Peço paciência ao leitor para voltar ao tema das escolas de samba, mas temos outro grave fato acontecendo e que, por uma série de fatores – e muito “jogo de empurra” – chegou ao ponto em que chegou.

Quando escrevi o texto sobre o “Neoliberalismo no Samba” – que teve repercussão tal que chegou a se tornar tema de duas matérias em jornais – citei de passagem a situação dos barracões das escolas dos grupos de Acesso, ainda em condições precárias e que corriam risco de despejo mesmo destes improvisados galpões.

Pois é. Segundo notícias de sites especializados publicadas na última terça feira, dia 18, as escolas tem até o próximo sábado para desalojar o espaço chamado de “Carandiru” (nas fotos), no Santo Cristo, bem como galpões onde estão alojados os barracões da Unidos do Viradouro, da Acadêmicos do Cubango e da Acadêmicos de Santa Cruz. Todas são áreas de propriedade da Cia Docas do Rio de janeiro ou da União e as áreas serão utilizadas no projeto de revitalização do Porto do Rio de Janeiro, que fazem parte do projeto para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016.

No chamado “Carandiru”, que ganhou este nome devido às condições totalmente insalubres do galpão, estão seis escolas de samba do Grupo de Acesso B, algumas do Acesso C, blocos e escolas mirins. E também a Renascer de Jacarepaguá, do Grupo Especial, que até hoje não pôde ocupar seu barracão na Cidade do Samba devido ao atraso das obras de reconstrução dos galpões destruídos pelo incêndio ocorrido em fevereiro – que devem ficar prontas apenas no início de dezembro.

Todas estas escolas têm até sábado próximo para desocupar estes espaços, de acordo com decisão da Justiça que negou o pedido das escolas de prorrogação do uso do espaço até o próximo carnaval. Estas ameaçam colocar seus carros na rua, pois alegam não ter espaço para guardar seus equipamentos e nem para preparar o próximo desfile.

Não irei falar aqui sobre o factual. Penso que, ao fim e ao cabo, algum tipo de solução paliativa acabará sendo encontrada. Queria falar de dois outros assuntos.

O primeiro é a diferença de tratamento por parte do Poder Público para as escolas do Grupo Especial e as demais. As primeiras recebem régia subvenção do Governo do Estado e da Prefeitura, tem uma Cidade do Samba – construída com dinheiro público para uso particular, é bom que se diga – e seus pleitos são atendidos de forma muito mais rápida. As escolas do Acesso possuem uma subvenção exponencialmente menor, não tem espaços dignos para a preparação de seus espetáculos e suas demandas sempre estão no final da fila.

Este caso de despejo dos barracões é bem típico. O Poder Público prometeu um terreno em Benfica, na Avenida Brasil, onde seria erguida uma espécie de “Cidade do Samba do Acesso”. De acordo com o Presidente da Lesga Reginaldo Gomes, em 7 de agosto houve uma operação policial no local, o acesso a este foi impedido e após esta data os dirigentes municipais se negaram a receber os dirigentes das escolas – apesar da promessa do Secretário Municipal de Turismo de que elas poderiam se instalar ali.

Ou seja, o caso voltou à estaca zero. Não há por parte do Poder Público uma consciência de que as escolas dos Grupos de Acesso também são importantes para o carnaval e dependem até mais do Estado, por não terem a mesma visibilidade e capacidade de atração de recursos. Como já escrevi anteriormente, a receita de ingressos, televisão e da venda de cds é bem menor, e à exceção do Acesso A – a chamada “Segunda Divisão” – a possibilidade de patrocínios de vulto é particamente nula dada a baixa exposição destes desfiles na grande imprensa e ao não televisionamento.

Ressalve-se que o já citado Acesso A é um caso ligeiramente à parte, por ter televisão em rede nacional e uma possibilidade maior de receita de ingressos, além de patrocínios. São todos de muito menor vulto que o Grupo Especial, mas superiores significativamente aos grupos de baixo.

Para o leitor ter uma idéia da diferença de tratamento, vale dizer que o Governo do Estado destinou R$ 4 milhões para as escolas do Grupo Especial dividirem entre si e apenas R$ 1 milhão para todas as outras escolas, dos cinco grupos subsequentes – cerca de sessenta agremiações. Deveria ser justamente o contrário: cada escola do Grupo Especial tem de receitas entre televisão, ingressos, venda de cds e direitos de arena aproximadamente R$ 5 milhões anuais, sem contar os valores de patrocínios e de contratos como o de cervejarias para a quadra de ensaios.

Enquanto isso uma escola do Acesso B, por exemplo – a Terceira Divisão – tem cerca de R$ 300 mil para fazer seu carnaval e ainda funcionar o restante do ano. Um carnaval minimamente competitivo neste grupo não sai por menos de R$ 600 mil – e aí entende-se a profusão de “patronos” e assemelhados nestas escolas. Nos grupos que desfilam na Intendente Magalhães o quadro ainda é mais dramático.

A segunda questão é a inação e a falta de uma gestão estruturada destas escolas – algo, que, aliás, também ocorre no Grupo Especial, mas sobre estas falarei em outra oportunidade.

Há tempos os dirigentes sabiam que perderiam estes espaços, fruto em praticamente todos os casos de invasões de galpões então vazios anteriormente. Quando se divulgou o projeto olímpico sabia-se que estes espaços não somente se valorizariam como seriam utilizados no plano de reeestruturação e revitalização da Zona Portuária. Arrisco a dizer até que a Cidade do Samba do Especial não seria construída onde foi caso saísse do chão nos dias de hoje.

Ou seja: uma escola com uma gestão minimamente estruturada – e aqui falo de fator humano, não de dinheiro – saberia buscar algum tipo de alternativa que não implicasse na situação desesperadora que estas agremiações vivem hoje. Entretanto, há uma certa inação por parte da maioria dos dirigentes, que acreditam que uma situação de “fato consumado” fará o governo resolver a questão. Vale dizer que são espaços invadidos, onde em praticamente todos não há pagamento de aluguel e que se sabia que mais cedo ou mais tarde a reintegração de posse ocorreria. Mas preferiu-se “empurrar com a barriga” o problema.

Este é um bom exemplo dos problemas administrativos que o samba carioca enfrenta em sua gestão. Vive-se um modelo que é amador em sua essência, com a administração na base da conveniência e do interesse pessoal. Profissionalizaram-se algumas funções, mas ainda assim de forma anômala e baseada muitas vezes em relações não capitalistas e de compadrio.

Se nas escolas grandes isto já ocorre, imagina nas menores. E muitos destes dirigentes ao invés de arregaçar as mangas e buscar o melhor para suas agremiações ficam esperando o Poder Público resolver a questão.

Vale lembrar também que a Lesga, que vem comandando o processo de busca por um novo espaço para estas escolas, em minha opinião vem sofrendo com uma certa falta de credibilidade causada por mudanças de regulamento e resultados não exatamente transparentes. Nestes momentos isto pesa.

Complementando, a quadra da Unidos da Tijuca e os barracões do Império Serrano e da Tradição devem passar proximamente pelo mesmo processo de despejo, já que se encontram em áreas que também serão utilizadas pelo projeto de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro. Ou seja: hora das diretorias agirem para não passarem pelo mesmo drama.

As escolas precisam de um teto para produzir seus desfiles com um mínimo de condições. Quem desfila quer casa.

Mas um pouco de gestão ajudaria…