Neste sábado, mais uma edição da coluna de contos do compositor Aloisio Villar, a “Buraco da Fechadura”.
Prazer na dor
Silvana era uma mulher independente, bem resolvida. Na altura de seus quarenta anos de idade era casada com Fábio há quinze e mãe de dois filhos, um de doze e outro de dez. Era o que podíamos chamar de uma pessoa feliz.
Formada em psicologia, especializou-se em sexo, tornando-se a mais importante sexóloga do Rio de Janeiro. Atendia inúmeras pessoas por semana, lançou livros onde falava de sexo e essa popularidade fez com que ganhasse um programa de rádio todos os dias: de onze à meia noite.
O programa de rádio era o xodó de Silvana.
Lá ela ouvia casos dos ouvintes, que contavam sobre suas vidas sexuais e suas dúvidas. Silvana ouvia a tudo atentamente e depois dava conselhos. Algumas histórias eram bizarras, como o rapaz que ligou desesperado por estar com uma garrafa de refrigerante entalada no ânus. Contudo Silvana tinha que conter o riso e responder a tudo com seriedade.
Na tarde seguinte, na hora do almoço, Silvana sempre se reunia com as amigas para almoçar. Gargalhavam lembrando as histórias da noite anterior. Lá Silvana deixava transparecer todo seu desdém e deboche com os problemas sexuais de seus ouvintes. Na tarde seguinte do caso do rapaz em especial pediram um refrigerante de dois litros e tentavam imaginar como o pobre coitado se entalou.
Fábio, empresário de uma multinacional, comunicou à esposa que teria que passar um mês na Alemanha, em treinamento. Silvana, apaixonada pelo marido mesmo com quinze anos de casados, lamentou a situação, mas compreendeu e dedicou-se vinte e quatro horas ao trabalho.
No período de viagem de Fábio ocorreu algo que mudaria a vida de Silvana.
Silvana atendia normalmente aos ouvintes quando entrou no ar a ligação de um homem com voz grossa, bonita como a de um cantor. Silvana perguntou qual era sua dúvida e o homem respondeu que não tinha nenhuma, apenas queria contar a sua história.
Silvana tentou interromper dizendo que o programa não era para contar histórias, mas tirar dúvidas quando o homem começou seu relato. Apresentou-se como Lord Perversus e era dominador, adepto do BDSM.

BDSM é um acrônimo para Bondage e Disciplina, Dominação e Submissão,  Sadismo e Masoquismo. O BDSM tem o intuito de trazer prazer sexual através da troca erótica de poder, que pode ou não envolver dor, submissão,  tortura psicológica,  cócegas e outros meios. Por padrão, a prática é provocada pelo(a) Dominador(a) e sentida pelo(a) Submisso(a).
Muitas das práticas BDSM são consideradas, num contexto de neutralidade ou não sexual, não agradáveis, indesejadas, ou desvantajosas. Por exemplo, a dor, a prisão, a submissão e até mesmo as cócegas são, geralmente, infligidas nas pessoas contra sua vontade, provocando essas sensações desagradáveis. Contudo, no contexto BSDM, estas práticas são levadas a cabo com o consentimento mútuo entre os participantes, levando-os a desfrutarem mutuamente.
O conceito fundamental sobre o qual o BDSM se apóia é que as práticas devem ser SSC (São, Seguro e Consensual). Atividades de BDSM não envolvem necessariamente a penetração, mas de forma geral, o BDSM é uma atividade erótica e as sessões geralmente são permeadas de sexo.
O limite pessoal de cada um não deve ser ultrapassado, assim, para o fim de parar a sessão/prática é utilizada a SAFEWORD (palavra de segurança) que é pré-estabelecida entre as partes.
Lord Perversus contava em detalhes a última sessão que teve com sua submissa e o diretor do programa mandava Silvana desligar o telefonema – que não teria nada a ver com a atração, mas Silvana estava interessada na história e o impediu ouvindo até o fim.
Silvana foi para casa perturbada com aquela ligação e o caso de BDSM foi o assunto principal no almoço entre amigas do dia seguinte. Todavia Silvana estava mais quieta que o normal e só ouvia os comentários debochados das amigas.
