Retomando devagarinho a programação normal do blog, temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. Hoje o tema é o comportamento do público em grandes shows.
Silêncio, Por Favor
Uma vez fui assistir Turandot no Teatro Municipal do Rio. 
Ópera é aquela coisa, praticamente ninguém conhece a música com profundidade. Mas Turandot tem Nessun Dorma, que todo mundo já ouviu algumas vezes na vida, embora nem sempre ligue “o nome à pessoa”. E foi só o tenor que interpretava o príncipe começar a soltar a voz dos primeiros versos do famoso “ninguém durma” que uma moça atrás de mim pôs-se a cantarolar.
Eu e mais outros ao redor olhamos para ela com uma cara enfezada e ela se calou, compreendendo a liturgia da ópera. Mas, no fundo, ela é que estava mais adaptada aos costumes brasileiros e nós, errados.
É praticamente impossível ir a um show no Brasil e ouvir o artista. A regra é um karaokê coletivo, com o vizinho da poltrona revelando todos os dotes artísticos que julga possuir. Quem fica calado passa a impressão de não conhecer as músicas (como se fosse obrigação saber todas na ponta da língua) ou de não estar gostando.
Há, claro, espetáculos que foram feitos para o canto coletivo. Desfile de escola de samba, por exemplo [N.do.E.: a Liesa, que organiza o desfile, infelizmente não acha isso]. Bandinhas cover no boteco, outro exemplo. Shows de rock, em alguns casos (mas não em todos – não esperei a vida inteira para ouvir Paul McCartney e ter que compartilhar sua voz com o coro das arquibancadas).
Mas a maioria dos shows recomenda atenção e respeito à voz do artista. Não tem a menor graça pagar uma alta soma para não ouvir nada. Principalmente se o artista em questão tiver uma voz delicada, como Julieta Venegas ou Bebel Gilberto. Não há qualquer cabimento deixar de prestar atenção no que as moças cantam.
Há um DVD na praça que ilustra bem como é maravilhoso poder ouvir e só cantar na hora certa. A cantora sensação desses anos 10, a inglesa Adele, gravou seu show ao vivo no Royal Albert Hall londrino.
Como é bonito o Albert Hall! Nunca fui lá, embora já soubesse há anos que quatro mil buracos de Blackburn, Lancashire, eram suficientes para enchê-lo (não vou explicar não, quem é beatlemaníaco já entendeu, para quem não é perde a graça).
E como é bom o show da Adele. Inclusive para comprovar que meu inglês precisa de reparos urgentes, já que ela fala sem parar, não tem legenda e eu só entendi metade, ou até menos. O momento memorável fica por conta da música Someone Like You. Quando a música termina, a Adele chora, a plateia chora, a gente chorou aqui em casa também.
O que torna a música especialmente linda na versão ao vivo é a interação da cantora com a plateia. Tem horas que Adele canta sozinha. Tem horas que a plateia canta e Adele se cala. Mas nunca cantam juntos. E aí a gente se dá conta que naquele show inteirinho, Adele cantava e a plateia só ouvia. O povo só soltou a voz a pedido da cantora. Foi essa exclusividade que tornou mágica a versão.
Sugiro a todos que vejam o DVD e se inspirem no exemplo. Quando forem a um show com essas características, ouçam e assistam, somente. E se as pessoas em volta insistirem em cantar, incorporem o juiz de tênis de Winbledon e mandem na lata: quiet, please.
PS: Se você tem alguma intenção de ver o DVD, não estrague seu prazer com versão bootlegs gravadas em celulares da plateia e espalhadas pelo You Tube.