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Nesta segunda feira a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro – em conjunto com o também colunista Jorge Farah – traz a segunda parte da avaliação sobre os primeiros cem dias da atual diretoria do Flamengo.

Bissexta: “100 Dias da Gestão Rubro Negra – Parte II”

Finanças

A área financeira talvez seja hoje a mais popular do clube. O descaso acumulado por sucessivas más-administrações (não apenas a tenebrosa gestão anterior) se reflete essencialmente nessa área e muitos dos executivos que formam a nova diretoria são oriundos, não por acaso, de atividades ligadas ao mundo das finanças.

Trata-se de uma atividade meio, mas de vital importância no sucesso de qualquer Organização. Sem a boa gestão dos recursos financeiros, todos os demais ficam comprometidos. No caso do Flamengo, finalmente torcedores e sócios parecem ter compreendido que devem ir além do imediatismo, pois são os principais responsáveis pelo clube que amam e nessa condição precisam olhar para o futuro da instituição.

A função básica de um administrador financeiro é a de analisar e garantir a solvência da instituição. Não foi à toa, que Rodrigo Tostes e sua equipe começaram o relato dos seus 100 dias à frente do Flamengo abordando a gestão do fluxo de caixa, que necessita de um controle eficaz. Não é algo simples. É preciso criar uma metodologia que reúna informações de diversas áreas, consolidando-as na forma de números e as analisando sob uma linha temporal, integrando-as com o orçamento e a contabilidade.

Este passo é um ponto de partida para qualquer outra ação. Não sabemos como era a gestão do fluxo de caixa no Flamengo antes deste ano e isto deveria estar detalhado no quadro encontrado, mas, pela descrição das realizações da VP de finanças, é possível identificar que, no mínimo, não atendia aos objetivos propostos.

A situação descrita também explica a austeridade inicial. Apenas 15% do orçamento estariam livres, ou seja, 1,25% para cada mês para cumprir todos os compromissos do clube. Em uma situação assim ou se fecha as portas ou se arregaça as mangas e parte para negociar com credores privados e verificar o que precisa ser feito em relação às dívidas vencidas com o governo. É preciso priorizar pagamentos, mas as penhoras que estavam acontecendo faziam com que essa importante decisão fosse tomada pelo Poder Judiciário.

Além disto, o noticiário nos informa que as estatais são prospectivos parceiros de marketing. Então, não havia alternativas. Era preciso tirar a CND e para isto quitar dívidas vencidas que não podem ser parceladas, como a de tributos passíveis de retenção na fonte ou referentes a descontos de terceiros, como são os incidentes sobre a folha de pagamento. Decisão difícil, com conseqüências para a produção dentro de campo no curto prazo. No entanto, abriram mão dos resultados imediatos em busca de uma maior solidez, sendo firmes na execução pelo que temos tido notícias até o momento.

Além do governo, seria preciso equacionar prazos das demais dívidas, enquadrando-os conforme o fluxo de caixa do clube. Também não é fácil, mas com credores privados é possível negociar. Conforme relatório, R$ 45 milhões foram renegociados com bancos.

Segundo auditoria da Ernst & Young, a dívida está em R$ 750 milhões, ou mais de quatro vezes o faturamento do clube no último balanço publicado (2011). Além disto, uma notícia no blog Primeira Mão informava que grande parte do valor da alta soma que receberíamos da Rede Globo já havia sido adiantada ou dada como garantia de empréstimo:

“Nas reuniões de transição, a diretoria que toma posse dia 2 de janeiro foi informada de que só haverá R$ 8 milhões a receber. Inicialmente, o clube teria direito a R$ 78 milhões – excluindo as luvas que já foram antecipadas – mas a gestão de Patrícia Amorim comprometeu mais de 90% do valor.”

Diante de um quadro como esse, não há mágica que não seja a de cortar despesas e procurar novas receitas. É preciso buscar o superávit primário para que haja dinheiro que possibilite o pagamento da dívida. Pelo relatório da área financeira, soubemos que houve cortes na própria carne. Ou seja, foram reduzidas despesas (45%) e o montante da folha de pagamento (26%) do próprio órgão. No entanto, não há qualquer informação sobre os valores anteriores, a base sobre a qual foram feitos os cortes.

Em relação ao aumento das receitas entendemos que, ao invés de procurar a majoração de preços de ingressos afastando a torcida dos estádios e desvalorizando o espetáculo e a própria mística rubro-negra, o clube tem potencial para buscar novas fontes de receitas. Assim, discordamos da decisão tomada de aumentar o valor do ingresso naquele jogo da semifinal contra o Botafogo, que se mostrou ineficaz (uma vez que arrecadamos menos do que no jogo da fase de grupos) e perdemos uma ótima oportunidade de reaproximar o clube da sua torcida.

