A coluna do advogado Gustavo Cardoso desnuda as propostas da oposição brasileira no intuito de “colocar os pobres em seu devido lugar”. Leitura imprescindível.

O Neoelitismo

A diminuição da pobreza no Brasil, a ampliação da classe com acesso aos bens de consumo, a redução da desigualdade social sempre foram defendidos universalmente, reconhecidos como metas da nossa sociedade.

Na teoria. Quando o processo deu seus primeiros passos, com melhoras discretas para os mais pobres, despertou uma fúria na “classe média tradicional” que poucos seriam capazes de prever. Tornou-se lugar-comum falar com irritação dos aeroportos lotados, dos engarrafamentos, dos negros nas universidades, das estações de metrô planejadas para áreas nobres, enfim, das invasões bárbaras aos redutos antes exclusivos.

A mídia tradicional, que se dirige aos atuais incomodados, não deixa de ressoar este desconforto. Tenta evitar o preconceito explícito, mas às vezes explode. Exemplo extremo foi o desabafo de Luiz Carlos Prates há três anos na RBS de Santa Catarina (abaixo), que se tornou famoso, lhe rendeu uma dispensa, mas também uma vaga no SBT para continuar praticando seu ódio de classe. Prates atribuiu um acidente automobilístico a “este governo espúrio que popularizou, pelo crédito fácil, o carro para qualquer miserável”. Note que, no Youtube, a maior parte dos que assistiram aprovou seu comentário.

Nos últimos tempos o neoelitismo começou a assumir um aspecto mais técnico e intelectualizado, que expressa o mesmo sentimento de forma menos ofensiva (à primeira vista). Este mês, Fernando Henrique Cardoso emprestou sua sutileza ao discurso de Prates, ao escrever que foi um erro a política “do estímulo à compra de carros, do incentivo ao consumo de gasolina, em detrimento do etanol, e do gasto das famílias via crédito fácil, empurrado pela Caixa Econômica Federal. Os reflexos aparecem nas grandes cidades pelo País afora: congestionamentos, transporte público deficiente, aumento do nível de poluição atmosférica, etc.” (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sem–complacencia-,1092632,0.htm)

Economistas insatisfeitos com a situação atual mas incapazes de encontrar problemas graves nos fundamentos macroeconômicos têm apontado o dedo para a valorização dos salários, que pressionaria a inflação. Como reduzir salário? Revendo a lei que determina o aumento real do salário mínimo e provocando desemprego deliberado, principalmente via aumento dos juros. Estas propostas impopulares costumam ser enunciadas de forma codificada. Quando descobertas, os políticos ligados aos tais economistas procuram se distanciar dos mesmos aos olhos do eleitor, mas não dos financiadores de campanhas (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/138571-aecio-diz-que-nao-mexeria-no-salario-minimo.shtml).

O denominador comum dessas ideias é atribuir os males brasileiros ao aumento do consumo – o que, nas atuais circunstâncias, deve ser lido como “aumento da base de consumidores”, pois os problemas só se tornaram visíveis, para essas pessoas, quando uma nova massa entrou no mercado. Antes, quando poucos tinham acesso aos bens da modernidade, não havia tantos congestionamentos nem tanta poluição atmosférica. Eles são livres para imaginar que o transporte público costumava ser eficiente, pois nunca o utilizaram.

A versão mais recente dessa ideologia é o neoelitismo ambiental. Seu principal guru no Brasil é o economista Eduardo Gianetti, consultor de Marina Silva e provável ministro num eventual governo dela. Segundo o professor, o planeta não suporta que haja tanto gado, pois as reses emitem muitos poluentes. O que fazer? Coma-se menos carne e beba-se menos leite, ora.

Mas quem comerá e beberá menos? Gianetti? Não por enquanto… quem sabe um dia: “não virei vegetariano, mas pretendo caminhar para isso”. Ele evita dar detalhes, mas jura: “dentro dos meus limites, tento pautar minhas ações pelo que acredito ser o melhor.” (http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/escritor-eduardo-giannetti-natureza-bem-consumo-sem-etica-681078.shtml?func=1&pag=0&fnt=14px)

Na verdade, ele confia pouco em decisões éticas individuais, e mais no impacto que certas medidas podem causar no bolso das pessoas: “Se for proibitivamente caro eu pegar meu carro para andar dois quarteirões, vou pensar duas vezes e posso preferir caminhar ou pegar minha bicicleta.” O embaraçoso, para um economista liberal, é que Gianetti reconhece a impossibilidade do mercado de resolver este problema: “o que se percebe hoje é que o sistema de preços padece de uma falha muito séria, porque deixa de sinalizar de maneira adequada os custos reais envolvidos nas nossas escolhas tanto ao produzir quanto ao consumir.”

Ou seja, ele defende que haja um controle público de certos preços, como os da carne e dos combustíveis, de modo que seu consumo seja contido. Trata-se de uma questão realmente séria, é provável que seja mesmo necessária a redução – por todas as pessoas – do consumo de certos itens. Mas a solução de Gianetti tem um desdobramento evidente: só os ricos passam a poder comer carne, tomar leite e andar de carro e de avião. Ele sabe que há outras soluções viáveis, mas se apressa a caricaturá-las: a saída alternativa, de planejar o acesso aos bens de consumo, equivaleria ao comunismo soviético.

A única hipótese de mantermos nossa liberdade e a natureza ao mesmo tempo é o Estado intervir nos preços, o que produziria duas classes de seres humanos – os ricos, que por terem mais dinheiro poderiam continuar consumindo e poluindo à vontade; e os outros, aos quais ficaria reservada a glória de salvar o planeta da destruição. Gianetti não acha que isso comprometeria a liberdade, afinal só não é rico quem não quer.

Ele tem consciência do conteúdo explosivo do que está propondo: “Com que autoridade vamos bloquear o acesso a esses confortos da vida moderna que foram vendidos há séculos para países emergentes como sendo a modernidade e o bem-estar?” Diante da dificuldade, elabora um discurso “científico” para justificar a política aos mais pobres: “A boa notícia é que os estudos sobre bem-estar, a partir de um nível de renda médio, indicam que não há nenhuma evidência de que acréscimos da renda per capita se traduzam em ganhos de bem-estar subjetivos. Quando você parte de baixo, até chegar a certo patamar, o crescimento da renda per capita é acompanhado de um aumento do bem-estar subjetivo. A partir desse ponto, a renda per capita continua crescendo, mas o bem-estar subjetivo para de crescer.”

Ele se refere a pesquisas realizadas nos Estados Unidos, que apuraram que, a partir de uma renda equivalente a cerca de oito mil reais por mês, o aumento de salário não influi mais na “felicidade” do indivíduo, seja lá como conseguiram definir isto. Se Gianetti viveria feliz como uma tal remuneração? Você deve estar brincando…

Em outras palavras: eu sei de quanto você precisa para ser feliz. Não é necessário que você tenha mais do que o valor que eu calculei nos meus estudos sobre bem-estar. Quanto a mim? Não se preocupe, vou me tornar vegetariano um dia desses.