sem engarrafamentos, o inferno sem o capeta e Londres sem as pompas da monarquia. Não combina.  Nem sempre, porém, a relação amorosa entre o Rio e o reinado de Momo foi aceita como um destino sentimental da cidade.

Em 1892, por exemplo, o governo do Marechal Floriano Peixoto, por iniciativa do Ministro do Interior, transferiu o Carnaval de fevereiro para junho, com o argumento de que o verão era mais propício à propagação de epidemias mortais. A população não se fez de rogada; brincou em junho e se esbaldou em fevereiro, ignorando a ideia saneadora. Antes que a moda de dois carnavais se consolidasse, o governo recuou da proposta no ano seguinte.

Em 1912, o Barão do Rio Branco (foto) morreu no início de fevereiro e o Carnaval foi adiado para abril. Argumentou-se que a cidade estava em choque com o falecimento. Mais uma bola fora. O Barão foi para o beleléu e o carioca foi às ruas bater bumbos, subvertendo o luto coletivo. O povo ainda comemorou a morte do velho com uma quadrinha galhofeira: “O Barão morreu / Teremos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso / Se morresse o marechá”. Registre-se que o “marechá” da morte desejada era o presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca.

No final da década de 1920, a suprema maluquice: o Conselho Municipal da cidade sugeriu a extinção pura e simples da festa. O argumento dos carrancudos membros do Conselho era o de que a proibição acabaria com os distúrbios gerados pelo furdunço.

O caricaturista J. Carlos, conhecedor das coisas da cidade, manifestou-se contra a proibição em uma charge famosa, que trazia uma sentença definitiva de alerta aos manda-chuvas: Acabar com o Carnaval? Cuidado, conselheiros… Por muito menos fizeram a Revolução Francesa.

O fato é que a consolidação do Carnaval como uma festa entranhada na alma carioca é uma conquista da população. Se dependesse apenas dos poderosos, o Carnaval do Rio de Janeiro, sobretudo aquele brincado nas ruas, seria algo tão esfuziante quanto uma procissão do Senhor Morto durante a Sexta-Feira da Paixão.

Acendo minha vela de sete dias no altar carioca, portanto, ao folião anônimo. Comandante de uma nau de piratas fajutos, membro de uma caravana de ébrios beduínos ou pierrô apaixonado, é ele que merece, no combate contra os bárbaros de ternos bem cortados e gravatas de grife, todas as honras de herói civilizador da nossa gente.

Evoé!