Hoje a coluna do jornalista especializado Fred Sabino faz uma análise de “Corrida para a Glória”, livro que inspirou o recém lançado filme “Rush” – o qual também li.

Livro que inspirou “Rush” é ainda mais revelador

Há exatamente um mês, houve uma grande movimentação para a estreia do filme “Rush”, que no Brasil recebeu o subtítulo “No limite da emoção”. Como muita gente sabe, a obra foi baseada na rivalidade entre o austríaco Niki Lauda e o inglês James Hunt na temporada de 1976 da Fórmula 1.

Como já escrevi aqui neste Ouro de Tolo, o filme é muito interessante e bem feito. A reprodução das corridas e acontecimentos daquele ano inesquecível na história da categoria foi brilhante e a atuação dos atores, sobretudo Daniel Brühl no papel de Niki Lauda, foi espetacular.

Mas, ora bolas, por que voltar ao tema em mais uma coluna? Porque “Rush” foi baseado em fatos reais e especialmente num livro: “Corrida para a Glória” foi escrito por Tom Rubython e leva ao leitor detalhes ainda mais impressionantes (e diferentes) sobre aquela temporada, além de informações jamais reveladas em 37 anos.

Com o típico detalhismo dos escritores ingleses, e o humor fino que caracteriza os autores daquele país, o livro contextualiza com perfeição todo o que precedeu o Mundial-76, contando detalhes das vidas de Lauda e Hunt antes da fama e destrinchando de forma ainda melhor do que o filme a personalidade de ambos.

O que poucos sabem – e isso não foi retratado fielmente no filme – é que tanto Lauda como Hunt tinham problemas em seus relacionamentos amorosos em 1976. E que os dois, cada um à sua maneira, dispensaram suas respectivas mulheres entre uma corrida e outra em que se enfrentavam na pista.

Lauda simplesmente cansou da então namorada Mariella von Reininghaus, que exigia a aposentadoria dele, e se apaixonou por Marlene Knaus, com quem acabou se casando. Hunt, por sua vez, era incapaz de ser fiel e, mulherengo e farrista como ele só, conseguiu o divórcio de Suzy Miller porque o ator Richard Burton vidrou nela (a ponto de assumir os custos que Hunt teria com o divórcio) e deixou (vejam só) Elizabeth Taylor.

Confuso, não?

James-Hunt
Pois mais confusa ainda foi a guerra entre Ferrari e McLaren nos bastidores em 1976. “Rush” passa ao largo dessas confusões e cita apenas a desclassificação de Hunt na Espanha – depois, a vitória seria recuperada pelo inglês. Mas houve ainda mais reviravoltas no tapetão da Fórmula 1, algo hoje comum mas até então inédito na categoria.

Na Inglaterra, Hunt venceu na pista depois de uma grande confusão. Na primeira largada, o inglês foi acertado pela Ferrari de Clay Regazzoni, mas a corrida foi paralisada e uma nova largada, marcada. Mas, num até então obscuro ponto do regulamento, não se sabia se Hunt poderia trocar o carro e relargar, porque ele não completou a primeira volta antes da bandeira vermelha.

Depois de um grande atraso e protestos da fanática torcida inglesa, Hunt foi, enfim, autorizado a largar e derrotou Lauda na pista. Mas a Ferrari protestou e meses depois o tribunal da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) retirou a vitória de Hunt. Lauda, já fisicamente comprometido pelo acidente em Nürburgring, ganhou os pontos.

Outra polêmica ocorreu no GP da Itália. Manipulada pela Ferrari, a nacionalista imprensa do país publicou boatos sobre a legalidade do combustível da McLaren. E baseados em um regulamento de difícil compreensão em relação à octanagem da gasolina válida, os fiscais italianos forjaram uma punição aos carros ingleses, jogando-os para o fim do grid.

Pior, pasmem os senhores. A polícia local ainda inventou uma prisão ao chefe da McLaren, Alastair Caldwell, por uma suposta importação irregular de combustíveis simplesmente para tirá-lo de circulação do autódromo e impedir que ele apresentasse a documentação que garantia a legalidade do combustível da equipe.

Depois que a punição no grid foi sacramentada e não havia tempo hábil para uma reviravolta, Caldwell foi solto horas depois, é claro. Mas o estrago já tinha sido feito e Hunt, largando na penúltima fila, acabou se envolvendo numa colisão quando tentava recuperar posições. E Lauda, que voltava à Fórmula 1 ainda sem condições ideais, marcou uns pontinhos.

