Depois de uma longa ausência devido à absoluta falta de tempo para fazer a pesquisa adequada, nossa coluna “Samba de Terça” está de volta.
Atendendo à sugestão do jornalista e comentarista de carnaval Fábio Fabato, meu colega no site “Galeria do Samba”, nosso tema de hoje é uma composição pouco lembrada, mas que tem o seu valor: “O Velho Chico”, Mocidade Independente 1982. Fabato também cedeu as imagens do post, a quem agradeço desde já.
E antes de entrar no tema de nosso post, uma informação aos leitores: o “Jornal do Brasil” digitalizou todo o seu arquivo de 1930 a 2000, em parceria com o Google. É uma fonte de pesquisa preciosa, ainda mais em termos de escolas de samba, onde o jornal O Globo, dono de um acervo riquíssimo, não o disponibiliza ao público.
Em 1982 a Mocidade optou por contar a história do Rio São Francisco como se fosse um ser humano: “O Velho Chico”. O genial Fernando Pinto, que assinara o carnaval da escola nos dois anos anteriores, optara por se transferir para a Mangueira, o que não deixa de ser curioso – uma escola tão tradicional com um carnavalesco tão inovador.
A escola vinha de um sexto lugar no ano anterior, com um enredo sobre o carnaval. A verde e branca ainda se ressentia da morte do inesquecível Mestre André, que inventou a “paradinha de bateria” e tornara a bateria da escola de Padre Miguel a mais famosa da cidade. Ele faleceu prematuramente em 1980, aos 48 anos, e sua perda tirara a principal referência da agremiação – apesar de naquele momento a escola já se notabilizasse também pela marca imposta for Fernando Pinto.
Naquele ano, inclusive, Andrezinho – este mesmo que foi do grupo Molejo e hoje é um dos diretores da bateria da escola – com 10 anos de idade veio à frente dos ritmistas, junto com os Mestres Cinco, Coteca e Bira. A carnavalesca seria Maria Carmen de Souza.
Ao contrário do que se pensa, naquela época as sinopses também eram bastante extensas. Na série de imagens que disponibilizo abaixo, estão a sinopse, a ficha técnica e o roteiro de desfile, além do samba – que colocarei mais à frente. A idéia foi dividir o enredo em três partes, o “menino” (representado pela nascente, o “moço” (o médio rio) e o “velho”, a parte final. Isso atendia também á exigência do regulamento daquele ano, de que somente poderia haver três carros alegóricos.

Uma curiosidade é que aparecem os nomes dos profissionais de barracão na ficha técnica, o que hoje seria absolutamente impensável dada a quantidade de trabalhadores. É uma boa medida de como o carnaval gradativamente foi dando maior importância à parte plástica com o decorrer do tempo.
A preparação para este carnaval de 1982 passou por alguns percalços. Antes do desfile houve uma operação de repressão por parte do Estado ao jogo do bicho, o que diminuiu a verba destinada às escolas – naquela época a dependência das agremiações de seus “patronos” era muito maior.
Outro ponto é que devido a um acidente ocorrido no ano anterior foram proibidos destaques vivos sobre os carros alegóricos, bem como estes foram reduzidos a apenas três. Como veremos no final do texto, isso causaria uma grande confusão na apuração deste ano.

O pré carnaval daquele ano também foi marcado pelo sucesso absoluto do samba do Império Serrano, “Bumbum baticumbum prugurundum”, que era uma crítica aos rumos que os desfiles estavam tomando, sob a liderança naquele momento de Joãosinho Trinta.
A Mocidade Independente foi a nona escola a desfilar na manhã de segunda feira de carnaval, 22 de fevereiro de 1982. Castor de Andrade, patrono da escola, retardou a entrada da Mocidade na avenida, a fim de diminuir o impacto causado pelo grande desfile da Portela, a agremiação anteriora.
À frente da escola, junto a Castor veio o diretor da Globo Edvaldo Pacote, que já fora vice presidente da escola e hoje “era apenas diretor”, nas palavra do Jornal do Brasil. Como o leitor pode notar, a estratégia atual da Grande Rio não é exatamente nova…

A bateria fez as suas famosas “paradinhas” apenas no início do desfile, mantendo-se preocupada com a cadência no restante. Foram 2,8 mil componentes, com três carros e dez destaques de chão. Com a restrição a três carros alegóricos, as escolas optaram por alegorias de mão,e a Mocidade não foi diferente – como se pode ver na foto acima.
Note o leitor também, aliás, que as arquibancadas desmontáveis daquele ano possuíam cobertura. Por que então trinta anos depois somos obrigados a pegar chuva no Sambódromo? Só porque o projeto de Oscar Niemeyer é intocável?
E olha que o ingresso não é barato…

Voltando ao desfile da verde e branca, a escola desfilou compacta e se credenciou a um bom resultado na apuração da quarta feira de cinzas, embora não fosse uma das principais favoritas – Imperatriz, Portela e Império Serrano dividiam as atenções dos analistas,coma Beija Flor um pouco abaixo e então Ilha e Mocidade. O samba passou a contento, sendo um dos pontos altos do desfile.
A contagem de pontos foi rodeada por uma grande confusão. Imperatriz e Beija Flor desrespeitaram o ítem do regulamento que proibia pessoas vivas em cima dos carros alegóricos, bem como a última trouxe sete alegorias, ignorando o limite determinado.
Isso custou caro à Imperatriz, que foi punida em seis pontos no quesito Alegorias e acabou perdendo o título exclusivamente por causa disto. A Beija Flor também sofreu punições devido a isto e acabou no sexto lugar, a pior colocação desde que Joaosinho chegara à escola. No final do post o leitor poderá ver o mapa de notas naquele ano.
A Mocidade acabou apenas no sétimo lugar, com 176 pontos e a 11 da campeã Império Serrano. Os quesitos Mestre Sala e Porta Bandeira e Conjunto tinham peso menor que os outros naquele ano, e a Mocidade foi punida especialmente nos quesitos Evolução e Fantasia.
O curioso foi o protesto dos patronos da Beija Flor e da Imperatriz, respectivamente Anísio e Luizinho Drummond, dizendo que foram “roubados”. Anísio, inclusive, dizia que em 83 desfilaria apenas em Nilópolis. Pois é, nada como o tempo…
Minha avaliação é de que o “insólito” título da Beija Flor em 83 tem muito a ver com o resultado de 82, inclusive.
Vamos ao samba, que pode ser ouvido abaixo em sua versão do LP:

Autores: Adil, Dico da Viola e Roça
Puxador: Ney Vianna 

No meu tempo de criança 
Dei de beber, ouvi cantar os passarinhos 
Dei cambalhota pela casca danta 
Atravessando o sertão com alegria 
E as cascatas 
Murmuravam sinfonia 
Anunciando o Velho Chico que surgia 
Mas é que o tempo passou 
Minha vida mudou … 
Assim

Vem mergulhar 
No meu mundo de água doce 
O navegante foi quem trouxe 
Gaiola, batelão e ubá

Bate batéia, na peneira fica o ouro 
O que cai não é tesouro 
Deixa a água carregar 
Casei donzelas 
Me fizeram oferendas 
Fiz mistérios 
Criei lendas 
Decidi meu caminhar

Oô, oô, oô, oô 
Até carranca no meu leito navegou 
Lindo cortejo para o mar me carregou 
Lá vou eu 
Mar afora 
Num barquinho prateado 
Iemanjá me leva embora

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