Nesta sexta, a coluna “Sabinadas”, do jornalista esportivo Fred Sabino, dá a visão dos protestos destes últimos dez dias sob a ótica de uma testemunha ocular dos fatos.

Ainda falta muito, Brasil

Falta muito ainda. Não é porque as prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro resolveram baixar os preços das passagens de ônibus que ficou tudo bem neste país. De fato, esse aumento nas tarifas deflagrou a onda de manifestações vista nas últimas semanas. Mas falta muito ainda.

Na verdade, a surpreendente e admirável catarse popular do último dia 17 de junho nada mais é do que um grito de BASTA, assim em caixa alta mesmo. Um basta contra a corrupção, contra as obras superfaturadas, contra o cabide de empregos, contra os péssimos serviços públicos. Enfim, o saco encheu.

Em São Paulo, onde moro, vi muitas manifestações eloquentes e pacíficas. Evidentemente houve quebra-quebra em alguns pontos e confrontos em outros. Mas na maioria dos locais de protestos, era uma marcha revoltada, mas ordeira, contra o que há de errado no Brasil. Duas coisas me chamaram bastante a atenção nessas manifestações.

Uma é que muita, mas muita gente mesmo, empunhava a bandeira do Brasil. E, vejam que ironia do destino, bem no momento em que é disputada a Copa das Confederações, uma das competições mais importantes do mundo entre seleções e que geraria aquele sentimento patriótico fake.

A outra foi a quase ausência de bandeiras de partidos políticos. Quando alguém se aventurava a levantar uma bandeira dessas era repelido pela maioria. Repelido com palavras de ordem, não com pancada. Quase que envergonhados, os poucos partidários baixavam as bandeiras. Um tapa com luva de pelica.

Talvez a sociedade finalmente esteja entendendo que o excesso de partidos só ajuda a deixar este país partido. Partido politicamente e partido estruturalmente. E que o basta coletivo não se direciona só ao PT ou só ao PSDB ou só ao DEM ou só ao PMDB, mas a todos esses partidos, que não corresponderam à confiança dos eleitores.

Agora, não basta ir à rua protestar. Embora a união popular nas manifestações seja uma arma poderosa, as urnas ainda são o instrumento mais efetivo. Que os brasileiros finalmente tenham consciência na hora de votar e excluam os velhos caciques, os incompetentes que deixaram o país assim. Que o renascimento saia das urnas.

Na prática, o que sei é que por dois dias consecutivos, voltei mais tarde do trabalho pois não havia condições de se transitar, já que moro perto da Av. Paulista. Mas, se quando eu demoro a chegar em casa devido ao caótico trânsito paulistano eu fico irritado, desta vez não. Muito ao contrário.

Nesses dois dias, ao descer do metrô e tentar deixar a estação hiperlotada, ouvi apenas uma frase, gritada a plenos pulmões pelos incontáveis cidadãos que ali estavam: “ô, o povo acordou!”. Li inúmeras outras em cartazes e uma delas foi curta e precisa: “o povo quer hospitais e escolas no padrão Fifa”.

Sim, ainda falta muito. Não sei se além da redução das tarifas de ônibus vão acontecer outras coisas positivas para o país. De qualquer forma, pela primeira vez em muito tempo me senti feliz de verdade pelo Brasil. Pelo menos vi as reclamações do dia a dia serem explanadas na cara de quem (des)governa o país.

Mas ainda falta muito.