Eis que temos mais um dia de caos no Rio de Janeiro provocado pelas chuvas. Chegou a chover 62 milímetros no período de uma hora em Jacarepaguá, o que é muito acima de qualquer expectativa razoável de planejamento.

Como resultado, mais um dia de caos, com inúmeros alagamentos no Rio de Janeiro e muitos transtornos. Muita gente não conseguiu chegar ao trabalho ou chegou com atraso, além de transtornos como deslizamentos e resgates a pessoas ilhadas em casas, carros e meios de transportes – com direito à inacreditável imagem de um jet ski em plena Avenida Brasil, uma das maiores artérias da cidade.

Pessoalmente, até que dei sorte. Moro na Ilha do Governador e enfrentei muito trânsito até o entroncamento das Linhas Amarela e Vermelha, mas depois parecia domingo: apesar de alguns bolsões de água, consegui chegar ao meu trabalho no bairro do Maracanã sem grandes problemas – apesar da imagem deste post, que é próximo de onde trabalho e na esquina da rua onde guardo meu carro. E olha que meu automóvel, um Kia Picanto, é bastante baixo. Mas sei que os 45 minutos que levei no trânsito foram exceção.

Mas quero propor aos leitores uma reflexão. Vi muita gente criticando o prefeito da cidade, Eduardo Paes, culpando-o por todo o caos gerado pela chuva. Obviamente a prefeitura atual tem sua parcela, mas se olharmos com atenção não é bem assim.

Primeiro, a geografia. O Rio de Janeiro tem um formato muito crítico, imprensado entre o mar e a montanha e com significativas áreas da cidade abaixo do nível do mar – como a Praça da Bandeira e a região do Cais do Porto. Isso somado à intensa e elevada densidade demográfica acaba tornando o escoamento da água bastante complicado, além de formar pontos naturais de retenção. Além disso a histórica deficiência no tratamento do lixo acaba por agravar este quadro.

Outro ponto é que a cidade ficou muito tempo sem investimentos na área. Durante a segunda parte de seu longo mandarinato de 16 anos (entre mandatos exercidos diretamente pelo próprio ou pelo pupilo Luiz Paulo Conde) o então prefeito e hoje vereador Cesar Maia reduziu significativamente o orçamento destinado à prevenção de enchentes, bem como o destinado á Fundação Geo Rio. Em seu último mandato Cesar Maia simplesmente abandonou o trabalho de prevenção a enchentes, legando ao atual prefeito um quadro de terra arrasada na área.

Parêntese: ao invés de ficar dando “aula de gestão” em propaganda eleitoral o ex-prefeito deveria estar respondendo na Justiça por seus atos. Mas como não é petista, é uma pessoa honrada. Fecha o parêntese.

O atual prefeito vem fazendo algumas intervenções significativas no sentido de mitigar os efeitos causados pelas enchentes, em especial na área da Tijuca. A área da Praça da Bandeira está em obras pesadas visando reduzir o problema e dois concentradores de águas – nas praças Varnhagem e Niterói – irão reduzir os problemas na região da Tijuca e Maracanã, além de três outras “piscinas” na região. Também está em andamento a obra do Rio Joana, no Maracanã, que irá reduzir os alagamentos na região da Avenida Radial Oeste.

Mas é aquilo: são obras longas e que não ficam prontas de uma hora para outra.

maracanadanielramalhoterra09Outros pontos da cidade também vem passando por obras, como a própria região do Cais do Porto, em processo de revitalização. Entretanto, deve-se criticar o açodado processo de inauguração da Via Binário, feita para substituir em parte o recém derrubado viaduto da Perimetral e cujas obras de dragagem e a construção do sistema de escoamento só devem se completar em 2016. Também há problemas em outras obras devido a motivos semelhantes.

Também deve se ressaltar que em dias como hoje se percebe o total fracasso da política de transportes públicos da cidade. Trens e metrô sofreram com alagamentos, e o sistema calcado em ônibus – algo inusual para uma cidade do tamanho do Rio – literalmente foi tragado pelas águas. É muito legal incentivar o transporte coletivo – quando o há.

Os planejadores do tráfego na cidade parecem se esquecer que muitas vezes se utiliza o carro não por comodidade ou luxo, mas por não ter uma opção decente de transporte. Vejam o caso da Ilha do Governador: apenas duas empresas de ônibus, carros velhos, poucas linhas e poucos horários. O sistema de barcas é residual. Como depender e se fiar em um sistema destes?

A cidade é um canteiro de obras e irá emergir melhor quando se completarem. Mas algo precisa ser feito além dos BRTs a fim de melhorar o sistema de transportes coletivos. Voltando à chuva, vale dizer que o cidadão também tem sua parcela de responsabilidade quando joga lixo nas ruas ou entope os bueiros. É muito legal cobrar das autoridades, mas também precisamos fazer a nossa parte.

Quando as obras se encerrarem, os efeitos das chuvas no Rio de Janeiro tendem a ser mitigados – já que, como vimos, a geografia da cidade impõe algum grau de enchentes devido à dificuldade natural de escoamento e à elevada densidade demográfica. Por outro lado se faz necessário um plano de contingência por parte das autoridades – algo que, a julgar no que vimos hoje, não existe.

Cabe a nós, cidadãos, cobrar e fiscalizar.

(Fotos: O Dia e Terra)