Mas a McLaren de santa também não tinha nada. Depois do GP dos Estados Unidos, a Fórmula 1 iria pela primeira vez ao Japão para o GP que decidiria a temporada, duas semanas depois. E as equipes, já naquela época querendo cortar gastos, acertaram informalmente que ninguém iria testar no circuito de Fuji.

Mas a McLaren roeu a corda e Alastair Caldwell providenciou uma mudança de planos para que Hunt fosse o primeiro a conhecer a pista de Fuji, o que seria fundamental numa época sem telemetria. Quaisquer voltas que o inglês desse a mais do que os outros no circuito seriam uma grande vantagem na decisão.

A Ferrari percebeu a movimentação e tentou fazer o mesmo. Mas havia outro componente nessa história. Enquanto Caldwell puxou para si a responsabilidade pela logística (e os gastos) do transporte, Daniele Audetto, chefe da Ferrari, não assumiria esse ônus sem autorização de Enzo Ferrari.

Na época, claro, não existiam internet e ceulares, e havia apenas um telefone no prédio dos boxes de Watkins Glen. Caldwell (acreditem) interceptou as ligações da transportadora que levaria os carros (das duas equipes) ao aeroporto de Nova York, para impedir que o pessoal da Ferrari fosse avisado dos horários da operação.

A Ferrari, então, imaginou que Enzo Ferrari não havia autorizado os gastos para os testes em Fuji, quando na verdade o comendador já havia liberado tudo. Como ninguém foi avisado em Watkins Glen, só a McLaren conseguiu pegar o único voo de carga da semana dos Estados Unidos para o Japão.

Como o próprio capítulo do livro diz, “Caldwell passou a perna na Ferrari”, e Hunt conseguiu testar. Não muito, porque o carro teve problemas, mas o suficiente para ter alguma vantagem, é claro.

Mas a grande revelação do livro ficou mesmo para o final.

Depois do acidente de Nürburgring, os médicos precisaram fazer inúmeros enxertos de pele em Lauda para substituir as pálpebras queimadas. Mas os procedimentos realizados nos olhos (principalmente o direito) não ficaram bons e, com a pele esticada demais, o piloto não conseguia piscar.

Era uma situação delicadíssima, porque a visibilidade ficava irremediavelmente comprometida. Lauda sabia dos riscos e havia marcado nova cirurgia para depois do GP dos Estados Unidos. Ele apostava na conquista do título por antecipação e nem pretendia ir a Fuji para poder se recuperar com calma.

Mas o destino acabou sendo cruel com Lauda. Primeiro, Hunt venceu em Watkins Glen e adiou a decisão para Fuji. E, segundo, e fundamental, despencou um temporal no circuito japonês no dia da corrida. Como todo mundo sabe, a visibilidade caiu para algo próximo de zero.

Antes daquela corrida, os pilotos entraram na pista para um reconhecimento e disseram que era um risco muito grande seguir. Ninguém queria correr, muito menos Lauda. Este não por medo, como ficou sendo a verdade absoluta. Mas porque ele não enxergava absolutamente nada devido aos problemas nos olhos.

Lauda tentou largar mas simplesmente não conseguia correr. Fez duas voltas no instinto e recolheu seu carro aos boxes. Depois a chuva parou e o austríaco lamentou, pois nessas condições poderia ter tentado alguma coisa. No fim, Hunt foi o terceiro colocado e acabou com o título.

Corajoso, Lauda refutou a ideia da Ferrari de alegar um problema no carro e disse para todo mundo ouvir que se retirou da prova por achar um absurdo correr naquelas condições. Poderia ter dito (com embasamento médico) que não tinha condições de correr na chuva, mas não o fez – e foi chamado de covarde.

Fato é que, além dessas revelações, o livro de Tom Rubython traz um olhar ainda mais aguçado para uma das temporadas mais fascinantes que a Fórmula 1 já teve.

Vale a leitura.

[N.do.E.: o colunista não fala em seu artigo, mas me impressionou na leitura o apetite sexual de James Hunt. Com direito a uma festa com 37 aeromoças da British Airways no hotel onde estava hospedado antes da corrida decisiva. E a receber sexo oral de uma japonesa momentos antes da corrida, nos boxes, entre outras histórias. As próprias fotos que ilustram o post mostram isso – e desconfio que a segunda tenha sido tirada aqui no Brasil.]

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