“Aloísio Villar, 34 anos, carioca, compositor e rubro negro (na foto acima, à direita, comigo ao centro e o colunista Fabrício Gomes à esquerda, no Grupo B de 2009). Ganhador dos dois principais prêmios dedicados ao samba enredo do carnaval carioca, o Estandarte de Ouro de Melhor Samba do Grupo de Acesso em 2001 e o Prêmio Sambanet em 2009 – ambos pelo Boi da Ilha do Governador.

A amizade virtual se tornou real e tenho muito orgulho de ter ganho três sambas enredo na Acadêmicos do Dendê na parceria dele, além de finalistas na mesma agremiação e na Vizinha Faladeira. Villar também escreveu dois artigos nos primórdios do blog sobre “como nasce um samba de enredo”, que o leitor pode ver aqui e aqui.

Aliás, vivi uma história hoje engraçada, mas que foi uma das maiores gafes de minha vida: no dia em que infelizmente a mãe de nosso entrevistado faleceu, fui avisado do passamento e liguei para dar os pêsames. Pois é: ele ainda não sabia do fato… Eu não sabia onde enfiar a cara.

Aloísio Villar é o entrevistado de hoje da coluna “Jogo Misto”.

1 – Por quê os sambas de enredo caíram tanto de qualidade nos últimos anos ? O que pode ser feito para reverter esta tendência?
AV – Tem uma série de fatores nisso, diria até um círculo vicioso que vai do enredo e sua sinopse até o julgamento. Hoje temos muitos enredos patrocinados, enredos que culturalmente não acrescentam muito, com sinopses engessadas e que temos que colocar no samba muitos detalhes, algumas vezes até frases inteiras; tem o fator também que hoje samba-enredo gera muito dinheiro de receita pros compositores vencedores e gastos na disputa. 
Isso tira a vontade de arriscar, se aposta na fórmula de “primeira parte/ refrão do meio de quatro linhas /segunda parte/refrão principal de quatro linhas” e que fale no nome da escola. Todo mundo pede mudanças mas quando surge um samba diferente torcem o nariz, falam que aquilo não é samba-enredo e os sambas vão com essa fórmula engessada pra avenida. Tiram praticamente as mesmas notas, não existe muita diferença de notas entre o melhor e o pior samba; samba-enredo que já foi determinante em alguns carnavais virou quesito secundário e o que importa hoje são os tamanhos dos carros
Só vejo possibilidades de mudanças quando os julgadores começaram a dar as notas certas para as escolas, dar notas sem medo, dar 10 pro samba de qualidade e “canetar” o ruim. Quando as escolas voltarem a ganhar e perder carnaval em samba-enredo talvez mude este quadro.
2 – Como você avalia, em média, o julgamento do quesito samba de enredo? De que forma o julgamento dos sambas enredo influi nas escolhas por parte das escolas?
AV – Como eu disse acima, samba virou um quesito secundário. Samba bom tira 10, samba ruim tira 9,9, isso quando o samba medíocre também não tira 10 porque o conjunto da escola foi bom, o julgador se deixa impressionar pelo que assiste na avenida e acaba julgando a escola em si, não apenas aquele quesito. A partir do momento que o samba, mesmo ruim, não causa prejuízos, evidente que a fórmula é mantida.
3 – Hoje sabemos que em uma parceria não existem apenas aqueles que realmente escreveram os sambas, pois toda uma engrenagem se faz necessária. Quais as principais funções em uma parceria e qual o papel de cada uma?
AV – Hoje em dia tem a necessidade da parceria ter dinheiro e muitas vezes entra na parceria uma pessoa que não escreve mas ‘banca’, para as disputas atuais ele é o mais importante. Tem que ter o parceiro bom de política na escola, o parceiro que tem “aquele contato” com empresas de ônibus, o que tem torcida… Se der espaço pode ter também a pessoa que escreve, mas essa hoje não é prioritária, qualquer coisa vem ‘por fora’ [N.doE.: não assinar o samba] para não atrapalhar (risos) … 
No final as parcerias de samba viram pequenas empresas, com cinco assinando e mais uns cinco por fora, uma parceria que ninguém escreva mas que tenha dinheiro e política hoje tem muito mais chances que uma com bons compositores, pobres e sem entrada na agremiação.

4 – Sabemos que existem as chamadas “firmas” de samba enredo, grupos de compositores que escrevem para várias escolas e entregam para outros assinarem devido à restrição do regulamento de somente se poder assinar em uma agremiação por grupo. O que você pensa sobre este fenômeno? Como se detecta um samba destes em uma disputa?

