Nesta terça feira o advogado Gustavo Cardoso inicia uma série de duas colunas analisando a recente aliança entre Eduardo Casmpos e Marina Silva. A segunda parte será publicada amanhã.

Marina e Eduardo Campos contra a Oposição – Parte I

A um ano das próximas eleições, o quadro político fica mais definido com a filiação de Marina Silva ao PSB e a decisão de José Serra de permanecer no PSDB. Joaquim Barbosa ainda tem tempo, mas não espaço em qualquer partido grande para se lançar. Serra mantém chances remotas de sair candidato pelo PSDB, mas a cada dia que passa isso é menos provável. Lula já disse muitas vezes que não vai disputar a indicação com Dilma Rousseff, e ninguém mais aposta nisso.

Marina tem diferenças a resolver com Eduardo Campos, e não é impossível que ainda tente abocanhar a cabeça de chapa, mas está descartada uma segunda mudança de legenda, bem como recurso ao STF para tentar viabilizar sua Rede.

Parece claro que teremos três candidaturas competitivas: Dilma, Campos/Marina e Aécio (ou Serra, na pior das hipóteses). Também parece claro que Dilma trará consigo a tigrada do PMDB, PSD, PR, PTB, o novo PROS dos Gomes do Ceará, e outros ainda menos cotados, acumulando a maior parte do tempo de TV. Aécio deve atrair o que resta do DEM e o “Solidariedade” de Paulinho da Força. Os estertores do PDT e do PPS são irrelevantes, mas na falta de coisa melhor, serão disputados por Campos e Marina.

Ainda é cedo para afirmar, mas é possível que os últimos arranjos mudem a face da política brasileira, para além de 2014. As últimas cinco eleições presidenciais foram polarizadas entre o PT e o PSDB, que se impuseram como os efetivos competidores no grande jogo político. O PMDB e o PFL, enquanto durou, tiveram tamanho suficiente para reivindicar a presidência, mas não um projeto coerente de país capaz de atrair apoio maciço na sociedade. Nenhum “terceiro candidato” pareceu competitivo, com a possível exceção de Ciro Gomes por um breve período em 2002.

Há quem diga que os partidos brasileiros não passam de agrupamentos convenientes para o lançamento de candidaturas que defendem pouco mais que os interesses pessoais dos próprios políticos, além dos de um punhado de agregados. Segundo essa ótica, representariam, no máximo, interesses locais sem nexo entre si, e não parcelas reconhecíveis do conjunto da sociedade.

A tese não é desprovida de fundamento, tampouco é totalmente verdadeira. Basta observar o claro alinhamento sistemático, nos últimos anos, de setores sociais e veículos de comunicação com um ou outro dos partidos majoritários. O pessoal do mercado financeiro, por exemplo, está todo no mesmo lado, e isso quer dizer alguma coisa.

Não existe, é fato, uma militância organizada do PMDB, salvo em estados nos quais o PMDB representa uma posição política clara (como no Rio Grande do Sul e em Pernambuco, onde o partido ocupa um espaço correspondente ao do PSDB no plano nacional). Mas as pessoas têm uma intuição certeira sobre quem está à esquerda e à direita no espectro político, e se identificam com um ou outro lado, mesmo quando percebem que uma determinada legenda pode estar simultaneamente à esquerda em nível nacional e à direita em nível local.

De forma semelhante, há milhões de pessoas que se identificam com o PT ou com o PSDB – ou, às vezes, simplesmente com a oposição ao lulismo e ao petismo, seja quem for que a represente. É um quadro parecido com o dos Estados Unidos nos anos 1820/30, quando Andrew Jackson assumiu o protagonismo político e personificava seu próprio partido, enquanto a oposição se agrupava sob o rótulo de “anti-jacksonianos”. Outros líderes carismáticos como Getúlio, Perón e de Gaulle produziram alinhamentos semelhantes.

A questão fundamental para um partido brasileiro hoje é, portanto, ocupar um espaço ideológico no imaginário da população, a fim de disputar a hegemonia nacional, ou deliberadamente não ocupar nenhum, a fim de barganhar vantagens secundárias de quem quer que esteja no poder: neste caso ambicionar a presidência fica fora de questão.

Em 2010, quando ficou claro que não havia como competir com uma candidata apoiada por Lula, a oposição se desesperou, imaginando que nunca mais retornaria ao Planalto e acusando Lula de impedir a “alternância de poder”. Pareciam dizer que Lula tinha obrigação de governar mal a fim de que o povo votasse em seus adversários. O fato é que, em eleições de verdade, Lula foi o primeiro presidente em 50 anos a participar ativamente da campanha de um candidato à sua sucessão, e o primeiro em 100 a eleger o sucessor.

Ocorre que em sociedades complexas as hegemonias políticas dificilmente são duradouras. É possível que uma corrente de pensamento venha a perecer, se deixar de ser socialmente relevante, mas seu espaço acaba sendo ocupado por outra. Para voltar aos EUA do século XIX, com a desintegração dos Federalistas o Partido Democrata-Republicano ficou momentaneamente sem oposição, mas esse quadro durou poucos anos: do próprio PDR surgiram duas correntes que fundaram as duas legendas que até hoje se revezam no poder.

No Brasil, a primeira disputa política institucionalizada se deu entre o Partido Brasileiro, que defendia a independência, e o Partido Português, que defendia a manutenção do status colonial e, após a independência, a recolonização do Brasil. Com o reconhecimento do Império do Brasil por Portugal, a agenda do PP deixou de fazer sentido, e o partido se transmutou no Partido Restaurador, que defendia a volta de Pedro I ao trono do Brasil.

Com a morte de D. Pedro, também o PR deixou de ter razão de ser, de modo que não restou alternativa a seus membros se não a de engrossar as fileiras do Partido Conservador, que se distinguia do seu rival da vez, o Partido Liberal, por defender uma maior centralização do poder e os interesses das províncias nordestinas e do Rio de Janeiro, ao passo que o PL reivindicava mais autonomia para as províncias e representava São Paulo, Minas Gerais e o sul.

No fim do Império houve disputas vivas entre abolicionistas e escravagistas, entre monarquistas e republicanos, entre os que defendiam a ampliação e a restrição do direito de voto. À medida que essas questões eram resolvidas e passavam a fazer parte da história, a facção vencedora se dividia novamente em torno de novos pontos de discórdia, e a minoria vencida de antes se agregava a uma das novas facções. Assim é a política.

(Foto: Folha de São Paulo)