Nos últimos anos, tenho desenvolvido certa aversão às festas de Natal e Ano Novo, em especial depois que meus avós faleceram. O mito do Papai Noel renasce nas minhas filhas, mas a motivação ainda não é a mesma.

Todavia não falarei disso. Mas, sim, de uma verdadeira praga que ocorre todo mês de dezembro: a temporada anual de hipocrisia.

Como que por encanto, todos aqueles que foram canalhas o ano inteiro recebem um espírito bem aventurado e se transformam em verdadeiros santos, só faltando a canonização pelo Vaticano. É um tal de “felicidades” pra lá, “sucesso” pra cá, confraternizações mil…

Ambiente de trabalho, então, é bem isso. O sujeito pisa no teu pescoço o ano inteiro, quando chega dezembro dá uma de bom samaritano e deseja “feliz natal” e “feliz ano novo”. Aí chega o dia dois de janeiro e volta a pisar no pescoço dos outros ou a vender a mãe (dos outros) para obter dez “merréis” a mais. Igual a festas corporativas, que ninguém quer ir mas acaba sendo voto vencido. Vai para fazer média ou para ver se fatura algum brinde – escassos nestes tempos de downsizing e disciplina de capital.

Sem contar que muita gente acaba se excedendo na bebida e na comida, dizendo e fazendo coisas incongruentes e criando a falsa ilusão de que “o mundo os ama”. No dia seguinte sobram a ressaca e os sorrisinhos marotos dos colegas – se não ocorrer algo pior. 

Normalmente, adoto a tática  denominada pela especialista Glória Khalil como “4S”: Surgir, Saudar, Sorrir e… Sumir. Permaneço o tempo indispensável em que minha presença se faz obrigatória: ou seja, até ter minha estada registrada em uma ou duas fotos.

Aliás, publiquei ano passado coluna com um “guia” de comportamento para estas festas – vale a leitura. Isto evita alguns comportamentos que podem, até, destruir a sua carreira na empresa. Já vi com meus próprios olhos situações deste tipo, sem dúvida alguma bastante constrangedoras. Evite estas verdadeiras arapucas – em geral associadas ao excessivo consumo de álcool.

Mas este não é o único aspecto da questão.

As pessoas deveriam mostrar-se como elas são. Não adianta nada desejar “boas festas”, brindar naquele restaurante carésimo que o superior escolheu e distribuir sorrisos forçados a granel se no restante do ano ele só pensa em como se dar bem e puxar tapetes alheios. Cada vez o mundo é mais egoísta, mais individualista, menos solidário; o que torna ainda mais hipócrita este tipo de comportamento “altruísta” e “companheiro”.

Outra questão irritante é o tal do amigo oculto. Acaba-se forçado a participar, aparentando uma coisa que você não é, provavelmente ganhando um presente que você não vai gostar ou, o que é ainda pior, aquelas listinhas com uma única opção que o forçam a atravessar a cidade em um esforço que talvez só se faria para suas filhas. No dia da entrega dos “presentes” ainda temos de sorrir aquele amarelo ao lado do infeliz que sorteamos ou o outro que nos escolheu – e deu uma “lembrança” absolutamente inútil na maioria das vezes. Isso quando não acontecem “papeizinhos frios”, onde aquele puxa-saco habitual sempre tira o chefe ou é “sorteado” por este – aí ocorre aquele espetáculo constrangedor que todo leitor com alguma estrada na vida corporativa conhece muito bem…

Foco no ambiente corporativo mas isto vale para outros ambientes, onde acaba se tendo de ir a confraternizações onde não se tem a menor intimidade com as pessoas. Eu mesmo, este ano, terei de enfrentar pelo menos duas deste tipo – onde o desgaste de não ir acaba sendo maior do que engolir em seco e fazer cara de paisagem. E a cada ano estas festividades estão se iniciando mais cedo – final de novembro.

Será que é pedir demais querer que as pessoas também em dezembro sejam como são o ano todo ? Assumem-se uma série de compromissos não por querer estar no local, mas sim por uma “moral” absolutamente hipócrita e que denota uma conveniência absolutamente superficial e rasteira. E se você, em um rasgo de sinceridade, diz que não vai a um destes compromissos, é taxado de “individualista”, “anti-social”, “arrogante” e coisas correlatas. Ainda que durante o restante do ano tenha se mostrado solícito, companheiro e demonstrado total espírito de equipe.

Mais uma tremenda demonstração do mais puro espírito da cara de pau é a tal da “caixinha”. O cidadão passa onze meses inteiros xingando aqueles que possuem funções menos remuneradas, mas dá uma gorjeta no final de ano para “se sentir menos culpado”. Pragueja, defende o extermínio, acha um absurdo que frequente os mesmos lugares, mas no último mês do ano dá aquele “trocadinho” e pensa que está redimido de todo o seu comportamento natural nos onze meses anteriores. Acho o cúmulo.

Seria muito mais justo e muito mais humano se o comportamento verificado no mês de dezembro se repetisse ‘ad eternum’. Ceder a vez no trânsito, respeitar as prioridades no trabalho, adotar um comportamento mais adequado, menos cínico e tendo por base a bondade e a cortesia. Não deixar o colega “vendido”, assumir as próprias responsabilidades e seus próprios defeitos e erros, não exacerbar seus feitos e esconder os feitos alheios, não procurar vantagem em tudo… Educar nossas crianças com estes valores e não os do consumismo e da competição a qualquer preço.

Vale lembrar também o sentido comercial das festas, em especial o Natal. Ano após ano, dezembro após dezembro acabamos mais preocupados em encher os shoppings que realçar o sentido verdadeiro destas festividades: religiosidade, renascimento, reinício, reflexão, gratidão e balanço. Mesmo para mim, que não sou cristão, é uma festa religiosa, pois a data que na minha tradição equivaleria ao Natal – o nascimento de Meishu Sama, nosso Fundador – é no dia 23 de dezembro.

Entretanto ao passar de cada ano fortalece-se apenas a questão consumista, de comprar, comprar e comprar – daí vem a “verdadeira satisfação” da vida. Realça-se a ideia de que o ser humano é o que tem, não o que é. Resultado: centros comerciais absolutamente lotados, irritação extrema, tráfego insuportável, stress e uma dívida imensa no cartão de crédito para se iniciar o Ano Novo…

Voltando ao tema original, cada vez mais isto a que assistimos nesta época me irrita sobremaneira. Esta onda de bom mocismo, solidariedade e congraçamento tem a mesma base que um alicerce de areia para construir um prédio: nenhuma. E ao espocarem os fogos de primeiro de janeiro caem as máscaras e retorna-se à selva onde “salve-se quem puder”…

Infelizmente, de alguns compromissos – em especial os corporativos – não consigo escapar, mas me espanta a cara de pau demonstrada por alguns. Não passa de falsidade hipócrita.

Sinceramente, prefiro a companhia da família e dos amigos dos doze meses do ano. Muito melhor se todos assim o fizessem, já que não sabem agir de forma adequada de janeiro a novembro.