A file photo shows detainees sitting in a holding area watched by military police at Camp X-Ray inside Naval Base Guantanamo Bay

(Foto: Guantánamo, base/prisão americana em Cuba. Estadão)

A grande ‘notícia’ na grande imprensa brasileira esta semana é a visita da chamada “dissidente” cubana Yoani Sanchez ao Brasil. Como sempre, está fazendo todo o circuito da chamada “grande mídia” e sendo incensada por todos os “jornalistas” de oposição em suas páginas.

Antes de qualquer coisa; a sujeita em questão de dissidente tem muito pouco. De acordo com documentos publicados pelo site Wikileaks, é financiada pela CIA – a Agência de Inteligência norte americana – e pelos cubanos anti-regime que vivem em Miami e adjacências, a fim de estabelecer um pólo de desestabilização do regime castrista.

Sendo bem claro, caro leitor: se Yoani fosse americana e recebesse dinheiro do regime cubano para desestabilizar o regime de Barack Obama, muito provavelmente a esta hora estaria presa e condenada: talvez, à morte. Basta ver o que ocorre com o criador do próprio WikiLeaks, Julian Assange, refugiado na embaixada equatoriana em Londres com o propósito de não ser extraditado para os Estados Unidos – onde, fatalmente, será condenado à pena capital.

Contudo, meu propósito neste artigo nem é discutir o papel da blogueira em questão, nova filiada ao PSDB. Mas sim relativizar alguns conceitos.

Toda ditadura é ruim, não é mesmo? Todo regime autocrático tem um único tirano culpado por todos os males, certo?

Nem sempre.

Comecemos por Cuba. Não há liberdade de expressão, correto? Isto é ruim e deve ser combatido.

Por outro lado, especialmente a população mais pobre possui um padrão de vida que não teria se não ocorresse a “Revolução Castrista”. Provavelmente Cuba continuaria sendo o que era antes de 1959: um regime corrupto disponibilizando o país como prostíbulo para americanos endinheirados.

Parêntese: a Revolução Cubana, originalmente, não era comunista, como bem explicou o colunista Fabrício Gomes aqui mesmo neste blog em outras ocasiões. Fecha.

Mal ou bem, embora conviva com restrições (muitas provocadas pelo irracional embargo americano), a população pobre cubana possui um padrão de educação e saúde superior à quase totalidade dos países latino-americanos. Não há muita variação alimentar, mas ninguém passa fome.

Para estes cubanos a falta de liberdade é menos importante que ter comida na mesa, saúde e educação garantidas pelo Estado.

Onde quero chegar?

Por mais que uma ditadura seja algo indesejado, ela não se sustenta apenas pela força de um Exército ou pela vontade de um tirano. Sempre há algum tipo de apoio popular majoritário por trás que sustenta o regime, baseado em cálculos de perdas e ganhos.

Fidel Castro jamais estaria o tempo em que está no poder apenas baseado no controle da livre expressão ou das Forças Armadas, ainda mais se levando em conta o severíssimo bloqueio americano (que me parece um contra senso por parte dos Estados Unidos, aliás). Parece claro que o cálculo da maioria da população é de que “está ruim com, mas seria muito pior sem” – e por isso o regime se sustenta.

O leitor quer outro exemplo? Hitler.

Historicamente fica bastante fácil se atribuir todos os males do nazismo a um único ditador, porque assim se “expia” a culpa toda de forma mais fácil. Mas raciocine o leitor comigo.

A Alemanha havia sido arrasada na Primeira Guerra Mundial, tanto economicamente como nação. Passou por hiperinflação e uma severa crise. De repente surge uma proposta política que redinamiza a economia – ainda que sob o motor do esforço para uma nova guerra – concede emprego, restaura (naquele momento) o orgulho nacional e ainda diminui a concorrência por bons empregos.

Onde quero chegar?

A conclusão é que, sim, Hitler tinha amplo apoio popular. Mesmo suas mais abjetas políticas de Estado, como os crimes contra a humanidade cometidos, possuíam apoio da maioria da população. Ainda mais se levarmos em conta que os judeus, tidos como “raça inferior”, eram os donos da maioria dos meios de produção alemães naquela época.

Parêntese II, a Missão: os judeus tem total razão em reclamar do massacre do Holocausto. Mas estão fazendo igualzinho com os palestinos – Gaza e Cisjordânia são dois verdadeiros campos de concentração. Fecha novamente.

