Sem dúvida alguma este blog está meio monotemático esta semana, mas nesta sexta feira não tenho como não registrar a fantástica repercussão que a escolha do samba da Portela vem alcançando não somente no mundo do samba como fora dele. Além do bem que fez à autoestima do portelense.

Vamos por partes.

A Portela vinha de dois carnavais muito complicados. Um desfile de 2010 de concepção totalmente equivocada desde o anúncio do enredo, passando pela escolha do samba, pelos erros na parte plástica e culminando com um desfile que ficou muito perto de um fiasco. No ano seguinte, a escola viveu o pior momento de sua gloriosa história, com o não julgamento devido ao incêndio da Cidade do Samba e outras questões adjacentes.

Curiosamente, foram estes dois fracassos retumbantes que acabaram fornecendo o germe do renascimento que a escola vive neste momento.

Houve mudanças políticas – embora o Presidente Nilo Figueiredo mantenha a palavra final em suas mãos – e devido justamente aos problemas que enfrentou nos últimos carnavais partiu-se para a contratação de um profissional de ponta para a parte artística: o talentoso Paulo Menezes. Os bons profissionais responsáveis pelos quesitos de “chão” foram mantidos e sem dúvida alguma a equipe de carnaval ficou mais forte.

Passemos à definição do enredo. Na administração atual a Águia vem se notabilizando – à exceção de 2009, onde justamente obteve um excelente resultado – por enredos fora de suas características históricas e que são pensados visando patrocínio direto. Excluindo-se 2005, onde o acordo de patrocínio já estava assinado antes das eleições, em 2006, 2007, 2008, 2010 e 2011 os temas trazidos pela escola tinham esta característica.

Entretanto, os valores obtidos nestes anos estiveram longe de serem considerados significativos. Talvez somente em 2010 (escrevo de memória) é que tenha havido uma captação importante, cerca de R$ 2 milhões vindos de duas empresas de informática e do Estado do Rio de Janeiro. Nos demais, os valores alcançados a meu ver não justificariam a escolha do enredo por este prisma. Mas isto é passado.

Para o carnaval de 2012 houve uma mudança importante. Chegou-se a negociar um enredo sobre as cidades da Serra Gaúcha, mas ao final de muitas tratativas este acabou descartado em postura diferente de outros anos. E de forma inédita pela primeira vez o carnavalesco conseguiu emplacar um enredo em parte autoral – as festas religiosas da Bahia, guiado pela figura mítica a nós portelenses da cantora Clara Nunes. Houve algumas adaptações para que atendesse ao objetivo do Governo baiano, mas nada que comprometesse o seu desenvolvimento de desfile.

O mais irônico disso tudo é que a partir da escolha do enredo e posteriormente do sucesso do samba o Governo da Bahia “abraçou” a escola, o que pode ser medido pelo evento ocorrido ontem no Riocentro do “Encontro de Bandeiras” da Bahia e da Portela. O órgão responsável pelo turismo no estado deixou claro que irá apoiar integralmente a preparação do desfile da Portela. Ou seja, patrocínio garantido – e a partir de uma idéia autoral, com a “cara” da escola e onde não há deslavada propaganda.

Sobre o samba, não preciso nem falar. Confesso particularmente que sua escolha me surpreendeu, por diversos fatores que já explicitei em outras ocasiões e que não preciso repetir. Sua qualidade aliada à repercussão desde o início da disputa e ao respeito à preferência do portelense efetuaram uma transformação não somente na expectativa pela escola como, mais importante, na alma de nós portelenses.

De escola que alguns especialistas cotavam até para um inédito rebaixamento – pelos problemas nos dois últimos anos e pela péssima posição de desfile, segunda de domingo – a Portela passou a ser considerada como uma das favoritas a voltar no sábado das campeãs. Isto explica-se pela qualidade do samba e pela característica portelense de cantar seus sambas no desfile como se não houvesse amanhã, ou seja: quem carregou sambas ruins e difíceis em anos recentes vai “brincar” com o espetacular samba escolhido.

A própria alma portelense sofreu uma transformação profunda. O azul e branco estava acabrunhado, envergonhado, triste e muitas vezes desmotivado com a escola, contrariando a sua própria característica altaneira, elegante e até de uma certa “soberba”. Com a escolha deste samba, que nós queríamos, que nós abraçamos e que nós iremos dignificar e exaltar na noite de 19 de fevereiro de 2012, o portelense retornou ao seu estado natural: o da confiança, o do amor incondicional, o altaneiro.

O portelense voltou a andar de cabeça erguida.

Esta mudança de ânimo e de autoestima já havia sido vista na disputa de samba, onde a parceria vencedora recebeu ajuda de todos os lados, seja em torcida, seja em dinheiro, seja em material, seja em apoios políticos de peso. Com isso o samba conseguiu derrotar um dos maiores “escritórios” de samba enredo na atualidade – o que já era um feito e tanto.

Contudo, mais que isso o efeito “Madureira sobe o Pelô” levou a uma situação inédita: a procura pelas alas comerciais e de comunidade está em níveis absolutamente insólitos para esta época do ano. Lembro aos leitores que os figurinos das fantasias ainda não foram disponibilizados, ou seja, quem está adquirindo as fantasias ainda não sabe nem a roupa nem a posição de desfile. Particularmente para mim isto não faz diferença, pois prefiro desfilar com ala conhecida, de amigos e que não me crie problemas, mas para muita gente é condição “sine qua non” na decisão de ala.

Minha impressão é de que no máximo início de dezembro a escola não tenha mais vagas para desfilar, até porque são somente dez alas comerciais e cada ala está limitada a oitenta fantasias para venda. Portelenses apaixonados que jamais desfilaram ou estão há muitos anos ausentes estão retornando. O clima é de otimismo, confiança e acima de tudo esperança de dias melhores.

Obviamente que há um longo caminho a ser percorrido. A escola está sem quadra, sem barracão e precisa-se ver como será o cronograma da construção das fantasias de alas de comunidade e especialmente dos carros alegóricos, problema crônico dos últimos carnavais. Mas se outros pontos mudaram para 2012 tenho total confiança que teremos uma preparação mais tranquila que os anos anteriores.

Concluo com um presente aos leitores: com imensos agradecimentos ao site referência “PortelaWeb” – para onde, aliás, voltei a contribuir após longa ‘hibernação’ – disponibilizo abaixo áudio gravado pela escola com a versão definitiva do samba após as mudanças feitas na melodia. Não é a versão que estará no cd oficial, mas o leitor poderá conhecer as alterações e ver como o samba ficou ainda melhor.

Samba que, aliás, tem tudo para ultrapassar os limites do carnaval carioca – pela sua qualidade, pela sua repercussão e por iniciativas que provavelente serão tomadas  pela diretoria da escola juntamente com o patrocinador.

Uma coisa é certa: depois de longo tempo, todo mundo vai esperar a Portela passar. Vamos voltar ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído.

E isso não tem preço.