Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos sambistas do compositor Aloisio Villar, a “Enredo do Meu Samba”.

A Praga

Confesso que tive que gargalhar com o que meu pai contou. Perguntei ao seu Jair se era séria mesmo a história que me contou e ele confirmou dizendo que tinha várias testemunhas.

Depois do papo desliguei e pensei que estava na hora de por a mão na massa. Liguei o notebook e coloquei os primeiros “causos” no papel. Ri relembrando de alguns, me emocionei com outros e pensei que as pessoas mereciam conhecer aqueles sambistas e suas vidas.

Fechei o computador, deitei e acordei cedo para ir ao colégio. Como sempre me enrolei e acabei chegando atrasado. Bati na porta e a reunião já acontecia com os pais e as crianças com a diretora. Minha filha me viu e veio correndo para os meus braços. Pedi desculpas a todos e sentei-me ao lado da Bia que, claro, me criticou.

A diretora reclamava do comportamento dos alunos, da bagunça que faziam e citou nominalmente os mais bagunceiros. Não citou Julinha, o que foi um alívio. Ao fim da reunião a diretora nos chamou. Bia perguntou se Julia tinha feito algo, se era da turma dos bagunceiros e a mulher respondeu que não, o problema era o contrário.

Julia andava introspectiva demais, ficava isolada inclusive na hora do recreio quando todos brincaram e quando foi pedido às crianças que fizessem desenho da família desenhou-se sozinha e os pais distantes.

Deixamos Julia em sala de aula e eu e Bia saímos juntos da escola. Comentei que não podíamos deixar nossa filha naquele estado e Bia respondeu “você é ausente, por isso a menina está assim”. Falei que não queria brigar, queria uma solução para esse problema e minha ex pediu desculpas.

Antes de entrar no carro virei para a Bia e falei “vamos pensar numa solução!” e instantaneamente beijei sua testa. Foi sem querer, não pensei no ato e ficamos nos olhando sem falar nada, sem saber o que pensar daquela situação, até que entrei no carro e parti.

Fui para o jornal e trabalhei pensando o dia todo na minha situação com Bia e Julia e o livro que escrevia. Cheguei a conclusão que minha missão naquele momento era resgate: resgatar pessoas esquecidas e minha família partida.

Saí do trabalho e peguei o carro rumo à minha casa, mas no meio do caminho mudei de idéia. Fui para a “Casa de Bamba” me refrescar com uma holandesa, porque eu merecia.

Cheguei ao bar e ele estava lotado como sempre. O pagode rolava e bambas se misturavam com a moçada se despedindo daquele que era um centro de cultura de nossa cidade. Almeidinha me arrumou uma mesa para sentar, mas rapidamente Baltazar, o do carro vermelho, me avistou e mandou que me juntasse à turma do samba.

Cheguei perto e ele comentou com o grupo que tocava que eu estava escrevendo um livro com casos do samba. O cara que tocava pandeiro logo gritou “conta o caso do Penteado!!”. Penteado que era o cantor do grupo pediu que deixassem quieto e aquilo despertou minha curioso. Aí sim que quis saber a história. Penteado implorou para que não contassem, mas o grupo parou de tocar só para contar a história.

Penteado era jovem cantor da Unidos do Viradouro. Não era o principal, mas sonhava com o dia que seria o cantor da vermelho e branco de Niterói. Gostava de dar uma de garanhão, ter muitas mulheres, se achava o Tom Cruise e até que levava jeito com as mulheres. Sempre cercado de várias. Mas o garanhão namorava e sua namorada, a Jéssica era bem ciumenta. O malandro se virava como podia para dar suas escapadas e tudo ia bem.

Ia até a mulher começar a ficar desconfiada. Jéssica era ciumenta, mas não era burra. Ficou quietinha sem dar escândalos apenas esperando a hora de “dar o bote”. E o bote veio em uma festa na Unidos do Porto da Pedra, onde a Viradouro foi convidada. Penteado foi representar a escola e cantou os maiores sucessos da agremiação.

No fim se atracou com uma passista crente que se daria bem, mas Jéssica, que mentira alegando ter que acordar cedo e assim não acompanhando o amado, apareceu de surpresa.

Maneta, cavaco da Viradouro e melhor amigo de Penteado que foi com o amigo até o Porto da Pedra ficou branco quando viu Jéssica e tentou correr para avisar o cantor. Mas a morena foi mais rápida e se aproximou de Maneta perguntando onde estava o namorado.

Maneta começou a gaguejar e olhou para o lado de fora. Jéssica percebeu e comentou “o safado está lá né? Vou ver”. Saiu da quadra e deu de cara com Penteado beijando a passista.

Jéssica gritou “Canalha eu vou te matar!!”. Partiu para cima de Penteado lhe dando tapas e bolsadas. A passista, lógico, se mandou enquanto Penteado repetia que não era nada daquilo que sua namorada pensava. Cansada de bater Jéssica pôs a bolsa no ombro e disse que estava tudo acabado entre eles. Penteado tentou persuadir a moça que completou “e você vai virar broxa, não vai mais subir com ninguém”.

