luciano-huckNesta quarta feira, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, faz uma análise do instituto do voto distrital e defende sua adoção no Brasil.

Como o próprio colunista reconhece no artigo, sou contra a adoção desta modalidade de voto, pelo menos em sua versão “pura”. Vale lembrar que na própria eleição americana de novembro último os republicanos obtiveram 234 cadeiras com 58,3 milhões de votos, enquanto os democratas conquistaram 201 cadeiras com… 59,6 milhões.

Passemos ao post.

Uma análise do voto distrital e sua aplicação ao Brasil

Olá leitores do Ouro de Tolo, bem vindos a uma nova era do blog em domínio próprio. Para comemorar tal feito, saio de minhas férias autoforçadas, para fazer uma coluna especial a pedido do nosso editor. Para ela, decidi abordar um tema polêmico: a adoção do voto distrital no Brasil.

Não posso tocar nesse ponto sem antes mencionar uma “Bissexta” antiga deste blog, de 23 de setembro de 2011 na qual o Migão e o colunista Walter Monteiro fazem duras críticas ao sistema, principalmente o primeiro.

Como todos sabem, tenho uma relação muito próxima com a política americana e, como ela é herdeira do sistema eleitoral britânica, lá é adotado o sistema distrital.

Mas o que é o voto distrital?

De modo muito rasteiro, é simplesmente dividir o território em vários distritos contínuos e contíguos, sendo que cada distrito elegeria apenas um deputado (ou vereador) em votação majoritária. Exatamente como já são as eleições no Brasil para Presidente, Governador, Prefeito e Senador.

Particularmente sempre fui um entusiasta do voto distrital, por várias razões:

  • Facilita bastante para os eleitores entenderem como se ganha uma eleição parlamentar
  • Diminui a atração de votos pelo poder financeiro de determinado candidato, principalmente nos distritos localizados em grandes cidades, por causa do diminuto território de disputa (provavelmente nosso editor colocará aqui uma nota discordando radicalmente). A redução de custos de campanha, em minha avaliação, pode chegar a 40% ou até mais. [N.do.E.: nem preciso colocar nota, ele mesmo já avisou que discordo. Ao contrário, irá reforçar o poder econômico e político dos caciques.]
  • Fortalecimento da conexão entre eleitor e eleito. Todo eleitor saberá exatamente quem representa o seu distrito e assim facilitará a fiscalização e a cobrança do seu mandato e de suas posições. Nos EUA e no Reino Unido são muito comuns reuniões abertas entre os congressistas e os eleitores dos distritos, para prestar contas do mandato e ouvir o que os eleitores quem falar.
  • Isso dificulta sobremaneira a eleição de grupos de interesse, já que os eleitores desses grupos não podem concentrar forças em apenas um candidato.
  • Sendo distrital, poderíamos adotar para o voto distrital o sistema de “maioria absoluta” e fazer a eleição para deputado em 2 turnos, como o é na França, para evitar que uma grande pulverização de candidatos derrube a porcentagem de votos do eleito.

Porém, até aqui me coloquei contra a sua utilização no Brasil por um simples motivo: a certeza que aqui o “gerrymandering” seria amplo, geral e irrestrito.

Nesse ponto o leitor já deve estar com raiva de mim, porque já é a segunda vez nesse blog que utilizo esse palavrão em inglês sem explicá-lo. Então vamos à explicação.

Os distritos são simplesmente desenhos de fronteiras no papel e a única obrigação é que os distritos tenham o mesmo número aproximado de eleitores. Então quem define em quais locais serão desenhadas as linhas?

Aqui entra o conceito de “Gerrymandering”. É o nome dado a artimanha de se desenhar os distritos de forma a fazer com que ajude ao grupo que é responsável por desenhar essas linhas.

Se uma determinada área é característica por ser reduto do grupo oposicionista, ao invés de se fazer um distrito único compreendendo essa área homogênea (e com número de eleitores suficientes para se formar um distrito), passa-se a linha distrital exatamente no meio desse reduto.

