Retomando a série “Escola do Meu Coração”, o analista de TI e ritmista Alexandre Cândido (foto) nos conta um pouco sobre o Império da Tijuca, que retorna ao Grupo Especial após 18 anos. O curioso é que só não desfilei na bateria da escola em 2004 porque meu joelho estourou na véspera e fiquei imobilizado em casa no dia do desfile…

A Sinfonia Imperial

Meu amigo polêmico, Pedro Migão, que é o síndico desse espaço aqui me fez um convite bem inusitado: escrever sobre uma agremiação que está no meu coração.

Eu, que tenho poucos anos de contato com o samba, fui convidado a escrever sobre o Império da Tijuca, uma escola bem tradicional que tem brigado constantemente para sobreviver a todas essas modificações ou “evoluções” que o carnaval vem sofrendo nos últimos anos.

Como Pedro Migão chegou à conclusão de que o Império da Tijuca está no meu coração eu não sei, mas ele acertou. Alguns amigos mais próximos já me disseram que ao me ver cantando o alusivo do Império há emoção em meu rosto e que no meu sangue tem muito mais verde e branco do que as cores da Escola que escolhi para torcer aos meus 10 anos de idade. Segundo meus amigos, só eu que ainda não descobri esse verde e branco no meu DNA.

É, pode ser: o Império da Tijuca é uma Escola simpática e cativante. Sabe receber quem chega para conhecer o trabalho que é desenvolvido no morro da Formiga, existem várias alternativas para você colaborar com a Escola (basta escolher) e o Império vêm agregando mais colaboradores e simpatizantes a cada ano que passa. O retorno disso pode ser medido nos resultados dos últimos quatro carnavais, claramente a Escola vem realizando trabalhos melhores a cada ano.

Não posso negar que nesses seis anos que desfilo como ritmista da Sinfonia Imperial sob a batuta do Mestre Capoeira o alusivo da Escola e todo o esquenta com sambas clássicos da Escola jogam uma carga de emoção que me motiva muito a defender o pavilhão do Morro da Formiga. A Escola não tem os sambas badalados e populares que compõem o repertório dos casamentos, e outras festas; mas tem em sua história belas composições que podem encantar até o mais leigo dos foliões.

O Império da Tijuca me conquistou em um ensaio com cinco atos.

Meu contato com o samba infelizmente foi muito tardio, ninguém da minha família tem ou teve contato com uma escola de samba, e até 2000 que foi quando aprendi as primeiras batidas em um pandeiro com Mestre Pedro Lima e Marco Suzano o samba era apenas um gênero que animava as minhas noites no bar Semente e invadia minha casa nos dias de desfile do Grupo Especial.

Só em 2005 já depois dos 30 anos é que eu me animei a aprender o instrumento que mudou toda a minha rotina de vida: o tamborim. Após alguns anos de aprendizado inicial em 2008 eu resolvi me dedicar para realizar um desejo: estar em uma bateria de Escola de Samba.

Empolgado com essa meta, “intimei” meu amigo salgueirense e também ritmista Roberto Zuk a me ajudar, ele me apresentou ao diretor de tamborim Alexandre Lima e ao Mestre Capoeira, duas pessoas que hoje tenho a honra de chamar de amigos.

Eu me lembro até hoje da minha chegada ao Império da Tijuca, após subir o morro da Formiga pela primeira vez numa noite de terça feira para o ensaio de bateria, o primeiro ato que me conquistou foi “O Misticismo da África ao Brasil” (1971):

“Lua alta, som constante
Ressoam os atabaques
Lembrando a África distante
E o rufar dos tambores, lá no alto da serra
Personificando o misticismo
Que aqui se encerra
Saravá pai Oxalá
Que meu samba inspirou
Saravá todo povo de Angola Nagô

Agô ôôô agô ôôô” 224608_188184037895191_788563_nEsses versos do samba me deixaram paralisado, mal consegui prestar atenção no desenho de tamborim que estava sendo passado, fiquei prestando atenção ao samba durante as duas passadas sem tocar nada: estava sem ação. Após algumas passadas, sem respirar muito, o recém chegado a Escola Pixulé emendou o segundo ato, “Tijuca, Cantos, Recantos e Encantos” (1986):

“Você foi um berço de índios
Lugar que Estácio de Sá
Deu aos jesuítas
O direito de ficar
Área do café e do chá
Onde os negros
Iam pra colheita trabalhar (oh Tijuca)
Oh Tijuca
A brisa beija
Seu verde e faz bailar
Belos cantos que encantam
Recantos de encantar
O amanhecer, passarada a revoar
Vista Chinesa e a Mesa do Imperador
Olha que esplendor
Cachoeiras a cachoar
É a natureza a cantar”

Eu não sou Tijucano, passei a maior parte da minha vida na Zona Sul do Rio de Janeiro, quando escutei esse samba bateu uma inveja de ter passado a vida inteira morando num bairro que não teve sua história exaltada em um samba com versos tão bonitos.

Seguindo na linha dos clássicos da Escola veio o terceiro ato, “O Mundo de Barro de Mestre Vitalino” (1977) que um mês mais tarde seria escolhido como a reedição no carnaval de 2009.