AV – Antigamente a gente ouvia um samba e falava “esse samba é da Portela”, “esse é do Salgueiro”; hoje a gente ouve e fala “esse samba é de fulano”, “esse é de sicrano”. Por melhores que esses compositores sejam o ser humano tem limites, ninguém consegue fazer nove, dez sambas de qualidade no mesmo ano. Acabam se repetindo, muitas vezes não mantendo o nível mas mesmo com tudo isso vencem por ter uma grande estrutura por trás.
Sinceramente não sou contra, acho que o melhor samba tem que vencer, independente de quem seja e todas as firmas que conheço são de bons compositores, a partir do momento que existe uma grande soma de dinheiro em jogo nas disputas esse processo de parcerias virarem empresas é irreversível. Eu acho que tem que acabar a limitação de só poder assinar um samba, assim pelo menos fica tudo as claras e acaba com a figura do “pombo” que é aquele que assina um samba feito por outro
Acho que um problema maior que samba de firma é o samba da comunidade, é aquele que tem que vencer de qualquer forma porque é do pessoal da área, porque bota torcida grande, porque o compositor sempre empresta a kombi dele pra escola fazer serviços. Na maioria das vezes que vi esses sambas eram inferiores mas acabavam tirando bons sambas da disputa porque a escola tinha que agradar “seu eleitorado” – isso quando não ganhava e ia pra avenida.
5 – Debateu-se muito nos últimos dias o caso do samba da Unidos da Ponte (acima), que é considerado o melhor samba dos grupos cariocas para 2011 por muita gente e que, na verdade, é um samba derrotado para o concurso de 1984. Por quê isto ocorre?
AV – Ocorre porque o samba é bom mesmo, ocorre pelos problemas que citei na resposta da primeira pergunta e ocorre porque o ser humano sempre vai achar que o feito antigamente era melhor. Isso está enraizado em nós, ouvimos qualquer tipo de música e achamos que antigamente era melhor, vemos filmes, novelas e achamos que antigamente era melhor, vemos futebol e falamos a mesma coisa. 
Apesar de todos os problemas belas obras foram feitas na década passada, que talvez fossem dos anos 70, 80 seriam mais valorizadas, assim como existia muita coisa ruim nessa época.
6 – Fala-se em concursos de grandes escolas onde parcerias chegam a gastar R$ 100 mil na disputa. Este gasto é necessário?
AV – Na disputa de 2011 chegamos à grande final na União da Ilha. Alguns dizem que ficamos em segundo lugar no concurso e gastamos uns 20 mil reais, acho que antes de tudo é preciso organização pra saber gastar o dinheiro, não há necessidade de gastar 100 mil. Se fosse preciso gastar 100 mil pra ganhar um samba-enredo então é melhor gastar 150 mil porque a parceria que eu soube que gastou 100 mil perdeu.
Para ser sincero, acho que se uma parceria divulgar que gastou 100 mil numa disputa ou ela tá mentindo ou alguém “se deu bem”.
7 – Como você avalia as decisões tomadas pela Liesa após o incêndio que vitimou a Cidade do Samba?
AV – Eu acho que pelo menos União da Ilha e Portela poderiam ser julgadas, perderam fantasias que já estão sendo refeitas e não tem rebaixamento, então não tem do que ter medo. 
Acho que essa atitude na verdade foi mais pra proteger as outras nove, a Liesa ficou com medo de uma das três fazer um grande desfile, conseguir um grande resultado com seu chão e assim ferir de morte o “carnaval de espetáculo” que ela propaga. Imagine uma escola que pegou fogo, que vem mais simples no visual e com grande poder de chão e superação ficando na frente de uma outra que vá com carros enormes e fantasias luxuosas? Como se manteria esse estilo hollywoodiano que quem comanda tanto gosta hoje?
Só vermos a revolta que os portelenses estão para notar que a “não disputa” machucou mais seus corações que o fogo, achei errado, mas não será isso que vai afetar meu carnaval: creio que a União da Ilha fará um grande desfile e deixar que a história julgue seu carnaval de 2011.
8 – Você atuou em política estudantil no Mato Grosso na década de 90. Como foi a experiência?
AV – Experiência muito boa que me fez ver que não é a minha praia.
Eu fui presidente de Grêmio Estudantil, de entidade municipal, fomos a uma outra cidade pra um fim de semana de eleição para diretoria estadual onde teve casos de pessoas de outras cidades ameaçadas de voltar a pé para casa se não votasse em tal chapa. Até essa época e a época que participei de um partido político aqui no RJ eu era mais politizado, depois que vi o sistema de dentro preferi fazer samba (risos)…
Mas gosto de política, acompanho, me considero um cara mais de centro-esquerda. Mas passei da idade de deixar barba crescer, odiar Mc Donalds e sonhar em morar em Cuba, gosto das coisas que o capitalismo me oferece e só queria que essas coisas fossem melhor divididas entre a população.
9 – Como você avalia a literatura especializada em carnaval disponível ?
AV – Meio tímida, mas temos grandes obras circulando por aí que nos fazem entender mais a história do carnaval. Acho que tão importante quanto esses livros é o trabalho que abnegados fazem através de sites que recuperam a nossa história e nos fazem entender como essa festa chegou até aqui e as transformações que teve.
10 – Qual o melhor samba enredo de todos os tempos? Por quê?
AV – Complicado escolher um samba e tem diferença também entre o que acho ser o melhor e o que é melhor no meu gosto. 
Acho que o melhor é “Heróis da Liberdade” do Império Serrano, é um samba poético, contundente, corajoso; e o meu preferido é “Das maravilhas do mar fez se o esplendor de uma noite” (acima) da Portela que para mim tem o mais bonito início de samba-enredo que conheço – apesar de amar também “Adelaide, a pomba da paz”, também da Portela (abaixo), o único samba-enredo que já me fez chorar.
Sou um grande fã dos sambas dos anos 80, gosto do estilo musical da época e como compositor tento seguir esse estilo. O maior elogio que já recebi foi quando concorremos no Paraíso do Tuiuti em 2005 e uma pessoa disse que meus sambas tinham a cara dos anos 80, não sei se ele quis elogiar, mas recebi assim (risos).