Aquelas palavras gelaram a alma de Penteado, que não conseguiu falar mais nada enquanto Jéssica ia embora. Maneta chegou perto do amigo e perguntou se estava tudo bem. Penteado respondeu que ela terminara tudo e Maneta falou “sinto muito”. Penteado completou dizendo que a mulher jogara praga para que ele ficasse broxa e Maneta emendou com um palavrão cabeludo.

Penteado sentia falta da ex-namorada, mas pior ainda, ficou encucado com a praga. Por alguns dias nem conseguiu sair com mulher nenhuma, até que Chandelly, a passista do Porto da Pedra lhe convidou pra sair.

Penteado pensou “praga é coisa de ignorante, não pega” e saiu com a passista. Foram a um barzinho, depois a uma boate e pararam no motel. No local o rapaz foi com todo afinco, mas falhou. Pela primeira vez Penteado falhara na cama, lembrou da praga de Jéssica e se apavorou. Chandelly pediu que o amante se acalmasse que essas coisas ocorriam com todo mundo e encheu Penteado com carinho.

O cantor se empolgou e começou a beijar a mulher. Tentou de novo. Nova falha.

Chandelly levantou-se da cama, pôs as mãos na cintura e perguntou “Qual é Penteado? Você tá broxa?”. O homem desesperado pôs as mãos no rosto e respondeu “estou”.

A vida de Penteado se transformou em um inferno. O cantor não conseguia se esquecer das palavras de Jéssica e pensava “pqp, a praga dessa desgraçada pegou”. Tentou sair com uma porta bandeira da Unidos do Anil, nova falha, com uma componente de ala da Unidos de Jacarezinho, falhou, marcou encontro e saiu com a assessora de imprensa da Tradição. Broxou.

Em um encontro de escolas de samba no Império da Tijuca Penteado foi cantar e notou que as mulheres olhavam pra ele. Sentiu-se o garanhão, mas aí notou que elas riam. Lembrou de seus últimos fracassos e perdeu a voz. Começou a cantar esganiçado, dando uns agudos inexplicáveis assustando o mestre de bateria do Imperinho e Maneta que tocava cavaco para o amigo. No fim Maneta perguntou ao amigo o que ocorria e Penteado desabafou, contando toda a verdade.

Maneta viu que o sofrimento do amigo era sério e perguntou se ele já tinha tomado o “azulzinho”. Penteado respondeu que sim, mas nem isso adiantava e Maneta respondeu “Só tem uma solução”.

Preocupado, mas dizendo que faria qualquer coisa para resolver seu problema Penteado perguntou o que e Maneta respondeu: “te levar a Pai Xoxó”.

Pai Xoxó era um famoso Pai de Santo de Alcântara e Maneta levou o amigo pra se consultar. Os dois ficaram a sós e Pai Xoxó olhou bem sério para Penteado. O cantor ficou ressabiado perguntando o porquê do silêncio. Pai Xoxó deu uma baforada no charuto e respondeu:

– “Mizifio tem um problema”.

Penteado concordou e completou “se eu não tivesse problema não estava aqui”. Pai Xoxó respondeu que daria um jeito no seu problema de “paumolecência”.  Mandou que Penteado pegasse papel e caneta para anotar, mas ele só estaria completamente curado depois de uma nova tarefa que teria que fazer depois da recuperação sexual.

Penteado anotou todos os ingredientes para o trabalho que teria que fazer. Só assim se recuperaria. O cantor foi à encruzilhada, colocou a farofa, o frango que comprou na padaria, o marafo, a vela de sete dias e rezou.

Saindo do local encontrou uma cabrocha da Viradouro e decidiu testar se tudo dera certo. Foram para a cama e Penteado se sentiu como o He Man. Ao se descobrir curado gritou “Pelos poderes de Greyskull!!”.

Estava bem, sentia-se perfeito, mas faltava-lhe algo, sentia falta de Jéssica e correu atrás de seu amor. Enquanto ela saía da faculdade uma noite o cantor estava lhe esperando com um buquê de flores na mão. Jéssica arredia perguntou se ele achava que só flores bastavam e Penteado respondeu “eu amo você, me perdoa”. Jéssica sorriu e disse “isso basta” e lhe deu um beijo apaixonado.

A vida voltou ao normal. Penteado reconquistara Jéssica e voltava a dar seus pulos, inclusive com Chandelly, mas faltava uma coisa. Pai Xoxó pedira pra ele voltar ao terreiro para cumprir a segunda parte, a que lhe deixaria decididamente curado.

Penteado voltou até Pai Xoxó e lhe agradeceu por tudo. O Pai de Santo trancou a porta e contou ao cantor que faltava a segunda parte. Feliz Penteado respondeu que estava ali pra cumprir e perguntou o que era.

Pai Xoxó sentou no colo de Penteado e gritou “Ser meu bonitão!!”.

Deu ruim pro cantor…