Neste domingo o compositor Aloisio Villar escreve sobre a injustiça sofrida pelos jogadores da Seleção Brasileira vice-campeã de 1950 e os ecos sem fim  da derrota brasileira na final da Copa do Mundo no Maracanã.

Maracanazo e os homens que não descansam

Está chegando a Copa do Mundo. Já temos as trinta e duas seleções que disputarão a Copa e o sorteio será na próxima sexta na Bahia. Nesse sorteio, serão definidos os grupos e a Copa começa de fato.

Semana passada, as últimas equipes se classificaram. Pela Europa, França, Croácia, Portugal e Grécia, em repescagens mundiais, o México e o Uruguai. Sim, o Uruguai.

O mesmo Uruguai que venceu a última Copa realizada no Brasil. Durante as eliminatórias, esteve muito ameaçado de eliminação, mas conseguiu a vaga para enfrentar a Jordânia na repescagem. O time jordaniano é muito inocente, inexperiente e não foi páreo para os uruguaios tomando 5 x 0 em casa.

O jogo de volta foi apenas uma formalidade. Um 0 x 0 em que apenas um gol foi comemorado. É, é estranho, mas ocorreu um gol nesse 0 x 0.

Na verdade o gol ocorreu sessenta e três anos antes e ficou conhecido como “O gol do silêncio” ou “O gol que não foi comemorado”. Resolveram comemorar naquele jogo de eliminatória. Foi o gol de Ghiggia contra o Brasil em 1950.

As primeiras coisas que aprendemos na vida são falar “mamãe”, “papai” e que o Brasil perdeu uma Copa em casa para o Uruguai em 1950. Os uruguaios também e sempre fazem questão de lembrar esse momento.

Levaram Ghiggia velhinho, usando muletas, com quase noventa anos de idade para o estádio. Evidente que o homem se emocionou com o telão, a contagem regressiva e a imagem de seu gol com toda a torcida comemorando. O velho homem com lágrimas nos olhos, que diz que apenas ele, o papa e Frank Sinatra calaram o Maracanã, assistia finalmente seu gol ser comemorado.

Logo após a partida a Puma, fornecedora de material esportivo da seleção uruguaia, colocou uma bem humorada campanha no ar em que um fantasma azul e com a inscrição 50 “aterrorizava” cariocas em cenários típicos do Rio de Janeiro até chegar ao Maracanã e fazer embaixadinhas.

Eles usarão muito esse artifício até a Copa. Estão certos, pois é um orgulho que o país tem e foi sua última conquista relevante no futebol. Eu cresci ouvindo sobre “Fantasma de 50”, “Maracanazo” e todos os jogos entre Brasil x Uruguai seja em eliminatórias para a Copa ou até mesmo amistosos, jogos entre dente de leite ou aquelas seleções de masters do Luciano do Valle eram tratadas como vingança e lembravam de 1950.

E em quase todas o Brasil venceu. Se cada vitória que eu vi do Brasil sobre o Uruguai foi uma vingança, o Brasil é um ser magoado pra cacete.

Mas, como eu disse, os uruguaios estão certos e agora então que a Copa voltará ao cenário de sua história épica eles vão explorar ao máximo o “Maracanazo” como uma forma até de motivar sua equipe e sua torcida, já que faz tempo, tirando o brilhareco da copa de 2010, que o Uruguai virou coadjuvante no futebol mundial.

A questão toda é que assim como o Uruguai o Brasil faz questão de se lembrar dessa história a todo o momento.

E eu me pergunto o porquê.

Brasileiro gosta de sofrer, é masoquista, gosta de reviver essa copa. A impressão que dá é que todos os brasileiros com mais de 70 anos estiveram no Maracanã naquele dia. Conta com gosto a derrota, o silêncio no estádio, as pessoas chorando, o oba-oba antes da partida.

Resumindo. Se o Brasil fosse adepto do BDSM ele seria o submisso. Aquele que curte vela derretida e chicotada nas costas.

Agora então uma série de documentários surgem falando da partida de 1950. Quase todos os dias o SporTV passa, a ESPN Brasil com seu patriotismo comovente sempre lembra com alegria, esfregando as mãos e um de seus jornalistas escreveu que a final de 1950 foi a “jornada mais épica” da história do futebol.

Cacete!! Ganhamos cinco copas depois disso!! Ganhamos uma em 1958 na casa do adversário da final metendo cinco e nesse jogo reinventando o futebol. Ganhamos em 1970 com um baile, com obras de arte naquele considerado o maior time da história e só falam em 1950.

Sim, isso me incomoda e não porque eu quero vingança, por temer os uruguaios, nada disso. Incomoda porque isso faz sessenta e três anos e quase ninguém que vive nesse país hoje em dia viu essa partida ou mesmo era nascido então quase ninguém tem trauma porque é impossível ter trauma de algo que não viveu.

Mas meu incômodo maior é por outro motivo.

Incomoda por Barbosa, Juvenal, Bauer, Augusto, Danilo, Bigode, Jair, Zizinho, Friaça, Ademir e Chico. Onze dos maiores jogadores de futebol que esse país já teve. Onze caras que teriam que estar em qualquer memorial do futebol, que deviam ter sido reverenciados e tiveram que passar o restante de suas vidas explicando o 16 de julho de 1950. Não deixaram esses homens “curtirem” suas dores nem mesmo esquecê-la. Barbosa passou a vida sofrendo e dizendo que o máximo de prisão no país por um crime eram trinta anos e a condenação dele já passava de cinquenta.

Barbosa foi um goleiraço. Um dos maiores de nossa história e só é lembrado por causa desse jogo. O homem morreu sem receber o perdão.

Barbosa morreu. Todos morreram. Apenas Ghiggia daqueles que entraram em campo está vivo e recebe todas as homenagens justas enquanto os jogadores brasileiros não conseguem descansar. Sempre lembrados e relembrados como aqueles que perderam o Mundial em casa.

Eu procuro ver de forma diferente. Esses homens foram vice campeões mundiais. Os primeiros do futebol brasileiro. Os pioneiros, aqueles que começaram essa história de amor entre o povo brasileiro e o futebol.

Aquela partida entre Brasil e Uruguai acabou. Nem o Maracanã é o mesmo daquela data. Não existe mais “Maracanazo”.

Deixem esses homens descansarem.

OBS: e no dia em que a coluna é escrita, mais um dos homens de 1950 descansa. Do banco de reservas viu a derrota e teve uma segunda chance na vida. Uma terceira. Bicampeão mundial, o maior lateral da história. Descanse em paz enciclopédia.

Tantos sonham ser Nilton Santos.

[N.do.E.: vale lembrar o fato de que posteriormente Barbosa foi presenteado com as traves utilizadas no fatídico jogo. Viraram lenha para um churrasco.]