Mais uma terça feira, o carnaval se aproximando e mais uma coluna “Samba de Terça” no dia de hoje. Com um samba de estilo bastante diferente do que vemos hoje, mas de alta qualidade: “Oferendas”, Unidos da Ponte 1984.
O carnaval daquele 1984 teria uma série de alterações ao que se costumava ver nos desfiles das grandes escolas. A primeira delas era o fato de que haveriam catorze escolas no desfile. Devido a uma falha no sistema de iluminação, a Caprichosos de Pilares não fora julgada no ano anterior, o que invalidou o rebaixamento – nenhuma escola foi rebaixada. A Unidos da Ponte, décima primeira colocada no ano anterior – e que seria relegada ao então grupo 1B – acabou sendo mantida no grupo das principais escolas de samba.
Outra grande novidade é que, com catorze agremiações, o desfile pela primeira vez seria em duas noites, no domingo e na segunda feira de carnaval. Tal medida se fazia necessária pois em 1983, com doze escolas em uma única noite de desfiles, tal havia terminado praticamente a uma hora da tarde. Com duas agremiações adicionais, tornou-se impraticável realizar o espetáculo em apenas uma noite.

Esta mudança gerou um outro problema: a questão do julgamento. A alegação era de que em duas noites de desfiles não se teria como garantir os mesmos critérios de notas sem prejudicar nenhuma escola. Partiu-se para uma solução que hoje parece ruim, mas que à época fazia sentido: haveriam duas competições – domingo e segunda – as duas escolas vencedoras seriam declaradas campeãs e haveria um “Supercampeonato” no sábado seguinte envolvendo as três primeiras colocadas de cada dia e as duas campeãs do Grupo de Acesso.

Além disso, pela primeira vez o desfile teria um palco fixo: o Sambódromo. As arquibancadas desmontáveis que eram colocadas todos os anos foram substituídas por uma estrutura em concreto armado, projetada pelo  arquiteto Oscar Niemeyer, que jamais vira um desfile na vida – basta ver o Sambódromo que se percebe isso…

Além de passarela de desfiles, funcionaria um colégio no local e havia a idéia de se utilizar a Passarela de Desfiles – especialmente a Praça da Apoteose – como um espaço de manifestação política.

A Unidos da Ponte apresentaria para o carnaval de 1984 um enredo de temática afro: “Oferendas”. O mote do tema era descrever as oferendas que são do agrado dos orixás do candomblé. Cada um dos orixás cultuados possui a sua comida preferida, que deve ser ofertada a intervalos regulares.

A estrutura do enredo era bem simples: orixá, sua oferenda predileta, orixá, sua oferenda predileta. Algo sem as sofisticações desnecessárias das sinopses de hoje, que muitas vezes chegam a ter dez, doze páginas sem a menor necessidade.

O samba da escola seguiu a mesma linha, optando por descrever as oferendas aos orixás de uma forma didática, mas com uma melodia contagiante e que envolvia não somente o componente como aqueles que gostam de samba de enredo. Sem dúvida alguma, o leitor que ler a letra do samba que disponibilizo ao final deste post vai ter uma aula de ebós de candomblé.

A pequena escola da Baixada seguiu sua preparação com dificuldades. Ela seria a segunda escola a desfilar na segunda feira de carnaval, depois da campeã do Grupo de Acesso do ano anterior, a Estácio de Sá, ex-Unidos de São Carlos – que mudara de nome naquele ano.

Dentro de suas possibilidades, a escola fez um desfile bastante interessante na noite de segunda feira de carnaval, 04 de março. Apesar da excessiva estilização dos orixás – apontada no vídeo que disponibilizo acima – a escola, de forma simples, passou o seu recado – apesar da falta de recursos.

Uma curiosidade é que algumas alas vieram com comidas mesmo, sem estilização – como a ala de pipocas para Obaluaê. Notem, também, o andamento mais lento do samba, a menor compactação das alas e o destaque dado ao canto e à dança.

O regulamento determinava que a última colocada de cada dia seria relegada ao Grupo de Acesso – antigamente chamado de “1B”. Com 168 pontos, a escola acabaria relegada – e venceria o Grupo de Acesso no ano seguinte com o belo samba “Dez, Nota Dez”.

Vamos ao samba, uma aula de candomblé, que pode ser ouvido abaixo. Tem uma estrutura um pouco diferente do que vemos hoje, com apenas um refrão.

Aqui há uma versão ao vivo para se baixar, com qualidade não muito boa mas registro histórico válido. A curiosidade é que, ao contrário dos “condomínios” de nove, dez autores a que assistimos hoje o samba tem um único autor. O puxador, Grillo, venceria samba como autor na Portela em 2002, ao lado de Davi Correa.

Uma curiosidade é que o samba seria reeditado para 2011 – a escola encontra-se no Acesso C, que é a quarta divisão do samba carioca – mas depois a agremiação optou por um enredo inédito – mas com temática parecida.

Autor: Jorginho

Puxador: Grilo

“Axé

O samba pisa forte no terreiro
É mistério, é magia
É mandingueiro
Malungo se liberta no Zambê
Esquece o banzo
É hora de oferecer
Pra Exú e pomba-gira
Tem marafo e dendê
Muitas flores e pipocas
Para Obaluaê
A Oxumaré
Creme de arroz e milho
Pra Iansã o acarajé
Pai Oxalá, nosso canto de fé

Tem amalá pra Xangô
Lá na pedreira
Tem caruru pros Erês
Tem brincadeiras

E pra Oxossi
Milho cozido no mel
Mãe Oxum, Omolucum
Pra Nanã, sarapatel
Mel de abelhas pra Ogum
Rosas brancas a Iemanjá
Oferendas traz a Ponte
Pra louvar os Orixás”

(Agradecimentos a Marcelo Sudoh e Chico Frota)


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