Assim, divide-o em dois, diluindo em outros dois distritos com maioria do grupo elaborador do “Gerrymandering” – que dessa forma anula qualquer representatividade do reduto oposicionista.

Isso foi muito utilizado por Chávez na Venezuela na redefinição dos distritos venezuelanos e os republicanos nos EUA o fazem sem escrúpulos nos estados em que dominam o governo. Por isso, toda eleição é uma dificuldade hercúlea para o partido democrata ganhar o controle da Casa dos Representantes americana.

Se até em democracias sólidas isso ocorre, imagina a farra com que isso seria feito nos estados brasileiros. Por isso, sempre achei que é ruim como está, mas seria ainda pior com a eleição distrital.

Porém nos últimos dias, pensando sobre o assunto, revi minha posição.

O Brasil tem um instituto muito respeitado que, até onde chega meu conhecimento, é inexistente em todas as democracias sólidas que utilizam o Voto Distrital: a Justiça Eleitoral.

Justamente por ser um órgão técnico, especializado em preparar eleições e compilar todos os dados estatísticos referentes ao assunto e ser um órgão apartidário, em uma futura reforma eleições para implantação do Voto Distrital seria a justiça eleitoral estadual (com revisão pela federal em alguns casos) a responsável por dividir os distritos praticamente afastando o risco de “Gerrymandering”.

[N.do.E.: vendo como a Justiça brasileira, em especial nos escalões mais altos, está “aparelhada” politicamente pela oposição, duvido e discordo muito desta tese.]

O Brasil mais uma vez daria exemplo ao mundo nessa área, tal qual foi com a adoção da Urna Eletrônica, adotando um modelo protegido contra o “Gerrymandering”. Essa me tornou um apoiador do voto distrital no Brasil.

Porém, para eu apoiar um projeto de Voto Distrital aqui, a reforma eleitoral necessariamente terá que conter dois pontos:

1) a votação terá que ser em 2 turnos, como já o é para o Executivo atualmente, para evitar que em distritos mais disputados o vencedor tenha poucos votos e, consequentemente, falta de legitimidade.

2) Devem ser revogados o Art. 45 §1° e §2° da nossa Constituição além dos arts. 2° e 3° da Lei Complementar 78/93. Tais dispositivos criam a pior distorção que há em nosso sistema eleitoral atual, ao determinar que nenhum estado terá menos do que 8 deputados nem mais do que 70 e que cada território deverá ser representado por 4 deputados.

O resultado disso é que, a serem divididos os estados em distritos da forma como está hoje, um distrito de Rondônia teria apenas 33.986 eleitores por distrito (menos que alguns bairros das cidades do Rio e de São Paulo) enquanto um distrito em São Paulo teria absurdos 432.877 por distrito.

Essa distorção é inadmissível em um sistema distrital. Seria necessário abolir o limite máximo de deputados por estado e diminuir o limite mínimo para apenas 1, tal como sempre foi nos Estados Unidos.

Isso não ferirá o sistema federativo (alias, os EUA são o exemplo primeiro de federação), sendo  um favor que faremos à representação popular.

Afinal a idéia da Câmara de Deputados é representar igualmente toda a população e a regra atual não permite isso. A representação federativa igualitária é para ser feita pelo Senado e isso não está em discussão: cada estado continuaria com seus 3 senadores.

A forte grita dos atuais deputados à derrubada desses limites é justamente o fato de que a maioria dos deputados hoje eleitos pelo norte-nordeste não teriam vaga nessa nova arrumação da Câmara dos Deputados.

Em uma divisão igualitária, São Paulo saltaria de 70 para 114 deputados, enquanto Roraima seria reduzido para 1 deputado, Acre e Amapá para 2, entre outros.

Quanto as preocupações dos anti-voto distrital, resumidos pelo Migão na abertura da coluna do Walter Monteiro, a prática que vejo nos EUA me dá uma maior tranqüilidade de que não ocorrerão.

