Neste sábado corrido para mim, mais uma edição da coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é sobre algo que já escrevi anteriormente: as prioridades e privilégios de pessoas da chamada “terceira idade” nas filas.
Antipático, Mas Alguém Precisa Tocar no Assunto
E lá estou eu de novo em Buenos Aires, na reta final dos meus estudos portenhos. Tinha me esquecido como são gigantescas as filas do supermercado aqui perto de casa. Depois que encho o carrinho perco no mínimo uns 20 minutos até chegar ao caixa. Hoje me esforcei para comprar 15 itens e ter direito ao caixa rápido. 
E foi ali, meditando na fila, que tive o ‘insight’.
O caixa ao lado era o que se chama de caixa prioritário, mas funciona um pouco diferente do Brasil. Se alguém tem direito à prioridade, pode ir direto ao primeiro lugar da fila. Caso contrário, é um caixa rápido para quem comprou até 15 itens. E bem ao meu lado uma vovozinha, com toda pinta de que nascera antes que Getulio Vargas tomasse o poder, aguardava pacientemente a fila andar. 
Por que aquela senhora não ia direto para a frente da fila?
Simples: idosos não tem prioridade na Argentina. Nem no Uruguai. Nem no Chile. Nem no México. Nem nos Estados Unidos. Nem nos países da Europa que já visitei. 
Dos lugares que conheço pessoalmente, prioridade de acesso só para pessoas com dificuldades de locomoção ou para mulheres grávidas. Menos, é claro, no Brasil, quando idoso usa a prioridade até para furar a fila do abadá do Carnaval de Salvador, como eu vi acontecer ‘in loco’. 
A idade legal de um idoso brasileiro é 60 anos. Já chegaram lá, ou estão bem próximos disso, Vanderlei Luxemburgo, Vera Fischer, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Rico de Souza, Herson Capri, Natalia do Vale, Luis Fernando Guimarães, Djavan, Sting… Me digam, com sinceridade, essa gente é velha?
Nada pode ser mais ofensivo a uma pessoa de 60 anos do que chamá-lo de velho. Na contemporaneidade, se comemora 60 anos praticando esportes, usando roupas joviais, namorando, tweetando e com a certeza de que ainda há muita vida pela frente. Fazer 60 anos, sem exagero, representa aquele ponto de inflexão que antes se situava lá pelos 40 anos. Mas na hora de reivindicar tratamento especial, a jovialidade vai para o espaço e só aí os sessentões se lembram que são idosos. 
E esse tratamento especial, que antes se limitava à fila do banco, vem aumentando sem que a gente preste muita atenção, com uma série de gratuidades (quer dizer, subsidiadas pelo distinto público pagante), vagas especiais em centros comerciais, prioridade no embarque nos aeroportos e por aí vai.
Tudo muito lindo, nobre e bem ao encontro da admirável inclinação brasileira pelo paternalismo e assistencialismo. 
O problema, que todo mundo finge não existir, é que o perfil demográfico da sociedade brasileira está em mutação. Enquanto a população de 0 a 14 anos ENCOLHE 1,72% ao ano, a população acima de 60 anos AUMENTA 3,92% ao ano. 
O Censo de 2010 mostrou que mais de 11% da população brasileira tem mais de 60 anos. Parece pouco? Pois saiba que isso é bem mais do que a população de 0 a 4 anos, que é de 7,17%. E mesmo ampliando a faixa, o placar fica quase empatado, pois os brasileiros de 0 a 9 anos não chegavam a 15% da população total.
Não fiz conta, mas não é difícil perceber que ainda nesta década o número de crianças (de 0 a 11 anos, porque 12 já é legalmente adolescente) será menor do que o número de “idosos”, se continuarmos a chamar assim os jovens senhores e senhoras de 60 anos.
Isso traz consequências gravíssimas para decisões de matéria previdenciária e de alocação de recursos em saúde. Vai ser duro, vai ter muita chiadeira, protestos, greves e afins, mas a realidade inescapável é que vamos precisar nos ajustar. E de modo muito sofrido, porque os idosos, ao contrário do que se pensa, constituem o grupo que mais atenção e compreensão recebe da classe política. [N.do.E.: a questão é um pouco mais complexa, mas falarei posteriormente]
Para já irmos pegando o ritmo da coisa, que tal começar por algo de menor importância, como esses pequenos privilégios do dia-a-dia, abolindo-os de uma vez por todas?

2 Replies to “Bissexta – "Antipático, Mas Alguém Precisa Tocar no Assunto"”

  1. Parabéns ao autor do post pelo excelente texto. Realmente é um assunto inconveniente, mas que merece ser discutido. No Brasil, a chamada “terceira idade” vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que busca certos privilégios (prioridade em filas de banco, por exemplo), gente de mais idade se recusam a serem chamados de “velhos” (ou “idosos” mesmo). E nenhuma dessas opções caberia, já que aos 60, 65 anos, muitos ainda dispõem de grande capacidade intelectual, quiçá capacidade física. Enquanto o idoso, nos países citados pelo autor do post, adquire função ainda produtiva, trabalhando e sendo úteis à sociedade, no Brasil ocorre um viés ao contrário: a grande maioria acolhe o status de “incapazes”, “necessitados” etc. E não venham com o papo de “pobreza”, porque pobreza há no Brasil, no Chile, na Ucrânia e também na França, com populações de imigrantes que vivem nos subúrbios de Paris. E justamente porque aceitam a fleuma de “diferentes” da sociedade, os idosos acabam se segmentando.

    Uma coisa é respeitar a velhice – com toda a razão -, pelo exemplo de vida, sabedoria (nos países orientais então, os idosos são venerados como sábios e exemplos para a sociedade). Outra coisa é fazer da bengala a justificativa para ser diferente dos demais, se auto-rotulando de “coitado”, enquanto se está na fase mais madura e produtiva da vida.

  2. Demorou mas aconteceu, pela primeira vez desde que leio o Ouro de Tolo discordo em Gênero, Número e Grau do post do Walter Monteiro. Acho até discutível se os privilégios aos idosos deveriam vir com 60 ou 65 anos por exemplo, mas se em vários países como os citados não existe uma lei que dê privilégio a idosos, acho que o Brasil está um passo a frente de todos eles.
    Ver idosos que muitas vezes já tem claras limitações físicas enfrentando filas e tumultos em bancos, lotéricas, estádios, etc seria acima de tudo desumano. Generalizar achando que todos tem a mesma disposição daquele velhinho “enxuto” que passou na sua frente no caixa, é punir a maioria que merece a prioridade.

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