O leitor sabe que sou severo crítico da gestão atual do Flamengo. Historicamente sempre esteve afastada dos bons princípios de governança, mas neste último mandato ao que parece a situação degringolou de forma inequívoca, em especial nos primeiros 75 dias deste 2012.

Antes de qualquer coisa: este não será um post de conteúdo político. Para mim todas as correntes políticas do clube são em sua essência iguais e não possuem condições de fazer as reformas de governança e gestão que a instituição precisa. Ao fim e ao cabo a inépcia é a mesma, apenas maior ou menor – e não estamos em tempos de escolher o menos incompetente.

Antes de qualquer coisa, parte II: não aceito que desqualifiquem minha opinião sob o argumento de que “não sou sócio”. O custo benefício de ser sócio apenas para votar, hoje, não compensa. Este é um país onde está garantido o livre direito à expressão.

Feitas as necessárias ressalvas, é com espanto que venho acompanhando o “Caso Adriano”. O jogador, dispensado da Roma e do Corínthians por não conseguir se colocar em suas condições físicas ideais, não somente é apontado como “solução” para o time como segundo fontes da imprensa pleiteia os mesmos salários que recebia no clube paulista: R$ 500 mil mensais. Pior: a Presidente Patrícia Amorim, ao que parece, irá aceitar as condições para o retorno do atacante.

Nem vou me deter especificamente neste caso, embora seja uma boa medida da qualidade da gestão do clube e do zelo com que são tratadas as finanças do mesmo. Mas este é apenas mais um episódio – talvez o mais escandaloso – da verdadeira marcha da insensatez que vem ocorrendo no Flamengo nos últimos tempos.

A situação já vinha fora dos trilhos desde a eleição da atual mandatária, que optou por terceirizar completamente o futebol e concentrar-se em suas prioridades, que eram os esportes olímpicos e a sede social. De acordo com o balanço de 2010, o último disponível – o de 2011 tem até 30 de abril para ser divulgado, e será alvo de post aqui – grosso modo as despesas com os esportes olímpicos foram de R$ 45 milhões, para uma receita de R$ 18 milhões. ou seja, há um claro descolamento.

Ressalto que são valores estimados, pois o balanço do clube não tem a abertura necessária e não sabemos exatamente o que compõe cada rubrica, em especial as receitas. Ainda assim é um bom painel das prioridades da gestão do clube.

Após a tentativa com Zico como gerente de futebol – que cometeu erros, alguns sérios, mas que foi também devidamente “fritado” por outros Diretores do Clube – optou-se por um modelo onde teoricamente o futebol estaria entregue ao técnico Vanderlei Luxemburgo, mas que na prática passou a ser comandado pelo Vice Presidente de Finanças Michel Levy. Só isso já é um erro de governança sério: funções não definidas.

A coisa caminhou de forma razoável – para o padrão habitual de bagunça do clube – até o início deste 2012, quando ocorreram uma série de fatos que me fazem classificar estes episódios como a “Marcha da Insensatez” do título deste artigo.

O primeiro deles foi o distrato de um contrato que formalmente jamais existiu com a Traffic envolvendo a contratação de Ronaldinho Gaúcho. A empresa de marketing esportivo simplesmente pagava a maior parte dos salários do atleta a partir de um acordo verbal com o clube, sem formalização. Resultado: após o infeliz caso do patrocínio de 2011, agenciado por uma empresa concorrente, a Traffic deixou de pagar os salários do atleta, ficando nesta situação por vários meses.

Após o distrato o Flamengo não somente pagou estes atrasados como ainda se comprometeu a assumir o salário integral do atleta, de inacreditáveis R$ 1,3 milhão de reais. Simplesmente a Presidente e o VP de Finanças assumiram o compromisso sem se preocupar com as fontes de receita correspondentes. Vale lembrar que o ganho com marketing é pífio – aliás, o marketing do clube é pífio, mas esta é outra história – e que no momento em que escrevo o clube não tem sequer o patrocínio master da camisa definido. Aliás, em outro absurdo é uma empresa que está negociando tal verba em nome do clube, pela qual irá embolsar uma comissão a meu ver alta demais (15%).

A segunda envolve também o atleta em questão, que vem se comportando de forma bastante anti-profissional ainda mais levando-se em conta o salário que recebe. Ao ser exigido pelo então técnico Luxemburgo do cumprimento de suas obrigações, ele simplesmente pediu à Presidente a cabeça do treinador – e foi atendido. Isso configura uma clara quebra de hierarquia, que a médio prazo mina as condições de trabalho.

Vale lembrar que o desempenho de Ronaldinho em campo vem sendo muito aquém do custo que ele representa ao clube, embora ele esteja tendo uma performance brilhante nas pistas de dança e casas de tolerância não somente no Rio de Janeiro como nos quatro cantos do Brasil. Isso é óbvio, como já escrevi em artigo anterior.

Para completar o absurdo neste caso o treinador escolhido o foi feito justamente por seu comportamento permissivo em relação aos atletas Não pesou a sua (falta de) conhecimento tático, nem os métodos ultrapassados, nem a forma absolutamente retrancada, apequenada e tacanha de jogar. O importante é ceder aos jogadores e dar a eles liberdade para fazer o que quiser.

Ainda tem mais: há relatos de que ele estava contratado antes da primeira partida contra o Real Potosi, quinze dias antes da demissão de Luxemburgo – e ainda dirigindo o Bahia. Mas no caso em questão não me espanta: um treinador sem ética para uma diretoria igual – o episódio da demissão é uma boa medida disso.

Terceiro, os episódios envolvendo Thiago Neves e Vágner Love. A diretoria teve um ano inteiro para contratar em definitivo o meia, mas ficou enrolando e no final fez uma proposta que a meu ver tinha a clara intenção de que não fosse aceita. Obviamente o jogador, que é profissional, vendo a má vontade do Flamengo tratou de acertar sua vida – no que está absolutamente correto. O clube ainda perdeu os 10% de direitos do jogador que havia adquirido quando do empréstimo.

Entretanto, ainda que tenha alegado “não ter dinheiro” para efetivar Thiago Neves uma semana depois o clube contratou Vágner Love com polpudo desembolso de dinheiro, e bem mais caro que o preço pedido por Thiago Neves. Ou seja, o que houve a meu ver foi uma grande pantomina. Ressalve-se que o jogador pelo menos neste início está justificando a contratação, apesar de algumas ressalvas no âmbito extra-campo que não comentarei aqui.

Quarto, o já citado caso de Adriano. Que, ainda que em baixa na carreira, quer ser tratado como “popstar”. E, ao que parece, terá sucesso em seu pleito junto à diretoria do clube, mais preocupada com a reeleição ao final do ano – tanto no clube quanto na política, já que a presidente é vereadora.

Olha que não cito aqui a eterna briga política, o eleitoreiro pedido de impeachment apresentado pela oposição, o estranho silêncio das principais torcidas organizadas, o fato de “torcedores” terem escritórios na ante sala da presidência… Sem dúvida alguma o clube está muito longe de ser um modelo apropriado de gestão. A Presidente vem agindo tal e qual política profissional que é: agradar o eleitorado e que as contas sejam arrumadas por quem a suceder, haja visto que não há um sistema de consequências para gestão temerária.

Pior é que o mercado está mudando, o futebol está mudando e os dirigentes do Flamengo estão perdendo o bonde da história.

Voltarei ao tema.

(Foto: O Globo)