De noite ela estava na rádio e chamou a ligação do ouvinte quando percebeu que era novamente Lord Perversus. Silvana cumprimentou o homem e ele perguntou se ela tinha gostado de sua história, Silvana respondeu que era interessante e Perversus comentou que apostava que ela pensara o dia inteiro no que contou. A mulher perguntou o que ele queria e Perversus quis contar o que tinha feito com sua submissa naquela tarde.
Contou tudo em detalhes e um incômodo tomava conta da equipe da rádio, menos de Silvana que parecia bem interessada no assunto. No fim Perversus despediu-se dizendo que ela teria notícias suas.
Silvana saiu da rádio ainda mais perturbada com tudo aquilo e o dominador ligava diariamente para o programa se tornando a maior atração do mesmo. A audiência aumentou com aquelas histórias e muitas pessoas começaram a achar que era armação. Silvana, cada vez mais ligada ao assunto, começava a pesquisar na Internet sobre BDSM, procurando fotos da prática.
Depois de uma semana direta de ligações Perversus parou de ligar e Silvana sentiu falta. Perguntava-se o que ocorrera com o homem.
Até que depois de quatro dias de ausência Perversus ligou, mas para seu celular.
Ela tomou um susto quando notou que era o homem e perguntou como ele conseguira o número. Perversus desconversou e disse que queria vê-la. Silvana respondeu que era impossível, era uma mulher casada e não gostava das práticas sados. Perversus insistiu e Silvana desligou.
Por dois dias Perversus ligou para o celular de Silvana que no começo ainda atendia negando-se a vê-lo e depois passou a ver o número e não atender mais.
De noite no programa Silvana atendeu o ouvinte e era ele.
Perversus não tinha a voz confiante de sempre. Parecia abatido, que tinha chorado e falava que sua vida não tinha mais sentido e queria morrer. Silvana desconcertou com aquele modo dele falar e tentou argumentar que se abater não levava a nada, perguntando o que ocorrera.
Perversus respondeu que queria uma mulher, mas ela não queria encontrá-lo. A audiência do programa estourava com Perversus ameaçando se matar ao vivo e Silvana tentando impedir. Até que ele disse que não agüentava mais e ouviu-se um estampido de tiro.
Silvana deu um grito desesperado e a rádio ficou em polvorosa. Seu celular tocou e ela atendeu. Era Perversus dizendo que o próximo tiro era pra valer e que ela o encontrasse em quinze minutos na Lapa.
Silvana não pensou duas vezes e abandonou o programa, indo ao seu encontro. Chegou na Lapa e viu um carro preto estacionado perto dos Arcos da Lapa, com um homem de óculos escuros encostado nele.
Silvana nunca vira Perversus. Mas tinha certeza que era ele.
Aproximou-se e ouviu: “que bom que você veio”.
Perversus era um homem de mais ou menos quarenta anos também, um pouco grisalho, bonito e que exalava charme. Silvana perguntou o que ele queria com ela e o homem estendeu a mão e disse “vem”. Silvana perguntou para onde e Perversus respondeu “conhecer meu mundo”.
Silvana mesmo sem conhecer aquele homem lhe acompanhou em seu carro e eles pararam em um hotel próximo da Lapa.  Um ‘pulgueiro’, onde Perversus segurando a mão de Silvana conduziu-a até um quarto.
Lá encontraram um homem e uma menina loirinha, estilo frágil e com mais ou menos vinte anos. Perversus mandou que Silvana sentasse e assistisse. O outro homem mandou que a loira tirasse a roupa e ela tirou.
Colocaram uma coleira nela e mandaram que ela ficasse de quatro, a moça com cara de sofrimento andava como se fosse uma cadela. Andaram assim o quarto todo com ela e davam pequenas chicotadas. Depois amarraram em pé na porta e deram várias chicotadas em suas costas.
Silvana olhava a tudo quieta, Teve vontade de gritar e mandar parar, mas a curiosidade e o tesão falavam mais alto. Os homens amarraram a menina de quatro em cima de um banquinho e ela parecia sofrer. Pegaram camisinhas e transaram com a garota. Primeiro seu senhor, depois Perversus. Silvana se contorcia para disfarçar a excitação.