Também se mostrou sem vantagens do ponto de vista meramente financeiro o aumento do valor dos títulos patrimoniais e proprietários. O Flamengo abriu mão de uma importante fonte de receita em um momento delicado.

Para o futuro, esperamos que sejam criadas regras rígidas (de preferência por meio de modificação estatutária) que possam garantir o equilíbrio financeiro-orçamentário e frear impulsividade de dirigentes sem compromissos com a solvência financeira da instituição:

Fixação de uma meta de superávit primário e de um limite percentual da receita para gastos com folha de pagamento, incluindo a remuneração dos atletas e seus direitos de imagem;

Implantação de mecanismos de controle e de alertas para desequilíbrios orçamentário e financeiro;

Prestação de contas regular, periódica, transparente e amplamente divulgada no site do clube, com o devido destaque;

Proibição de obter empréstimos de longo prazo, incluindo antecipações de receita de forma direta ou indireta, para pagamento de despesas correntes;

Portanto, os 100 dias da nova equipe de finanças foram bastante promissores, com decisões difíceis sendo tomadas, cujos resultados poderão servir de alicerce para um clube financeiramente reestruturado, que poderá maximizar a satisfação de sócios e torcedores, fazendo do Flamengo uma instituição séria, sanada e com foco nos seus objetivos.

Marketing

Consideramos que o maior salto dado pelo Flamengo nesses 100 dias vem da área de marketing, embora essa percepção não seja compartilhada por parte expressiva dos analistas, principalmente entre aqueles que olham a VP de Marketing como um vendedor de espaços publicitários, cuja medida do sucesso ou fracasso estaria na atração de patrocinadores.

O Flamengo andou mal em variados setores na última gestão, mas nenhum deles tinha um grau de precariedade semelhante ao marketing, que falhou em todas as suas responsabilidades. Era natural, portanto, esperar uma mudança brusca em pouco tempo, como de fato ocorreu.

Há que se reconhecer que os ventos andam soprando a favor. O Flamengo poderia ter assinado o contrato com a Adidas no ano passado, mas em sábia decisão os conselheiros do clube evitaram que o polpudo sinal pago pela fornecedora fosse usado da forma então corriqueira, como contratar estrelas cadentes. Em paralelo, a Caixa Econômica Federal tomou a decisão estratégica de ser o maior patrocinador do futebol brasileiro e é provável que em pouco tempo firme uma parceria com o clube, algo que se tornou possível depois da regularização fiscal.

Independente desses agentes externos, o marketing do clube foi decisivo na elaboração de um plano de relacionamento – Nação Rubro-Negra – que pode representar uma geração de receitas constantes.

Como dissemos em artigos publicados na época do lançamento, o projeto implantado pelo Flamengo é genial e muito superior ao ofertado pelos demais clubes (quando analisado sob a ótica do clube, não pela do usuário).

A maioria dos programas de sócio-torcedor busca fisgar membros em troca de benefícios quase sempre relacionados à presença em estádio. Isso traz dois inconvenientes: a) a imensa maioria da torcida não frequenta estádios, logo os benefícios, que custam caro, não representam um pólo de atração; b) a lotação dos estádios representa um limite teórico dos participantes, fator de insatisfação dos que ficam preteridos em jogos mais disputados.

O Flamengo aposta em um público de renda mais alta, não necessariamente frequentador dos estádios e com vínculos sólidos inspirados apenas pela paixão. Como a margem de contribuição apropriada pelo clube será muito maior do que os dos concorrentes (porque a receita de bilheteria não foi comprometida), o Flamengo pode se dar ao luxo de ter uma quantidade menor de contribuintes e ainda assim lucrar mais.

A resposta dada pela torcida foi magnífica e em menos de 1 mês o clube já tinha associado ao Nação Rubro-Negra mais do que em todo o resto de sua história no seu quadro social convencional.

A partir da base de dados do Nação Rubro-Negra, aliada a outra (que se espera maior), do Cadastro Rubro-Negro, iniciativa lançada pouco antes, a VP de Marketing tem a possibilidade de realizar intervenções específicas para nichos muito particulares de torcedores. As primeiras iniciativas do Nação Rubro-Negra, envolvendo doação de ingressos e encontros com ídolos, sinalizam que esse caminho tende a ser explorado com mais frequência.

Esportes Olímpicos e Remo

A área de Esportes Olímpicos chamou atenção da torcida e da mídia logo no início da gestão. Não por conquistas, mas por dispensas de atletas renomados (natação, ginástica artística e judô). Diante da grave crise financeira pela qual passa o clube, a decisão foi tomada sob a alegação de não mais desviar dinheiro do futebol. O caminho escolhido foi o de dar um passo atrás, para buscar o impulso e poder dar um salto adiante com sustentabilidade. Ainda é cedo para marcar uma posição aqui se a atitude foi correta ou não.