1) como já afirmei acima, se a reforma vier junto com a redefinição das cadeiras por estados, o poderio financeiro será bastante esvaziado pela redução de vagas nos currais eleitorais, além das campanhas distritais serem mais baratas por natureza.

2) os representantes de milícias, traficantes e afins serão exatamente os mesmos, pois atualmente eles já se valem de um “voto distrital informal”. Além do mais, em último caso o TRE poderá gerir um “gerrymandering” positivo, evitando criar distritos exclusivamente nas áreas afetadas por esses fenômenos (o TRE-RJ sabe exatamente onde estão essas áreas).

3) pela prática americana posso afirmar que o “voto de opinião” sempre terá seu lugar, mesmo no sistema distrital. Existem distritos que ficam famosos exatamente por apoiar esses candidatos.

Nos EUA, por exemplo, Nancy Pelosi (D) é uma candidata de opinião e não obstante é eleita ininterruptamente desde 1987 tendo conseguido absurdos 84,8% em seu distrito em 2012, sendo inclusive presidente da casa entre 2003 e 2007. Ou John Conyers (D), que é eleito ininterruptamente desde 1965 e em 2012 obteve 81,5% dos votos em seu distrito.

Aqui no Brasil, dois distritos candidatos a abraçarem deputados de opinião seriam os da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Gabeira, Freixo, Chico Alencar ou Biscaia poderiam ganhar nesses distritos. Assim como Arthur Virgilio seria favorito para ganhar um dos distritos manauaras ou Heloisa Helena seria possível vencedora em um dos distritos de Maceió.

4) quanto à reclamação da dificuldade para ser candidato, como ocorreu com Thatcher, o sistema bi-partidário inglês é muito mais difícil de ser transposto do que o nosso, multifacetado. Legendas menores para se abrigar uma candidatura, desde que seja forte, não faltarão. Nesse ponto nada mudará com o Voto Distrital.

Admito que a questão é polêmica e mesmo no PSDB, único partido brasileiro que defende abertamente a adoção do voto distrital, apesar de majoritária, a posição não é pacífica.

[N.do.E.: o PSDB defende? Mais um motivo para ser contra.]

Mas aqui está a minha opinião.

Obs1: estou tentando abraçar o mundo com os braços e como resultado estou atribulado, com mil tarefas simultâneas totalmente diversas. Pelo menos até abril, elas me tomarão bastante tempo e com isso, meu tempo para escrever será diminuto. Por isso, a Made in USA irá rarear, mas mantenho o compromisso de fazer pelo menos uma coluna por mês.

Obs2: com a adoção do domínio próprio, também ganhei um e-mail para poder interagir com os leitores: rafaelrafic@pedromigao.com.br. Sintam-se a vontade para se comunicarem comigo por esse e-mail e prometo que todos serão respondidos, mesmo que isso demore um tempinho por causa do explicado acima.

2 Replies to “Made in USA – “Uma análise do voto distrital e sua aplicação ao Brasil””

  1. Rafael,

    De fato, sou contra, mas não sou fundamentalista nessa questão. O drama é que os (péssimos) costumes brasileiros não se modificam via reforma institucional. Talvez fosse possível tentar um sistema parecido com o alemão, que mescla o regime proporcional com o regime distrital.

    Mas lembro que os políticos brasileiros têm a incrível capacidade de destruir as boas ideias. A proposta em discussão no Congresso cria o sistema distrital, mas é, como eles mesmo chamam, um “distritão”, ou seja, a UF inteira passa a ser um distrito. Para favorecer, obviamente, o poder econômico e aniquilar as minorias.

  2. Walter,
    Quanto aos congressistas, concordo plenamente. E você usou o melhor exemplo possível.
    Esse “distritão” é qualquer coisa, menos voto distrital. O voto distrital que se discute como tal é o voto distrital simples, no qual cada distrito só elege 1 representante.
    Essa ideia estapafúrdia criada nunca foi sequer mencionada em lugar algum.
    Ou seja, se implementada será como a jabuticaba: só existirá no Brasil. Não ha como dar certo.

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