“Poeta no sentido figurado
De uma simplicidade sem igual
Que fascinado simplesmente
Retrata o Nordeste, sua gente
Grupo de bravos soldados
Camponês e lenhador (ôô ôô)
Boiadeiros e rendeiras
Lampião e seu amor
O caçador com seu cão a farejar”

Um samba que em seus versos eleva Vitalino (um artesão) ao status de poeta, por suas obras inspiradas em crenças populares, retratando situações do cenário rural e urbano. Esse samba é uma obra prima para homenageá-lo. 420792_309659685750866_1637171709_nSegue o ensaio, a essa altura, eu já não sabia o que fazia, se prestava atenção nos sambas, no desenho de tamborim, no bailado da porta bandeira, sim, Jaçanã (ao lado): não há como falar do Império da Tijuca sem falar daquela que carrega o pavilhão do morro da Formiga, sempre com um sorriso simpático no rosto e muita elegância. Ela não vestia aquela indumentária pesada de desfile, a roupa do ensaio não brilhava mas nossa porta bandeira pairava pela quadra com passos seguros e movimentos leves que faziam todos achar que toda quadra é que estava se movendo – ao invés dela.

Para finalizar o ensaio, o quarto ato, o clássico que rendeu a escola o primeiro Estandarte de Ouro em samba enredo, “O intrépido santo guerreiro” (2007).

“Jorge era um bravo guerreiro
Que enfrentou batalhas sem nunca temer
E com o seu talento natural
Chega ao comando da guarda imperial
Roma que em tempos distantes
Punia os amantes da religião cristã
Via o soldado convertido
Apesar de perseguido, confirmar sua fé
Diocleciano, imperador romano
Ordenou a sua execução
Se espalhou o culto em sua devoção
 
Não chore alteza, não chore não
O cavaleiro matou o dragão (bis)
Santo guerreiro, de coração
Canta o Império em louvação”

Um samba forte, com pegada, que aliado à bateria do Império da Tijuca incendeia toda a comunidade até hoje quando cantado.

Assim terminava mais um dia de ensaio no morro da Formiga, a Escola que já tinha me conquistado em quatro atos deixou para o final o mais importante, a forma como Mestre Capoeira, Alexandre Lima me agradeceram pela presença no ensaio me convidando para o retorno na próxima semana pois os trabalhos para o carnaval já haviam começado e contavam comigo. Esse foi meu primeiro convite para desfilar na Marquês de Sapucaí. 302540_1558771904781_1315195312_nNota Pessoal 1: A partir desse ensaio eu estava definitivamente entrando para a rotina exaustiva de ensaios de bateria que por vezes exige mais do que podemos dar em termos de tempo, por dois anos consecutivos (2012 e 2013) eu deixei minha vaga no Império da Tijuca à disposição por problemas de ordem pessoal, e durante esses dois anos, fui dissuadido dessa idéia, e hoje eu agradeço ao Mestre Capoeira (acima, à esquerda) por isso, pois a insistência dele em me manter no seu time, me permitiu não só ver a história acontecer mas participar dela dentro do Império da Tijuca.

Desde que assumiu a presidência em 2003 nosso Presidente Tê trabalha duro com sua diretoria no sonho de levar o Império da Tijuca de volta a elite do carnaval carioca, eu vi “Vitalino” (2009), “Suprema Jinga” (2010), “O Mundo em Carnaval” (2011), “Utopias” (2012), até o campeonato com “A Negra, pérola mulher” (2013), essa foi uma vitória do trabalho, da transparência e da garra de uma comunidade e diretoria que não tem privilégios perante um Governo que reforma quadras de Escolas de Samba em melhores condições e deixou o Império da Tijuca isolado por quatro anos no morro da Formiga em um espaço onde mal cabem um terço de um contingente de bateria.

Nota Pessoal 2: Também não é possível falar do Império da Tijuca e não citar Mestre Capoeira, que além de comandar a Sinfonia Imperial há quase 9 anos também colabora em outras áreas da Escola, angariando recursos, promovendo confraternizações, sugerindo melhorias para a Escola e principalmente concretizando projetos que geram melhores condições para os ritmistas da Escola, ações que fazem o trabalho do próximo ano render mais do que o anterior.

Dono de uma personalidade forte, o Mestre é firme com seus conceitos sobre como uma bateria deve se apresentar na avenida. Só quem está comandando uma bateria no acesso sabe quais são as dificuldades para fazer um trabalho de qualidade com 250/270 componentes, para superar essas dificuldades Mestre Capoeira usa a sua melhor qualidade: o respeito ao próximo. Parafraseando o Mestre, “para fazer parte da Sinfonia Imperial você não precisa ser o melhor precisa estar comprometido.”

Em 2014 eu vou com Batuk e o chão vai tremer quando o Império da Tijuca passar.

2 Replies to “Escola do Meu Coração: “A Sinfonia Imperial””

  1. Texto de arrepiar!!!! O Império da Tijuca é a escola de todos nós.

    O texto é perfeito. Mostra a garra da comunidade, as preciosidades musicais, as qualidades de uma diretoria comprometida, o empenho da Sinfonia Imperial e a paixão de um simples – perdão pela palavra – ritmista.

    Os leitores do Ouro de Tolo é que agradecem. No meu caso, leitor do blog e apaixonado pelas escolas de samba, fica ainda mais fácil!

    Parabéns, Alexandre! Desde já, nosso síndico Pedro Migão está intimado a te convidar pra escrever um Post sobre a emoção de ver o “Chão tremer” com a passagem da Sinfonia Imperial!

    Até Março!

    1. Obrigado pelas palavras Gabriel. O Império é uma Escola que cativa muito, O Presidente Tê, Mestre Capoeira e todos os segmentos estão sempre dispostos a acolher quem chega para ajudar a superar as dificuldades que uma escola do acesso tem.
      grande abraço
      Alexandre Candido

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