original_fundo-de-investimento-jpgNesta quinta feira, antes de iniciarmos nossa programação especial de carnaval, temos um artigo de convidado. O amigo e administrador Jorge Farah nos apresenta post didático sobre fundos de investimentos, tendo como ponto de partida um fundo de investimentos envolvendo jogadores de futebol. Recomendo muito a leitura.

Fundo de Investimentos em Direitos Econômicos de Jogadores

Era uma aula de finanças pessoais para alunos de área não financeira. O sinal tocou, o professor entrou na sala e, entre as conversas que escutou, um bate-papo entre dois alunos que sentavam na frente lhe chamou a atenção: 

– Será uma boa o cube virar empresa, sim! Teremos áreas de controle, prestações de contas e não veremos mais gastos de R$200mil em celulares, compras de jogadores sem se preocupar como pagar o salário e por aí vai… 

– Eu já não acho. Para ser empresa, o Flamengo terá um dono. Já não bastam alguns sócios que se acham donos? Além disto, duvido que o Conselho aprove! 

O professor os interrompeu educadamente querendo saber sobre o que exatamente falavam; e lhe mostraram uma reportagem do jornal O Globo intitulada Criação de Empresa: a Cartada do Flamengo. Ao ler, o Professor disse: 

– Bem, não é exatamente sobre transformar o clube em empresa que a reportagem fala. A manchete está mal explorada. A matéria fala sobre investimentos, o que não deixa de ser sobre uma forma alternativa de se montar um bom time. Eis um ótimo tema para a aula de hoje. 

Se dirigindo a todos na sala, falou em tom mais alto: 

– Vamos falar hoje sobre fundos de investimentos, utilizando como base esta reportagem. Ok? Todos aos lugares. 

Alunos e professor se acomodaram. A sala ficou em silêncio e a aula finalmente foi iniciada. 

– Em primeiro lugar precisamos explicar o que é um fundo de investimento. A metáfora mais comum é a de um condomínio. Pessoas se juntam com um objetivo comum. No caso do condomínio, é o de morar em um determinado lugar. No caso de um fundo de investimento, o de aplicar em determinado conjunto de ativos. 

– E qual a vantagem disso, professor? – pergunta um aluno. 

– A mesma de um condomínio. Trata-se de uma espécie de ganho de escala. Provavelmente você não teria condições de comprar o terreno onde está construído seu prédio. Então se constrói um edifício e você tem uma parte dele, que é o seu apartamento. No caso de um fundo de investimento é a mesma coisa. Vários aplicadores juntos detêm maior poder de investir do que cada um individualmente e cada um deles terá uma partezinha do fundo de investimento, que é chamada de cota. 

O professor continuou demonstrando a equivalência de um fundo de investimento com um condomínio. Falou sobre as reuniões (ou assembleias gerais), os direitos e as obrigações dos condôminos (ou dos cotistas), o estatuto do condomínio (ou regulamento do fundo), o pagamento aos administradores do condomínio (ou do fundo) entre outras coisas semelhantes. 

– Professor, os investidores dos fundos podem aplicar em quê? 

– Títulos e valores mobiliários em geral, mas pode ser em qualquer ativo disponível no mercado financeiro ou de capitais. Assim, podem-se aplicar em ações, debêntures, papéis emitidos pelo governo, direitos creditórios e muito mais, inclusive direitos econômicos de jogadores de futebol. 

– Então, os clubes de futebol podem montar um fundo com o “passe” dos jogadores? Seria isto? 

– Sim, é uma das alternativas. É possível e vocês vão começar a ler muito disso daqui em diante. Acredito que cada vez mais os clubes montem um Fundo de Investimentos em Direitos Econômicos de Jogadores ou um Fundo de Investimento em Participações, conhecido pela sigla FIP. 

– Como funciona isso? Poderia explicar melhor? Está ficando interessante, professor! Eu posso comprar um jogador para o Flamengo? 

– Bem, sendo cotista de um fundo de investimento em participações pode-se ter parte de uma empresa que compra e vende jogadores de futebol ou o fundo pode ele mesmo gerir tais direitos, sem necessidade da empresa. Dessa forma, pode-se montar um fundo para comprar um jogador em especial ou vários jogadores, diluindo o risco. Os cotistas desse fundo seriam os donos do que antigamente se chamava de “passe” do atleta. 

– Tem valor mínimo? Podemos investir R$ 1,00 como aquela velha história de cada torcedor do Flamengo dar R$ 1,00 por mês ao clube. Se ao invés dessa doação, que tal se todos comprassem uma cota do fundo? 

– Talvez! O Valor mínimo de aplicação e as regras para resgate e novas aplicações fazem parte da política de investimento. Quando vocês vão a um banco fazer a aplicação, essas informações estão escritas no prospecto do fundo, certo? Não tem aquele fundo que você pode aplicar qualquer valor? Porém, não há aqueles que só pode aplicar a partir de mil reais e outro de dez mil ou cem mil? Na criação do fundo será definido se o objetivo é ter poucos aplicadores investindo valores altos ou vários com valores mais baixos. No início, o mais provável é que sejam exigidos investimentos milionários. Com o tempo e amadurecimento do mercado, a Assembleia Geral pode fazer alterações na política, onde cada cota representa um voto ou serem criados novos fundos para torcedores comuns. Hoje esta realidade ainda está distante. 

