Especial Segunda 2012 155

E o Ouro de Tolo segue sua saga carnavalesca.

Embora não seja especialista “stricto sensu”, venho falar de tema que precisa, a meu ver, de uma atenção especial: o julgamento das escolas.

Antes de qualquer coisa, o julgamento possui um problema básico: quem coordena o júri, define os critérios e escolhe os nomes é a própria Liesa, Liga Independente das Escolas de Samba. Ou seja: julga quem faz.

Isso é básico em auditoria, por exemplo: quem faz não audita. O mesmo raciocínio pode ser adotado por analogia para o julgamento do carnaval: as escolas não podem estar responsáveis pela sua avaliação no desfile. No mínimo, para diminuir a influência dos mandatários da entidade sobre o júri, porque sempre há o receio de que uma nota baixa para as escolas dos mandatários da vez da instituição signifique estar fora no ano seguinte.

Que fique claro que não estou afirmando que ocorre o que disse acima. Estou falando em hipótese.

Além desta questão, os próprios critérios de julgamento, a meu ver, precisam não somente ser revistos como terem sua aplicação feita de forma correta. Vamos por partes.

Hoje os jurados são muito mais “fiscais de erros” que propriamente julgadores: pontos são descontados pela ausência de elementos ou erros ocorridos no desfile, não se premiando a criatividade ou a excelência. Além disso, mesmo dentro destes parâmetros há quesitos nos quais há problemas de julgamento.

Há outra questão: os quesitos de ordem “plástica” – Alegorias, Fantasias, Conjunto – acabam sendo mais decisivos que os quesitos “de pista” (bateria, samba enredo, evolução, harmonia). Uma penalização nestes últimos é bem menor que nos primeiros.

O leitor quer um exemplo? O Salgueiro foi justamente campeão em 2009. Mas seu samba jamais, repito, jamais poderia ter tido todas as notas máximas como teve. Outro exemplo foram as notas de Harmonia da Mangueira em 2012: eu estava próximo ao primeiro módulo de julgamento, a escola atravessou de forma insofismável o canto (uma ala cantando um refrão e a imediatamente posterior, outro), e qual foi a nota? Dez.

Outras duas características do julgamento particularmente me preocupam muito: a adoção da nota mínima 9,0 e o “décimo extra”.

Com esta nota mínima e o uso dos décimos, as diferenças entre as escolas ficam mais difíceis de serem analisadas. Grandes e pequenos erros não terão muita diferenciação, o que nivela por baixo. Por exemplo, o ótimo samba da Vila Isabel não terá notas muito diferentes que a sofrível composição da Mocidade.

Além disso este sistema deixa o julgamento mais suscetível a eventuais desonestidades: com três jurados dando 3 ou 4 décimos a menos para uma escola em relação a outra, praticamente se decide o carnaval, apesar dos descartes.

Outra “inovação” é o décimo extra, o “10,1″. Este já foi testado em anos anteriores e continua este ano, sem contar no julgamento oficial. A idéia é “premiar” as melhores escolas, já que o julgamento, na prática, não é comparativo. Sinceramente, acho inócuo.

Outra característica é que serão apenas quatro módulos de julgamento como em 2012, não cinco. Isso melhora a fluidez das escolas, pois as longas paradas para apresentação dos casais de mestre sala e porta bandeira e da comissão de frente acabavam”quebrando” bastante a evolução. Como reflexo desta diminuição apenas a menor nota será descartada, o que nivela ainda mais por baixo o carnaval.

Aliás, nem estas paradas para apresentação destes dois quesitos seriam necessárias, se os jurados pudessem avaliar em todo o seu campo de visão. É outro problema do julgamento. Isto é particularmente dramático no quesito Evolução, onde pode haver um buraco de 100 metros que se não for exatamente nos 10 metros à frente do julgador este não pode penalizar. Chega a ser um contra senso.

E o que pode ser feito para tornar mais acurado o julgamento?

Antes de mais nada, respeitar o princípio básico de auditoria e tirar das escolas o julgamento. Contratar uma entidade independente – ou a própria Riotur – para selecionar os jurados, manter os nomes em sigilo e assim tirar o peso político das agremiações.

Valeria a pena fazer um rodízio maior dos jurados. Hoje temos jurados há quase 20 anos na função, com todas as suas idiossincrasias e vícios de origem. Oxigenar é bom.

Outro ponto é separar a nota em parte descritiva e parte comparativa. Tal e qual feito na ginástica, as escolas teriam uma “nota de partida” se cumprissem todos os requisitos determinados para aquele quesito. A partir daí, a nota seria comparativa.

Obviamente, o padrão de notas teria de ser diferente: notas de 5 a 10, sem os décimos e com os meios pontos. A nota de partida poderia ser nove, por exemplo, e o ponto restante comparativo.

Os critérios de julgamento de cada quesito também devem ser modificados a fim de tirar o peso dos “fiscais de erros” e premiar a excelência. E a nota deve ser dada pelo que acontece em toda a avenida, não somente à frente do julgador.

Também valeria a pena, a meu ver, dar pesos aos quesitos de acordo com sua importância: mestre sala e porta bandeira e comissão de frente não podem ter o mesmo peso de samba de enredo, por exemplo.

Claro que é uma situação hipotética, mas um eventual presidente desonesto pode definir o carnaval apenas subornando o casal de uma outra agremiação com R$ 400 ou 500 mil, por exemplo. Basta este “cair” em frente a todos os jurados e pronto.

Privilegiar os quesitos de “pista” também poderia ser uma forma de diminuir a influência do poder financeiro sobre a festa, com pesos maiores para estes.

Obviamente, não se esgota aqui o debate. Mas fica claro que muito precisaria ser feito para melhorar o julgamento do carnaval carioca.

One Reply to “Algumas notas sobre o julgamento do carnaval”

  1. O post tem um devaneio típico de Pedro Migão (“subornar o casal de outra agremiação”) e eu não concordo com a distribuição de pesos entre os quesitos – a meu ver todos têm o seu valor, se você tornar um maior do que o outro, certamente os profissionais do mais desvalorizado receberão (ainda) menos.

    Dito isso, creio que as demais ideias já foram defendidas por vários amantes do Carnaval e eu concordo com as mesmas. O que mais me incomoda é a atribuição de ‘fiscal de pista’ aos jurados. Particularmente prefiro uma alegoria com falhas de acabamento, porém que me transmita algum valor e esteja contextualizada ao enredo, a uma bonita e óbvia, repetindo o que alas anteriores/posteriores já disseram.

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