O quadro que encontraram conforme relatado foi de: modalidades deficitárias, atraso nas remunerações (contratos de imagem e ajuda de custo) e falta de patrocínios. Já no Remo, além dos mesmos problemas, também se relatou necessidade de reformulação profunda da Academia de Remo, gastos supérfluos e problemas organizacionais.

Nos 100 dias, o problema de atrasos remuneratório ainda não foi resolvido, tendo sido minimizado na VP de Olímpicos, segundo a carta do Póvoa. Por outro lado, se anunciaram melhorias nas instalações. Já nos demais esportes olímpicos, trouxeram um executivo com um histórico de sucesso (o Marcelo Vido) e ainda criaram uma estrutura de marketing para planejar ações somente para os olímpicos, o que é essencial se formos analisar cada modalidade como um centro de custo autônomo, que precisará ser auto sustentável.

Pelas metas estipuladas fica claro o direcionamento para o governo. Acreditamos que, pelo histórico e pela proximidade dos Jogos Olímpicos, o Flamengo terá sucesso na empreitada de fazer parcerias com estatais e/ou receber verbas públicas. Porém, entendemos que é uma dependência perigosa, que ao menos nas diretrizes deveriam anunciar a busca de parcerias privadas.

A promessa é de dias melhores a partir da reestruturação que deverá perdurar ao longo deste ano. Assim, nestes primeiros 100 dias nossa única certeza é a de que um novo modelo de gestão de Esportes Olímpicos está nascendo. Estamos na torcida para que dê certo.

Conclusão

O Flamengo parece ter andado mais em 100 dias do que em 100 meses. A exemplo de Franklin Delano Roosevelt, o que se nota de modo mais acentuado é uma injeção de ânimo e esperança em dias muito melhores.

A direção, claro, precisa evoluir, sobretudo aprendendo a lidar com a característica multifacetada da Nação, compreendendo que somos, antes de mais nada, um clube com sólida identificação popular, onde medidas com um tom elitizante precisam ser pensadas de forma a avaliar o impacto com os torcedores – não é razoável aumentar os ingressos para R$ 80,00 e logo em seguida declarar que eles ficarão ainda mais caros.

Um clube cidadão, financeiramente sustentável, resgatando sua imagem, atraindo novos contribuintes. Só falta ser vencedor. Esse dia chegará.

One Reply to “Bissexta: “100 Dias da Gestão Rubro Negra – Parte II””

  1. Novamente, excelente a análise e concordo com praticamente tudo.

    Um ponto que me deixa intrigado é o do aumento dos ingressos. Como torcedor que pouco vai ao estádio, talvez tenha alguma suspeição para falar, já que estou um pouco distante deste realidade. Olhando de longe, porém, num primeiro momento a decisão me pareceu realmente equivocada. Me parecia coisa de matemática simples: ingressos mais em conta atrairiam maior público e gerariam renda igual ou maior, com ganho de apoio ao time em campo, ao passo que ingressos mais caros afastariam o torcedor, prejudicariam o apoio e eventualmente empatariam na arrecadação. Acho que não há o que contestar a este respeito.

    Mas vendo a questão de forma mais holística, talvez tenha sido um estratagema parecido com o da venda de Pey Per View no Brasil, onde o sócio-torcedor seria a compra do pacote anual (e muito mais barato na razão “preço por jogo”) e a compra do ingresso isolado, fora do programa de associação/relacionamento, seria a aquisição da transmissão de um jogo apartado, sabidamente mais caro. Algo que, por óbvio, fomenta a adesão ao programa duradouro. O que acham?

    A meu ver, teremos que esperar a volta do Maracanã para saber se essa estratégia deu resultado, afinal, imagino que só com o retorno do ‘maior do mundo’ é que os torcedores de estádio no RJ se sentirão instigados a aderir ao programa.

    Restará então desenvolver o ST para os apaixonados “off-RJ”. Eu, por exemplo, me associei na modalidade mais barata, já que não tenho benefício algum (em minha região, não há sequer supermercados que ofereçam os benefícios de descontos do programa da Ambev), senão essa coisa de “ver o Flamengo mais forte”. Sem falar, é claro, do enquadramento no orçamento, que não me permite ser “ainda mais abnegado”. Infelizmente, creio que para esse nicho, a mera abnegação não será suficiente para angariar o número desejado de adesões.

    Enfim, entusiasta que sou da nova gestão, apesar de alguns erros (nem eles aspiravam acertar em tudo) seguimos na torcida para que os golaços fora de campo comecem a render frutos dentro dele também.

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