11 – Um samba enredo inesquecível. Por quê?
AV – “Orun-Aye” do Boi da Ilha em 2001. 
Meu primeiro samba na avenida, vencedor do Estandarte de Ouro, o primeiro da história da agremiação, apenas o segundo em sambas de enredo da história de nosso bairro, um samba que mudou a minha vida e me dá grande orgulho, dia 24/02 faz 10 anos que ele passou pela avenida.

12 – Um desfile inesquecível. Por quê?
AV – Boi da Ilha de 2009 (foto acima), sobre o Theatro Municipal, a escola estava linda como nunca tinha visto antes [N.do E.: Aloísio Villar ganharia o Prêmio Sambanet por este samba]. Também gosto muito do desfile do Boi de 2002 debaixo de chuva, sobre Holambra.
13 – Um livro inesquecível. Por quê?
AV – Eu li numa manhã apenas e me sensiblizou muito um livro chamado “Violetas na janela”, como autor do livro está apenas o nome Patricia. É um livro psicografado de uma menina que havia falecido por uma aneurisma, eu tinha perdido minha mãe poucos meses antes e ler esse livro aliviou muito meu coração.
14 – Livro ou filme? Por quê?
AV – Gosto mais de livros, me faz viajar, força minha imaginação. 
Li um mês passado chamado “uma breve história do mundo”, não lembro o nome do autor, era emprestado e devolvi; mas fala do ser humano desde o seu começo até os dias atuais. Minha imaginação foi longe tentando focalizar esses momentos, Egito, Roma, Incas, Maias, Aztecas, as grandes navegações, as grandes guerras, me transportei pra esses momentos. Para quem mexe com escrita, desenhos, criatividade em si é muito importante sempre exercer a sua imaginação.
15 – Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas poucas palavras sobre o blog ou seu autor/editor
AV – Um chato (risos)… Brincadeira.
Só é chato falando de futebol, você é uma pessoa que considero muito, inteligente, que corre atrás das coisas importantes para sua vida e muito amigo dos seus amigos. Além de saber levar a vida com muito bom humor já que sempre brincam com você e você não fica irritado, só me aborrece quando comenta futebol (risos). [N.doE.: temos uma divergência irreconciliável sobre o jogador chamado Renato Abreu, de quem não gosto e ele acha útil]
Finalizando eu que agradeço o espaço e a oportunidade da entrevista para um blog que já contribuí humildemente algumas vezes e fico feliz em ver que está crescendo tanto.

(Fotos: respectivamente Grupo B 2009 e Grupo B 2006 – neste eu estava há 72 horas sem dormir, não se espantem com minha cara.)

One Reply to “Jogo Misto – Aloísio Villar”

  1. migao, talvez seja bom esclarecer, só para não ter mal entendido, que, apesar desse samba da Ponte que perdeu em 1984 ser muito bom, a ponto de ser o melhor entre todos os sambas de 2011, ele é claramente, nitidamente, inferior ao samba vencedor da disputa daquele ano.

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