Estou para escrever sobre este assunto há algum tempo, mas os afazeres da vida cotidiana haviam me impedido de fazer uma pesquisa decente sobre o tema.

Quero falar de um assunto que aqui e ali vem ocupando espaços na imprensa menos conservadora, mas que curiosamente não ganhou nem uma linha em jornais impressos ou dez segundos de imagens no “Jornal Nacional”: o escândalo das emendas parlamentares na Assembléia Legislativa paulista, um caso típico de “Mensalão”. Digo curiosamente porque órgãos com o o já citado jornal televisivo e o impresso do mesmo grupo, um outro órgão diário paulista e revistas semanais vem se empenhando em uma “campanha contra a corrupção” árdua, em especial quando envolve políicos ligados ao Governo Federal. Mas sobre isso falarei mais adiante.

Em São Paulo a história foi a seguinte: os governos do PSDB concedem R$ 2 milhões anuais em emendas parlamentares para cada um dos deputados utilizar como quiser, onde quiser, da forma que quiser. Na prática, é uma forma de comprar o apoio dos deputados às administrações: vale lembrar que há anos não se aprovam Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o Poder Executivo estadual, apesar de alguns graves escândalos. O próprio caso “Paulo Preto”, tema de post neste blog, foi abafado sem qualquer tipo de investigação nas irregularidades do “Rodoanel”.

O que passou a ocorrer? Suspeita-se que deputados estariam recebendo propina para aprovar emendas para determinadas prefeituras. Isto é reforçado pelo fato de que pelo menos seis deputados aprovaram receitas para municípios onde não tiveram um único voto.

A receita desandou quando o deputado Roque Barbiere (foto), em agosto, deu uma entrevista a jornal local da cidade de Araçatuba dizendo que “pelo menos 30% dos integrantes da Assembleia Legislativa recebem propina para aprovar emendas ao orçamento que interessam aos prefeitos.” O referido deputado em entrevista posterior afirmou que “cada deputado de São Paulo tem um preço” e comparou a casa a um “camelódromo” onde “cada um vende de um jeito”.

O leitor pode estar pensando que tudo não passa de bravata do deputado, não é? Pois é. O deputado licenciado e atual Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Bruno Covas – neto do ex-governador Mário Covas – deu entrevista ao Estadão dizendo que havia sido procurado por um prefeito a fim de indicar onde deveria ser depositada a propina de 10% referente a uma emenda de R$ 50 mil. O então deputado disse que fosse depositado na Santa Casa.

Após a repercussão de suas declarações – dadas no dia em que foi lançado pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo Governador Geraldo Alckmin – Bruno negou que tivesse dados tais afirmativas. Mas o jornal a quem ele concedeu entrevista tinha a gravação das mesmas. Dados levantados pela imprensa mostram indícios consistentes de emendas “estranhas”, como citei acima.

Bom, o que seria de se esperar é que o Governandor mandasse apurar as denúncias, não é mesmo? Pois é, em que pesem as bravatas proferidas pelo dito político, tudo está sendo convenientemente abafado. A CPI proposta para investigar este caso está sendo sumariamente sepultada, como todas as outras que contrariam os interesses do PSDB estadual, no poder há 20 anos. O Ministério Público está investigando o escândalo, além da denúncia de que deputados fazem lobby por empreiteiras sobre prefeituras destinos de tais emendas. Entretanto, também está com dificuldades na apuração.

Ou seja, ao que tudo indica apesar dos indícios consistentes de irrregularidades nada será apurado e a estrutura de poder montada pelo Executivo paulista na Assembléia continuará operando da mesma forma.

Aí cabe um comentário sobre o papel da grande imprensa nisto tudo. O mesmo jornalismo de alcance nacional que clama “pelo fim da corrupção” convenientemente ignora os escândalos de políticos “amigos”. Ou seja, é uma indignação seletiva: combate-se apenas a corrupção dos adversários políticos. Esta postura reforça a impressão de que órgãos como o maior jornal carioca e a respectiva tv e uma das revistas semanais de maior circulação nacional estão mais preocupados em fazer política partidária que informar o seu público ou efetivamente combater a corrupção. Ser corrupto pode, desde que seja conservador.

Esta impressão se reforça quando se sabe que o dono da editora responsável por uma destas revistas – que invadiu de forma criminosa o quarto de hotel do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e simplesmente surrupiou documentos, em postura defendida sob uma duvidosa “liberdade de imprensa” – afirmou que “irá derrubar Dilma Roussef”. Este é um bom exemplo de como se faz necessária algum tipo de regulamentação dos órgãos de imprensa, ao menos que seja para diferenciar o que é notícia do que é opinião. Da forma que está hoje temos jornais, televisões e revistas atuando como verdadeiros partidos políticos sob uma aura inatacável de “informação” – quando informação é tudo o que não é.

Penso que a indignação com a corrupção é válida e pertinente à democracia brasileira e ao exercício do jornalismo. Mas cobrar apuração de escândalos apenas de adversários políticos e convenientemente abafar os ocorridos com os aliados é apenas sonegar a informação ao grande público. E olha que não falo dos corruptores, que jamais são citados em campanhas deste tipo. Se é para se fazer uma campanha séria, que seja contra todos: os do governo, os da oposição, os do Judiciário e os corruptores.

Como mostro acima, problemas deste tipo não são exclusividade de Dilma Roussef. Estes também devem ser investigados e apurados, mas o que parece é que tal indignação é muito mais expressão de políticas partidárias que clamor genuíno contra a questão.

Finalizando, já dizia o economista escocês Adam Smith: “o interesse pessoal move o homem”. Isso diz tudo.