Nesta quarta feira, a coluna “Made in USA”, assinada pelo advogado Rafael Rafic, sai um pouco do tema esportivo e trata de outro assunto que acaba por nos influenciar direta ou indiretamente: as eleições americanas.
Hoje o colunista trata da definição do candidato da oposição republicana para o pleito de novembro. Discordo aqui e ali, mas é um excelente painel do dilema republicano na escolha de seu candidato – o que tem gerado bastante “fogo amigo” nas campanhas das eleições primárias e, por tabela, facilitado o trabalho do Presidente Barack Obama em sua luta pela reeleição.
A Definição Republicana
Hoje a Made in USA esquecerá um pouco os esportes americanos e irá comentar sobre um assunto que já toma as manchetes dos editoriais internacionais do Brasil: a eleição presidencial dos Estados Unidos deste ano.

O atual presidente Obama, do partido democrata (o partido mais à esquerda no sistema bipartidário americano), disputará a reeleição contra o candidato indicado pelo Partido Republicano (partido econômico-liberal e conservador da família Bush).

Diferente do Brasil, nos EUA os partidos fazem amplas eleições primárias em cada um dos 50 estados para que os próprios eleitores decidam quem será o candidato do partido na eleição presidencial, que ocorrerá em novembro. Esse procedimento é demorado (dura até seis meses) e os estados fazem suas primárias de forma separada. Isso é feito para que durante o longo processo fiquem claros os pontos fortes e fracos de cada candidato e que, naturalmente, um ou dois candidatos se destaquem e ganham maior tempo de mídia (e exposição ao eleitor, claro).

Por hora, estamos justamente nessa fase de primárias.

No lado democrata, Obama é candidato único. Como já é tradição nos EUA, não há concorrência contra o atual presidente durante o processo de primárias e na prática ele já é o candidato do partido. Porém o anuncio oficial só será feito na convenção nacional democrata que ocorrerá entre 3 e 6 de setembro.

Uma pequena curiosidade esportiva: dia 6/9 seria o dia que começaria a temporada de futebol americano. Como também será o dia do discurso de aceitação da candidatura de Obama, para evitar conflitos a NFL adiantou o “kickoff” entre o atual campeão NY Giants e Cowboys para o dia 5.

O mesmo não se pode dizer do lado republicano. Lá, após muita indefinição (por falta de bons nomes, diga-se de passagem), a disputa ficou restrita a três pré candidatos: Mitt Romney (foto), Newt Gingrich e a surpresa de última hora, Rick Santorum.

Também não podemos esquecer que foi no Partido Republicano que o grupo de extrema direita TEA Party (que prega o extremo conservadorismo cultural e o estado mínimo econômico-social) encontrou eco e ganhou força, mesmo nos estados culturalmente mais liberais como New York [N.do.E.: escrevi anteriormente texto didático sobre o Tea Party, que pode ser lido aqui].
E está justamente no TEA Party o motivo principal da indefinição do candidato republicano. Entre os três Romney é de longe o candidato com maiores chances para enfrentar Obama em um momento que a economia ainda reluta em sair da recessão de 2008.

Ele é um empresário bem sucedido, justamente recuperando empresas perto da falência, saneando-as e as vendendo com um valor infinitamente superior [N.do.E.: como lado negativo, ceifou milhares de empregos. Isso vem sendo utilizado por seus adversários dentro do próprio Partido Republicano].

Ele também foi o ‘herói’ americano que, como presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002 em Salt Lake City, os salvou de um desastre. Para completar o quadro, conseguiu ser um governador republicano eleito e bem avaliado no estado mais democrata dos EUA, Massachusetts.

Só esse resumo já o indicaria para ser o candidato. Porém, para desgosto dos conservadores cristãos republicanos (grande parte dos eleitores de importantes estados do sul) ele é mórmon, uma religião vista com fortes preconceitos pelos protestantes de modo geral, e, pecado mortal para os republicanos: criou quando governador uma reforma na saúde igualzinha a que Obama quer fazer – e que os republicanos fazem de tudo para embarreirar!

Também pesa contra Romney o fato dele nunca ser enfático: ele fez uma reforma igual a de Obama, mas nega as semelhanças. Já se disse a favor do aborto, hoje é contra. Ele é riquíssimo, mas tenta se vender como um cidadão comum (apesar de algumas gafes) e está tendo nessa campanha um discurso mais conservador do que ele realmente era até há dois anos atrás. Assim o TEA Party fez uma cruzada poderosa contra ele, que só não teve força avassaladora na pré-campanha por falta de um nome forte egresso das fileiras conservadoras para poder confrontá-lo.

