O leitor deste Ouro de Tolo tem notado que, embora este seja um blog que procure falar sobre os mais variados assuntos, ultimamente tenho abordado várias vezes aqui a questão da gestão esportiva, em especial do futebol, e as recentes denúncias de corrupção tanto na Fifa quanto na CBF.
Ainda esta semana devo voltar a abordar o tema, comentando a excelente entrevista que Andrew Jennings, autor do recentemente resenhado “Jogo Sujo”, deu à Espn Brasil no último sábado – inclusive com acusações graves de corrupção quanto à escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Também quero comentar a matéria da Rede Record do último domingo sobre o assunto.
Entretanto, hoje quero tratar o assunto sob outro ângulo: o do torcedor e de sua paixão.
Repare o leitor no vídeo acima. Ele mostra as reações de um torcedor do River Plate na primeira partida do “playoff” na qual a equipe, gigante argentina, foi rebaixada à Segunda Divisão – em um drama que comoveu não somente a Argentina como boa parte do mundo aficcionado por futebol – ok, os torcedores do Boca Juniores talvez não…
Tirando a parte engraçada do vídeo – que, pelo que parece, foi gravado pelo genro “muito do sacana” – as reações do senhorzinho ao andamento da partida são captadas de forma bruta e sem atenuantes. Até mesmo a saraivada de palavrões desferida e o chute no teclado acabam não soando agressivas, porque representam não a falta de educação ou a ofensa em si, mas sim o desespero de quem vê uma grande paixão se afundando, literalmente caindo.
A mim é particularmente comovente a cena em que (acho) uma das filhas – entendo apenas toscamente o castelhano, e em certas ocasiões a velocidade da fala ainda complica tudo – oferece um comprimido de tranquilizante para o pai. Ele reluta, reluta e no final acaba apenas tomando metade do remédio – com vinho, mas esta é outra história.
Comovente porque deixa clara a intenção de morrer se preciso fosse, se necessário à sua paixão, ao seu amor e a seu arrebatamento. Naquele momento, tudo o que importava ao “gallinero” – como são conhecidos os torcedores do River Plate – era que sua equipe não passasse pela humilhação da Segunda Divisão. Tudo o mais era supérfluo e desnecessário.
Muito poucas coisas permitem um grau de entrega desta magnitude. O futebol é uma destas.
Entretanto, não dá para ficar alheio a tudo o que está vindo à tona nas últimas semanas envolvendo Fifa, CBF, o comando do futebol como um todo e alguns espertalhões que se aproveitam da total falta de transparência para aproveitar-se em termos pessoais do “negócio” futebol.
Neste blog o leitor já viu repercutidas várias das denúncias, que envolvem vários tipos de ilícitos. Aqui mesmo abaixo pode-se ver o desprezo de Ricardo Teixeira não somente por aqueles que deveriam fiscalizar os preparativos para a Copa do Mundo como pelos consumidores do espetáculo. Aliás, é inacreditável se pensar que o presidente da Confederação do “país do futebol”… não gosta do esporte!
O contraste é claro: de um lado, o sentimento puro do torcedor, que pode ser este do River Plate como do meu Flamengo ou ainda dos times pequenos do Brasil – como já escrevi aqui em três ocasiões. Do outro, os comandantes, preocupados em mentir, falsificar, corromper, deter poder, especialmente acumular patrimônio pessoal e que não hesitam em macular a essência do jogo para tal.
Que fique claro que não sou contra a profissionalização do negócio. Seria uma tremenda incoerência com tudo que defendi aqui neste espaço. Mas percebo um total desprezo àquele que, em última análise, deveria ser o objetivo de todo o negócio: o torcedor/consumidor.
Entretanto a redoma de vidro onde estes dirigentes se meteram embaça a visão e os coloca em um pedestal de arrogância onde, ainda que descolados da realidade, pensam que estão fazendo “um bom trabalho” de “desenvolvimento de futebol”.
Parêntese: percebo o mesmo comportamento com os dirigentes das escolas de samba cariocas. O resultado está aí: hoje o fenômeno das agremiações carnavalescas cada vez mais é algo de menor alcance, uma espécie de “gueto ampliado”. Voltarei ao tema.
Vou mais além. Como ficaria o senhorzinho se soubesse, hipoteticamente, que seu River Plate foi rebaixado porque seu presidente Daniel Passarela brigou com Julio Grondona, “capo” da federação local, e por isso tenha tido arbitragens “menos favoráveis”? Ou se o árbitro ou jogadores de sua equipe tivessem sido subornados para perder de propósito o jogo – afinal de contas, se subornar o Presidente da Fifa é fácil, como não seria com um simples juiz? (Eu sei que a regra do rebaixamento envolve as três últimas temporadas. Falo em tese.)
Falo em tese, obviamente, embora qualquer torcedor mediano de futebol perceba que os times mais alinhados com a CBF, por exemplo, possuem arbitragens mais “simpáticas”. Avisei isso aqui antes do Campeonato Brasileiro e, parece, teremos tal confirmação. Não se fala em dinheiro, mas sim em poder, em influência e “otras cositas mas”.
Algo do tipo: “me ajuda a ‘melar’ a concorrência da licitação que te dou uma força para ganhar o campeonato”, ou coisas semelhantes. Nada mais que reflexo das instâncias superiores, onde para se ganhar a eleição na Fifa recorrem-se a patrocinadores poderosos – que levam seu quinhão posteriormente e remuneram regiamente sob a forma de propinas aqueles que lá estão.
Lógico que não darei “lição de moral” aqui, mas os mandatários do nosso futebol precisam ser gente honrada, decente, e que respeitem a paixão como a do senhor do vídeo. Como todos nós admiradores de futebol.
Finalizando, quando estive em Natal havia a televisão pública argentina no hotel, que é a detentora dos direitos de transmissão do campeonato local. Vi três partidas durante minha estadia, uma delas inclusive do River Plate.
Não conheço os pormenores do acordo, mas sei que o interesse é permitir que toda a população veja os jogos, colocando o interesse público acima do privado. Acho que merece ser melhor estudado pelos gestores públicos brasileiros, nem que seja para se impor regulamentação a uma seara onde a detentora dos direitos possui poder quase que de vida ou morte não só sobre os clubes como, por consequência, dos torcedores.
P.S. – Antes que perguntem: o termo “concha de su madre”, repetido exaustivamente no vídeo, é um palavrão em castelhano. Algo como “vagina de sua progenitora”, em português. “Puta que la parió” acho que não preciso traduzir…
“Um homem muda de emprego, de carro, de casa, de mulher e até de religião…. só não muda de time”. Isso resume tudo.