Neste domingo, a coluna “Orun Ayé”, do compositor Aloisio Villar, trata de dois assuntos em suas linhas: a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de não considerar mais como crime o aborto de fetos com anencefalia e os dez anos de um dos espaços dedicados ao samba carioca, onde, aliás, sou um dos moderadores.

Pretendo escrever esta semana sobre a decisão do STF, mas sob o aspecto do Estado laico. Até porque o leitor sabe de meu posicionamento sobre a questão, que foi tema de artigo já há bastante tempo – embora ache que neste caso específico a decisão tomada foi bastante razoável, até porque não torna o aborto obrigatório nestes casos.

Os Monarcas do Samba e a Anencefalia

Um assunto não tem nada a ver com o outro, mas com essa coluna quero inaugurar um novo momento no nosso bate papo. Conversar com vocês sobre um assunto que eu já escolhi previamente e sobre outro que tenha chamado a atenção na semana.

Não será sempre que isso ocorrerá: só quando o assunto semanal chamar minha atenção e eu tiver imaginação para criar algo previamente. E essa semana ocorreu.

Escrevo essa coluna com o julgamento do aborto por anencefalia interrompido com cinco votos a zero a favor da possibilidade da interrupção da gravidez [N.do.E.: o julgamento foi concluído com oito votos a dois]. O tema “aborto” é um dos mais polêmicos desde que o mundo é mundo, envolve muitas questões como o direito a vida, da mulher sobre seu corpo e questões religiosas.

O assunto em questão no momento é em relação aos anencéfalos. A anencefalia consiste em má formação rara do tubo neural, acontecida entre a 16° e a 20° semana de gravidez causada por ausência parcial do encéfalo. O caso quase que invariavelmente leva à morte o bebê ainda no útero da mãe ou ao nascer. Isso faz com que os grupos pró interrupção aleguem que isso não é um aborto: na verdade seria uma eutanásia ao interromper o sofrimento de quem mais cedo ou mais tarde morrerá.

Os contrários alegam que é uma vida e seja de qual forma só Deus pode interromper. Também alegam que o diagnóstico de anencefalia pode não ser preciso e existiram crianças que nasceram e conseguiram viver pelo menos dois anos com a doença. Tem uma menina paulistana chamada Vitória que completou dois anos com a doença.

E o que eu penso disso tudo?

Eu penso da interrupção da gravidez de anencéfalos o mesmo que penso do aborto em geral. A mulher tem que ter o direito a escolha: ninguém vai obrigar a mulher que carrega um feto com anencefalia a abortar, só dar o poder de escolha dela querer ou não passar por esse drama.

Como já contei aqui eu tive uma ex namorada que engravidou e com quatro meses de gestação perdeu todo o líquido do útero. Então mais cedo ou mais tarde a criança morreria nem que fosse ao nascer. Ela acabou abortando espontaneamente no mesmo dia que descobriu, mas nem eu nem ela queríamos prolongar esse sofrimento e queríamos o aborto.

Com relação ao aborto em geral eu tenho uma opinião que alguns não entendem, mas sou contra e a favor.

Mas como ser contra e a favor ao mesmo tempo?

Assim como na anencefalia eu acho que a mulher tem que ter o direito à escolha até porque quando a mulher quer aborta com ou sem permissão da lei. Qualquer mulher sabe o remédio que tem que tomar para abortar ou se quiser consegue endereço de uma clínica clandestina, clínicas que são verdadeiros “açougues” onde ela corre risco de vida.

Todos os anos o Brasil perde milhares de mulheres nessas clínicas.

Então eu sou a favor que dêem essa permissão a mulher, que caso ela queira interromper uma gravidez encontre um hospital de qualidade com médicos preparados para tal.

Que haja a liberdade de escolha, mas a conscientização do mal que um aborto fará a ela, que uma vida está sendo interrompida e essas mulheres, jovens demais ou que já tenham muitos filhos possam ter acesso a campanhas sexuais educativas de prevenção e ligadura de trompas.

Sou a favor do direito à escolha, mas sou mais a favor ainda que tendo esse direito a mulher diga “não”.

E mais ainda: torço pelo fim da anencefalia no país onde pessoas que nos governam, tem opiniões e fazem sucesso muitas vezes parecem ter tantas condições cerebrais quanto esses fetos que viraram o assunto da semana.

Os Monarcas do Samba

Mudando totalmente de assunto quero fazer uma homenagem: semana passada a lista de discussão que faço parte e conheci o dono do blog Pedro Migão fez dez anos. [N.do.E.: o colunista não se lembra, mas nossa amizade é mais antiga, vem de 2000/01]

O que é uma lista de discussão? É uma lista e de discussão..

Falando sério agora. Uma lista de pessoas que trocam e-mails sobre determinado assunto e nesse específico é o samba.

Com algumas semanas de existência da lista fui chamado pelo meu amigo e futuro parceiro de samba Walkir Fernandes para fazer parte da mesma. Eu já participava de duas e pensei um pouco se entrava ou não. Entrei e não me arrependi.

A lista dos Monarcas não é apenas uma lista de um grupo que debate samba, é muito mais que isso. Lá fizemos um grande e querido grupo de amigos que muito se reuniu e celebrou nesses dez anos nossa amizade. De lá nasceu um bloco chamado “Monarcas na Glória” que hoje se chama “Monarcas na Engenhoca”.

Por um tempo o grupo comandou através do Cadu a escola de samba Boi da Ilha do Governador e muitas parcerias de samba foram criadas. Sambas que venceram disputas nas escolas foram para avenidas feitos por gente que se conheceu na internet.

Dez anos são uma vida. Hoje eu sou totalmente diferente do que era dez anos atrás, quando ingressei nos Monarcas. Eu era um garoto que tinha tudo bancado por mãe e vó e só me preocupava com farras. Hoje sou pai de uma menininha, mais responsável e sou quem que organizo e planejo as coisas na minha casa.

Muito vivi na lista até hoje. Muitas alegrias, zoações, risadas, discussões sérias, brigas também e muitas provas de afeto e carinho. O Walkir que garantiu um fim de vida digno a minha mãe arrumando internação para ela no hospital Getulio Vargas e foi na lista que me consolei e me emocionei antes de ir ao velório dela, lendo as mensagens de apoio dos amigos monarcas. [N.do.E.: a notícia do falecimento, inclusive, foi dada ao colunista por um monarca… (risos)]

Lá também dividi minhas conquistas em samba-enredo, especialmente a última e mais importante e o nascimento da Bia.

Só posso agradecer a esses amigos maravilhosos que me acolhem e fazem felizes meus dias sempre que entro no hotmail para ler o que se passa nela. Não vou citar nomes porque são muitos amigos, mas a cada um deixo um beijo e um abraço afetuoso acompanhado de um “muito obrigado”.

Mas uma pessoa tenho que citar em especial. O imperiano Reginaldo Bowie que nesses dez anos comandou a lista doando seu tempo e preocupação para que as coisas fluam da forma gostosa que sempre foi em nosso botequim virtual.

Que esses dez anos se transformem em vinte, trinta e nossa amizade seja eterna.

HINO DOS MONARCAS
(Aloisio Villar/Cadu/Armando Daltro/Gabriel)

Ai que coisa mais louca
Vou botar na sua boca
Um samba que já é história
Com a cabeça na coroa
Pego o cetro numa boa
Sou monarca e estou na Glória

Delete a tristeza e vem (Experimenta)
Essa horda é da alegria

Laía laiá skindô skindô
Nosso bloco já pegou

Vida longa aos Monarcas. Orun Ayé!