Estou para escrever sobre o assunto há algum tempo, mas nunca é tarde para notificar aos leitores a inacreditável decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou a chamada “Operação Satiagraha”. Em mais uma demonstração de força do banqueiro Daniel Dantas, toda a operação da Polícia Federal foi considerada nula porque, na avaliação dos juízes, as provas foram colhidas de forma irregular – apesar das escutas e dos mandados de busca e apreensão autorizados pelos próprios órgãos judiciais!

Os desdobramentos deste caso deixam claro algo que venho escrevendo aqui há tempos e que é uma anomalia clara de nosso sistema: para a Justiça, em especial os tribunais superiores, mais importante que a correta aplicação da lei é o quanto de poder e recursos financeiros que as partes requerentes possuem. Quanto mais poderoso e endinheirado, mais a lei é torcida – e muitas vezes rasgada – para atender a seus interesses.

Basta lembrar ao leitor que Daniel Dantas teve dois pedidos de prisão decretados por conta deste caso em pouco mais de 48 horas, obtendo de forma surpreendente dois “habeas corpus” no Supremo Tribunal Federal – ambos concedidos pelo Ministro Gilmar Mendes. Duvido que eu ou o leitor, cidadãos comuns, obtivessem este tratamento do STF; o que mostra claramente que seu tratamento nas esferas do Judiciário é tanto mais importante quanto a grana e o poder de que se dispõe.

Aliás, um parêntese: Gilmar Mendes é dono de uma escola de estudos jurídicos de pós-graduação, na qual emprega colegas de STF – o que é vedado pela lei. Entretanto, sua atividade extra-tribunal continua ocorrendo sem o menor constrangimento.

Voltando ao nosso tema, a decisão do STJ abre um precedente bastante perigoso: Daniel Dantas ganhou o direito de colocar na cadeia aqueles que o investigaram – um caso curioso do rato correndo atrás do gato. Seus principais alvos, obviamente, são o delegado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis, líderes do processo. Menos mal que hoje ambos possuem foro privilegiado – o juiz se tornou desembargador e o delegado, deputado federal – o que torna mais difícil um eventual processo, mas para um leigo como eu é um absurdo que o investigado e réu, condenado, tenha a sentença anulada por chicanas jurídicas e passe a perseguir aqueles que são pagos para cumprir seu papel – aliás, o fizeram muito bem.

Ou seja, a partir de agora qualquer pessoa que tenha grana, influência nos tribunais superiores e bons advogados possui totais condições de se tornar absolutamente inimputável perante a Justiça. Criou-se uma jurisprudência: para se obter provas contra este tipo de gente apenas se pode recorrer ao que o próprio investigado disponibilizar – o que é uma aberração. Mais: tornou-se praticamente impossível se conseguir investigar delitos cometidos por pessoas de boa situação financeira e que detenham bons relacionamentos com os tribunais superiores.

Este é um bom exemplo de que uma reforma no Poder Judiciário com algum tipo de instância de controle externo é absolutamente urgente. Diminuir a influência do poder e do dinheiro e tornar mais justas as instâncias decisórias é algo necessário à nossa sociedade, bem como abrir as verdadeiras “caixas pretas” de tribunais e do sistema como um todo. A sociedade reclama dos políticos, mas pelo menos de quatro em quatro anos eles podem ser trocados e, mal ou bem, são eleitos para tal. E os juízes?

Outro ponto que este “tratamento VIP” dado a Daniel Dantas demonstra é o verdadeiro pavor que segmentos influentes da sociedade – basicamente políticos, empresários e juízes – tem de que ele resolva um dia contar tudo o que sabe. Ao que parece o banqueiro de maneiras “pouco ortodoxas” – para se dizer o mínimo – conhece bastante do submundo dos bastidores das altas esferas, e acredito que este tratamento preferencial venha do temor de que segredos sejam revelados. Um caso indireto de chantagem, para ser mais claro.

Mas, questões de mafiosos à parte, a jurisprudência criada por esta decisão absolutamente insólita – para não usar um termo mais forte – do STJ a meu ver é um atentado ao Estado de Direito. Perpetua a chamada “lei do mais forte” e a institucionaliza, em especial nos Tribunais que deveriam estar atentos ao que de realmente ocorre nas questões jurídicas do país. Contudo estes parecem mais interessados em atender querelas pessoais.

Nada que nos surpreenda, mas institucionalizado desta forma explícita é a primeira vez. Absolutamente lamentável. A sociedade precisa se mobilizar para que haja uma reforma judiciária, antes que ela sinta marcado na própria pele o instituto da “lei do mais forte”.

Finalizando, me pareceu muito curioso o silêncio da chamada “grande imprensa” a respeito desta decisão. Por quê será?