Newt Gingrich é um tubarão antigo do partido e já foi presidente da Câmara dos Deputados no governo Clinton. Inclusive ele foi o maior entusiasta do impeachment do mesmo, ainda como n°1 da Câmara, quando do escândalo Mônica Lewinsky (lembram-se dela?). Porém, logo após esse episódio ele foi engolido por uma série de denúncias (tal qual ocorre com os políticos brasileiros) e não mais se candidatou a qualquer cargo desde 1999. Ele caiu em desgraça e só voltou à cena agora pelo desespero republicano atrás de algum nome de peso. Ainda sim, os republicanos médios têm forte repúdio a seu nome. O mais interessante é que o próprio Gingrich foi pego por um caso extraconjugal.

Justamente nesse vácuo em que o TEA Party se via cresceu um nome razoavelmente desconhecido até janeiro: o ex-senador da Pennsylvania, Rick Santorum. Conservador católico, boa praça e um dos “padrinhos” do TEA Party, entrou na corrida mais para fazer discurso do que realmente disputar a candidatura, já que não tinha a menor estrutura de campanha muito menos dinheiro – enquanto Romney tem um caminhão de doações, além de seus próprios milhões que ele não cansa de gastar em campanha. Porém, creio que para sua própria surpresa, seu discurso galvanizou os conservadores “órfãos” de um candidato e em apenas três semanas ele foi alçado à condição de “único forte desafiante de Romney”.

E assim o “fenômeno” ganhou importantes estados conservadores como o Tennessee, Mississippi e Lousiana. Levou ainda estados nem tão consevadores, como Minnesota e Missouri. Ainda sim, nos estados mais liberais (não no sentido econômico, frise-se), Romney ganhava de goleada.

Resultado: enquanto Romney já tinha mais de 600 delegados garantidos (são necessários 1.144 para garantir a candidatura), Santorum ainda patinava na casa dos 250. Essa diferença, aliada à falta de dinheiro e, derradeiramente, a deterioração da saúde sua filha caçula (que sofre de uma grave doença genética, a trissomia do cromossomo 18, assunto para a Anna Barros) fizeram com que no início de abril ele anunciasse sua saída da corrida presidencial.

Então, aqui é o fim da linha e podemos anunciar Romney como candidato dos republicanos, certo? Quase. Após a saída de Santorum e a vitória fácil da semana passada em Nova York e na Pennsylvania, Romney está quase consolidado como o adversário de Obama. É assim que a cúpula do partido e a imprensa americana o veem.

Porém, Gingrich é uma pessoa extremamente vaidosa (e muitas vezes esse excesso faz muito mal a ele e ao partido) e tem um ódio pessoal mortal contra Romney por questões políticas. O mesmo já disse em janeiro que iria às últimas consequências para não deixar o ex-governador ser o candidato e ele ainda tem um fio de esperança: ele precisa evitar que Romney chegue ao número de 1.144 delegados (mais de 50% deles) e precisa fazer com que Santorum endosse sua campanha. Assim ele forçaria uma “convenção aberta” (ou convenção quebrada) republicana, em que nenhum candidato tem mais de 50% dos delegados.

Em uma ‘convenção quebrada’ tudo pode acontecer. Até surgir um novo concorrente que sequer disputou as primárias (alguém falou o nome de Sarah Palin?). Porém isso pode ser ruim para o partido e uma convenção quebrada nunca ocorreu em qualquer partido desde que as primárias se tornaram regra em todos os estados. A convenção republicana está marcada de 27 a 30 de agosto.

Rick Santorum ganhou muito espaço e respeito com sua campanha surpreendente, e indiscutivelmente se colocou como uma voz de peso no Partido Republicano daqui para frente. Acho impossível Santorum, que se vende como um “cara família”, concordar com essa estratégia insana e apoiar Gingrich, com toda sua “história” acima explicitada – e caindo em desgraça com a cúpula do partido. Nessa semana o próprio Gingrich já deu declarações que indicam que ele já se prepara para levantar a bandeira branca.

Logo, Romney na prática também já é o candidato republicano e já podemos desenhar a disputa Romney x Obama. Será uma disputa interessante com nuances únicas na história americana que tem sido mal trabalhada na imprensa até aqui. Pretendo fazer isso da próxima vez que eu voltar nesse assunto (prometo que não demorará).

Só para dar uma pitada do que eu quero falar: é importante notar que será a primeira vez que nenhum dos candidatos a presidente americano pertence ao típico americano WASP (White, Anglo-Saxan, Protestant, ou seja, branco, anglo-saxão e protestante) majoritários na população e, principalmente, nas esferas de poder americanos. Ambos os candidatos pertencem a minorias: Obama é negro e Romney é mórmon.

P.S.: enquanto isso, para as bandas européias apenas posso exclamar: pobre França! Pela 2ª vez seguida terá que escolher no segundo turno para presidente entre o ruim e o pior ainda (só não sei quem é quem). E dessa vez o apoio fundamental para a vitória ainda virá do demônio (Le Pen)…

[N.do.E.: a meu ver nem tem como pestanejar: Françoais Hollande me parece muito mais adequado, especialmente para a crise econômica e social que o país vive]

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