Nesta quarta feira que começa no Rio e termina em Campinas, temos mais uma edição da coluna “História & Outros Assuntos”, do Mestre em História Fabrício Gomes. O tema de hoje é a resenha de um livro que desnuda um período muito falado e pouco conhecido pelo grande público brasileiro: a chamada “corrida do ouro” em Minas Gerais no Século XVIII.

“Boa ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697 – 1810)

Boa ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697 – 1810) – A cobiça que forjou um país, sustentou Portugal e inflamou o mundo” (Record, 368 páginas, lançado em março de 2011, R$ 39,90), novo livro do jornalista Lucas Figueiredo, cumpre com competência sua proposta: informar ao grande público o que foi e o que representou, de fato, a descoberta e a cultura que foi a mineração no Brasil, iniciada nas primeiras horas do século XVIII. Lucas Figueiredo já dá a senha do que é seu livro através do subtítulo, com algumas palavras-chave: “cobiça”, “sustentou” e “inflamou o mundo”. São essas palavras e frases que irão compor toda a temática que envolveu a luta pela descoberta, pela exploração e pelos benefícios que o ouro levou para a Coroa Portuguesa.

A descoberta de uma pepita de ouro, por D. Luís I, em 1876, no Palácio das Necessidades, em Lisboa, é o mote inicial que o autor utiliza para contar a história da corrida pelo ouro no Brasil. Uma história que remonta a alguns séculos antes, já no descobrimento do Brasil (ou “achamento”, como este que vos escreve e o editor deste blog preferem chamar), quando Pedro Álvares Cabral já investigava junto a aborígenes se existia ouro por estas terras. Suspeitando que não existisse ouro por aqui, Cabral foi embora, seguiu viagem e Portugal meio que abandonou o Brasil por quase meio século; e somente quando se viu ameaçado em ter seu território tomado por nações como a França e a Holanda é que resolveu dar mais atenção a esta terra.

No entanto, lendas e mitos povoavam a mente de viajantes. Estórias que despertavam pavor e cobiça ao mesmo tempo, como a da existência de um Eldorado no interior do Brasil, onde homens viviam banhados a ouro, com montanhas reluzentes e uma lagoa que espelhava o metal precioso. Era a localidade de Sabarabuçu, encravada em algum ponto do sertão, um lugar onde ninguém chegava e as sucessivas expedições que tentavam alcançá-la sumiam misteriosamente. Acreditava-se que o território brasileiro não era muito distante dos Andes e que em alguns dias de caminhada seria possível chegar ao outro lado – o Oceano Pacífico.

A história da cobiça pelo ouro, contada por Lucas Figueiredo, revela passagens importantes da história do Brasil, como por exemplo a fundação de vilas como a de São Paulo de Piratininga – importante para fixar uma porção populacional (que vivia em casebres, ok), sustentáculo para que os paulistas pudessem mais tarde fazer suas incursões nas Minas em busca do ouro. Outro ponto importante foi o deslocamento populacional rumo ao interior do Brasil – um grande feito, já que até então os bolsões populacionais permaneciam na costa brasileira e as pessoas viviam como caranguejos, espalhados numa faixa entre as montanhas e o mar, por exemplo.

A corrida pelo ouro representou também uma forte alternativa à exploração do Pau-Brasil (que já não andava bem das pernas, praticamente esgotada no início do século XVIII) e do açúcar. Foi também importante para que o mercantilismo europeu desse um novo impulso – onde a Inglaterra foi a maior beneficiada (praticamente todo o ouro arrecadado no Brasil chegava em Portugal e na troca por bens importados acabariam nas mãos inglesas).

Mas um fato que é pano de fundo para essa corrida e é pouco (ou mal) explorado é justamente o aparato comercial que proporcionou junto às Minas: a implantação de um comércio tão ou mais lucrativo de produtos e serviços, como transporte, couro, carnes, fumo… produtos indispensáveis aos sertanistas que lá viviam e que não tinham como se manter sem uma infraestrutura que lhes fosse possível.

A Guerra dos Emboabas representou o estopim de que uma era se iniciava: os embates entre os paulistas (sertanejos) que se julgavam os descobridores do metal precioso e os emboabas (portugueses que vinham de fora, somados a baianos e outras populações) – todos se achavam no direito de explorar o ouro. A urbanização e o crescimento populacional das terras que vieram a ser denominadas de Minas Gerais foi estrondoso. O mundo via ali uma fonte inesgotável de ouro, muito maior do que o existente nos Andes.

A medida que Minas enviava toneladas e mais toneladas de ouro rumo a Portugal, a Coroa aumentava a sua cobiça em progressão geométrica. A imposição do quinto (20% do ouro obtido iria diretamente aos cofres da Coroa), somado posteriormente a outras possibilidades de taxação como a “capitação” (taxava-se em cima do que cada escravo (“cabeça”, por isso “capitação”) e finalmente a derrama (era feito um contrato de risco onde, se o responsável pela arrecadação não conseguisse cumprir o envio de 100 arrobas anuais, o equivalente a 1.500 quilos de ouro, teria que completar até alcançar o número proposto) gerou muita insatisfação.

Insatisfação em especial numa elite que vivia em Vila Rica: aqueles que seriam chamados de “inconfidentes” e que seriam depois os responsáveis por uma revolta puramente baseada em interesses econômicos e fiscais. Os inconfidentes não estavam preocupados com política, tampouco em clamar pela liberdade do povo ou pela independência do Brasil com relação a Portugal. Lutavam sim, pelos seus próprios interesses, contrários à exploração cada vez maior pela Coroa.

Outro ponto analisado pelo livro é a corrida pelo ouro também nas regiões de Mato Grosso e Goiás. Se no primeiro, a exploração era dificílima, já que as regiões pantanosas eram um convite ao desconhecido e a um número cada vez maior de mortes (seja por doenças, predadores ou índios antropófagos), já em Goiás, devido ao cerrado, era mais fácil. E a pepita de 20 quilos que D. Luís achou vinha justamente da região de Águas Quentes.

A gastança que Portugal fez com o ouro é lembrada com detalhes, principalmente nos devaneios de seus monarcas e na suntuosidade que os portugueses estavam desejosos em mostrar aos europeus.

A reconstrução de Lisboa, após o fatídico terremoto de 1755, foi feita com os proventos da exploração aurífera no Brasil. Mas por ser mal administrado, por Portugal pensar apenas nos lucros e não num sistema que lhe proporcionasse a exploração por mais tempo, o chamado ouro de aluvião chegou a seu limite, exaurindo-se e deixando a Coroa de ‘pires na mão’. A diminuição do envio de ouro já era possível ser percebida a partir da segunda metade do século XVIII, mas foi pouco ou quase nada notada pelos portugueses.

A agradável leitura culmina com a chegada da Família Real Portuguesa, quando o ouro brasileiro praticamente – se não todo – já estava esgotado – até Serra Pelada, mas esta é outra história. Mas confirma a idéia, proposta por Lucas Figueiredo, de que este metal precioso esteve intrínsecamente atrelado a importantes passagens de nossa história, seja pela suspeita de sua existência, seja pela cobiça que despertou; ou até mesmo pela frustração posterior que trouxe, com a descoberta que o eldorado chegava a seu fim.