– E como se ganha dinheiro investindo em fundos com direitos econômicos de jogadores? 

– Com o aumento do valor dos direitos econômicos. As cotas devem refletir, de forma atualizada, o valor de mercado dos jogadores. Deve-se criar uma metodologia de cálculo para se determinar quanto estaria valendo cada jogador e a cota iria flutuar na mesma proporção dos direitos econômicos. É o que se chama de “marcação a mercado”. O somatório das cotas representa o patrimônio do fundo que é a carteira total. 

– E há carência? Os investidores poderão resgatar a qualquer momento? 

– Em um fundo aberto, os resgates são feitos a qualquer tempo. Mas, no caso de ativos com baixa liquidez, como imóveis ou direitos econômicos de jogadores, só é possível resgatar com a venda, para poder honrar com os resgates efetuados? Assim, um fundo exclusivamente constituído por ativos de baixa liquidez deverá ser fechado. A cada venda de jogadores, os aplicadores resgatam de forma proporcional às suas cotas. Da mesma forma que aconteceria se o investidor tivesse comprado o mesmo jogador sozinho, sem o fundo. 

– E o que acontece se o jogador se desvalorizar? Se tiver uma contusão séria e não conseguir vendê-lo? 

– A cota deverá cair na mesma proporção. Se toda carteira for afetada e o patrimônio líquido ficar negativo e os investidores terão que se cotizar para cobrir o rombo. Sempre proporcionalmente às suas cotas. Igual acontece no condomínio de vocês. 

– Quais jogadores podem fazer parte do fundo? E qual a vantagem para o clube montar um fundo? 

– Em tese, qualquer jogador. Porém, sabe-se que jovens possuem maior potencial de ganho em futuras revendas. Uma hipótese plausível que deve interessar aos investidores é a contratação de jovens em processo de valorização crescente no mercado latino americano, prospectando futura revenda para Europa, em um período médio de 3 anos. A vantagem para o clube é que mesmo com pouco dinheiro em caixa, como é o caso do Flamengo, pode-se sonhar com a formação de um time inteiro de altíssima qualidade graças à vitrine que um clube de massa como o Flamengo pode representar. Aliás, quanto melhor o time, maior será a exposição e o potencial de ganho para os investidores. 

– E a desvantagem? Há alguma? 

– Sim, nenhum dos atletas do fundo pertenceria integralmente ao clube.  Seus direitos estariam vinculados ao fundo de investimento. A expectativa é que assinem um contrato de cinco anos, que é o prazo máximo permitido pela legislação, e sejam revendidos em 2 a 4 anos. Nada muito diferente do que já acontece hoje. A diferença é que passariam dos empresários para os investidores, que podem, inclusive, ser as mesmas pessoas. Além disto, é sempre importante ressaltar que o clube precisa ter receitas suficientes para bancar um eventual supertime. 

– E a tal empresa da notícia? – Perguntou o aluno que entregou o jornal no início da aula. 

– A matéria não explica bem a finalidade. Então, faço uma suposição. Para se constituir um fundo é necessária certa burocracia para aprovação na CVM – a Comissão de Valores Mobiliários, entidade responsável pela fiscalização dos fundos de investimento. Assim, creio que a empresa seria criada para comprar os jogadores enquanto o fundo não é regulamentado. Depois, pode ser usada para que os investidores tenham cotas de seu capital ou pode ser extinta ou, ainda, utilizada para outra finalidade. 

– O Clube teria que ser um dos sócios da empresa? E o Conselho não teria que aprovar? – perguntou o aluno que, no início, se mostrou contra a transformação do clube em empresa. 

– Provavelmente, o clube não será sócio da empresa. Desta forma, não haveria necessidade de aprovação nos Conselhos, o que poderia demorar mais do que a autorização da CVM. Vejam que para o clube não faz muita diferença o jogador ser da empresa do Carlos Leite, do Uram, da futura empresa a ser criada, conforme a matéria menciona ou de um fundo de investimento. 

– Você é favorável a que os clubes constituam esses fundos para compra de jogadores, professor? – perguntou uma aluna sentada na primeira fila. 

– Olha, vamos focar no caso do Flamengo. Historicamente, quantos negócios ruins já foram feitos pelos dirigentes do clube na contratação de jogadores, olhando para o passado, numa ousadia burra. O Flamengo teima em perder dinheiro com jogadores. A partir do momento em que as contratações forem feitas sob o aval de quem pretende ganhar dinheiro com isto, a lógica passa a ser outra, não acham? Além disto, o Flamengo pode preparar uma nova geração, sem pressa, sem atropelos, enquanto disputa competições com os jogadores de investidores e ir substituindo-os gradativamente, no tempo de cada um. Que tal? Promissor, não? 

Toca o sinal anunciando o fim da aula. O professor se despede dizendo que o assunto não se encerrou e que voltará a ele qualquer hora.

Jorge E F Farah

Twitter: @JEFFladm

Facebook: http://www.facebook.com/jeff.jorgefarah

Jorge E F Farah é administrador de empresas e atua profissionalmente na área financeira, com experiência em bancos de investimentos, bancos múltiplos e órgãos públicos. Também atua como blogueiro rubro-negro, onde é conhecido pela inicial JEFF. 

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