No fim a loirinha foi desamarrada e entrou no banheiro. Saiu alguns minutos depois com o semblante mudado. Feliz, falante, como se nada tivesse ocorrido. Contou da faculdade que fazia e que seu namorado não podia suspeitar sobre sua vida oculta.
Silvana voltou aos arcos e pegou seu carro. Foi para casa e não conseguia parar de pensar no que presenciou. Deitou-se na cama e se masturbou pensando nas cenas
Faltou ao almoço com as amigas e chegou à rádio para trabalhar como se nada tivesse acontecido, sem responder porque saiu daquela forma. Esperou, mas Perversus não ligou. Ao sair e dirigir-se a seu carro o homem esperava por ela.
De novo disse “vem” e ela foi de imediato.
Voltaram ao mesmo hotel e dessa vez eram só os dois. Perversus mandou que Silvana tirasse a roupa e ela tirou sem pestanejar. Deitada na cama foi algemada e vendada.
Silvana conhecia novas sensações, sentia vela sendo pingada por seu corpo e teve uma mistura de sensações, de dor e prazer. No fim sentiu a língua de Perversus sobre seu corpo e ele lhe penetrando.
Na noite seguinte foi a mesma coisa. Com a diferença que depois de um certo tempo Silvana sentiu duas bocas em seu corpo. Perguntou o que era e Perversus tirou a venda. Silvana percebeu que uma mulher beijava seu corpo. Perversus tirou as algemas de Silvana e ordenou que ela transasse com a mulher.
Silvana, como uma verdadeira submissa, obedeceu.
Com Fábio viajando Silvana entrou de cabeça no mundo do BDSM e conheceu várias de suas práticas. Estava completamente enfeitiçada por aquele mundo, queria viver tudo aquilo. Entretanto, um lado racional que ainda existia lembrava que ela era casada, tinha família e Fábio voltaria em poucos dias.
Na noite anterior da volta do marido, depois da sessão Silvana contou a Perversus que aquela era a última vez, seu marido estava voltando e ela não podia continuar com aquilo.
Perversus insistiu, chorou, implorou, mas Silvana estava irredutível e foi embora -deixando seu dono pra trás.
Fábio voltou e Silvana recebeu o marido como se nada ocorrera, voltando a sua vida feliz com ele. Perversus insistia, ligava para seu celular, mas ela trocou o número, para o programa, mas ela desligava fingindo que a ligação caía.
Finalmente ele parecia aceitar a situação e parou de ligar. Em um domingo, folga de Silvana, ela estava em casa quando Fábio ligou dizendo que levaria um amigo para jantar. Silvana mandou que a empregada caprichasse e quando o marido chegou apresentando o amigo, Silvana tomou um susto.
Era Perversus.
Fábio lhe apresentou como Armando e disse que era seu colega de trabalho. Silvana, muito nervosa, cumprimentou Perversus que olhava fundo em seus olhos como se penetrasse sua alma.
Silvana ficou na sala com os dois trêmula, quieta e em um momento que Fábio saiu do local Perversus levantou-se, foi até o ouvido de sua ex-submissa e disse “amanhã no hotel da Lapa depois do programa, senão conto tudo para seu marido”.
Foram jantar. Fábio notou que a mulher não estava bem e perguntou o que ela tinha. Silvana disfarçou e respondeu que era enxaqueca. Na hora de ir embora, sem que Fábio notasse, Perversus falou no ouvido de Silvana “amanhã, não esqueça”.
Na hora marcada Silvana estava em frente ao hotel. Perversus sorriu e conduziu a mulher até o quarto. Lá ela tirou a roupa e só fez um pedido: “sem marcas”. Ela atendeu a tudo que o homem queria.  
No final da sessão, Perversus colocava sua a roupa dizendo que queria ver Silvana novamente na noite seguinte…
… Quando a mulher abriu a bolsa, sacou um revólver e deu seis tiros no amante, que caiu fulminado.
Silvana guardou a arma, colocou a roupa e saiu do prédio, entrando em seu carro como se nada tivesse acontecido. Apenas preocupada em passar num posto de conveniência e comprar os cigarros que o marido tinha pedido.
Cada um sabe até onde vai sua dor e seu prazer.