Retornando à Alemanha nazista, por mais que se concentre a culpa toda nos líderes é claro que Hitler tinha apoio da população para empreender suas políticas de ditadura e de genocídio. É mais cômodo responsabilizar uma única pessoa pelas atrocidades do nazismo, mas a maioria da população à época tinha sua parcela de culpa também – até porque se beneficiou daquele panorama.

Outro bom exemplo é o Estado Novo de Getúlio Vargas. Havia controle da liberdade de expressão, vivia-se uma ditadura, mas Getúlio disponha de amplo apoio popular, fornecido especialmente pela instituição da legislação trabalhista. Tanto que ele foi apeado do poder por um golpe militar e retornou pelo voto, nos braços do povo – até ser levado ao suicídio para impedir (ou melhor, adiar) um novo golpe de Estado naquele que para mim é um dos maiores lances políticos de nossa história.

Lembro ao leitor que, durante o Estado Novo, Vargas namorou fortemente o nazismo e o fascismo antes de entrar na guerra ao lado dos americanos – atraído por questões econômicas.

No Brasil, mesmo, à época da ditadura militar: o governo de Médici e seus asseclas torturava nos porões os opositores do regime, a imprensa vivia sob censura, mas naquele momento havia amplo apoio popular. Porque se vivia o chamado “milagre econômico” – e o seu desmanche como um castelo de cartas nos anos seguintes foi fator importante para a redemocratização.

Onde eu quero chegar?

A pior democracia é melhor que a mais eficiente ditadura. Fato.

Entretanto, é tolice intelectual se acreditar que regimes totalitários se sustentam pela vontade de um pequeno grupo de pessoas que detém o poder ou das Forças Armadas. Elas se mantém de forma efetiva porque possuem apoio da maioria das pessoas, sustentado em, como vimos, motivos absolutamente palpáveis – ainda que moral ou eticamente duvidosos, para se dizer o mínimo. E isso vale para países, empresas, clubes de futebol, associações, escolas de samba…

Antes de concluir, outro dado: no livro “Falsa Economia”, que resenhei anteriormente, o autor defende uma tese polêmica referente a poder e corrupção. Como escrevi naquela ocasião:

“Para um país é melhor ter uma corrupção moderada no governo, desde que se saiba a quem se paga a propina e que as coisas funcionem, do que um governo honesto onde o ambiente econômico tenha morosidade nas decisões. Cita os casos da cleptocrata Indonésia de Suharto e o governo russo atual.

A tese [do autor] é de que se há um controle único da corrupção o dono de tal poder vai se interessar em manter as coisas em ordem – o que não ocorreria se a corrupção fosse descentralizada, baseada no saque da maior quantidade de recursos no menor tempo possível.

Particularmente, acho imoral, mas…”

Mais um ponto de reflexão para o leitor.

Paro por aqui, o artigo está ficando extenso. E olha que não falo de duas ditaduras muito piores que às de Estado, que são a financeira e a midiática. Abordarei estes dois casos em outra oportunidade.

7 Replies to “Yoani, Cuba e algumas notas sobre ditaduras”

  1. belo texto, Migão. Concordo com muita coisa escrita por você. Parabéns.

    Não sou comunista, mas uma das coisas que me chamam mais a atenção é que boa parte das pessoas que falam mal de Cuba, querem comparar a realizada da Ilha com a Bélgica, Suiça e Luxemburgo e não com o Haiti, Belie ou Rebublica Dominicana, que tem história e realizade bem mais próximas.

  2. Pedro, você tem link para algum lugar que reproduza os documentos divulgados pelo Wikileaks que mostram que ela é bancada pela CIA?

      1. Pedro, links sobre encontros dela com a diplomacia americana e até sobre a entrevista com o Obama que não foi com o Obama eu achei. Não encontro é nada que indique que ela seja efetivamente bancada pela CIA – na verdade, tudo o que eu li dá a entender que, embora eles se entendam e conversem, não é isso o que acontece.

        Acho que é preciso tomar cuidado pra assumir certas coisas como verdade sem ter a informação pra valer – tanto pra um lado, quanto pra outro.

  3. Os judeus estão “estão fazendo igualzinho com os palestinos”?? Igualzinho ao Holocausto??

    E mais, ok, vamos assumir que a blogueira tem apoio dos EUA, da Cia, do que for. Nao achei fonte fidedigna que mostrasse isso, via wikileaks, mas vamos assumir como verdade.

    Ora, os grupos armados de esquerda brasileiros tb recebiam esse tipo de apoio externo nos tempos de ditadura!

    Pq que para os grupos esse apoio era bom e para ela ‘e ruim?

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