Excepcionalmente na quarta feira (uma vez mais, culpa do editor), a coluna “Sobretudo”, do publicitário Affonso Romero. Semana que vem as colunas de quarta voltarão à sua programação normal.
Hoje temos um apanhado cultural e esportivo dos últimos dias.
Sobretudo – É show!
Durante algum tempo – pouco tempo – eu trabalhei na companhia de um jovem empresário que era dublê de playboy e professor secundarista. Ele usava muito constantemente uma expressão monossilábica que tanto servia para ressaltar a excelência de algo quanto para conceder um simples elogio a um trabalho bem feito: “show!” 
– Fulano, que tal a nova namorada de Beltrano? 
– Show! 
– E este novo site que eu acabei de concluir? 
– Show! 
Nas últimas semanas, esta coluna que se chama Sobretudo exatamente por se propor a navegar por temas os mais diversos, bem que poderia ter se chamado “Sobre-um-só-tema”, dada a premência onipresente do assunto eleições. Hoje, vamos tentar dar um refresco e passar a temas mais leves. É que, em paralelo ao “dever cívico” e às “preocupações sérias da vida”, temos nos divertido um bocado com atividades que eu desejo compartilhar com você, amigo leitor. Vamos lá? 
Gershwin passeia no Ibirapuera – No sábado, 30 de outubro, véspera do segundo turno presidencial, fui com a Mara assistir à apresentação/concerto da Orquestra JazzSinfônica interpretando o fantástico George Gershwin. 
Uma das coisas que poderia justificar, por si só, um sujeito escolher morar numa cidade poluída e de trânsito caótico como São Paulo é que esta cidade também é hoje a capital cultural do Hemisfério Sul e casa de orquestras como a OSESP, a Jovem Tom Jobim e – a minha preferida – a JazzSinfônica. Cria da mente inquieta de gente como Arrigo Barnabé e Eduardo Gudin, a Orquestra foi adotada pelo Governo do Estado e tem o comando firme (mas nem por isso menos criativo e instigante) do maestro João Maurício Galindo, fazendo uma ponte entre a formação erudita e o repertório popular, principalmente as mais diversas vertentes do jazz. 
A JazzSinfônica já me fez chorar algumas vezes. Fiquei fora do chão na apresentação jazzy-bossanovista de Lenny Andrade, mas foi a parceria com o tangueiro Rodolfo Mederos, no dia dos namorados de 2009, que mais nos marcou: eu diria que foi o melhor espetáculo musical a que eu já assisti na vida. Ainda por cima, a residência oficial da orquestra é o Auditório do Ibirapuera, a obra-prima de Oscar Niemeyer em pleno Parque de mesmo nome, um lugar que já valeria uma visita em silêncio, mas que é perfeito para apresentações de boa música. 
No programa do dia 30, a orquestra começou com uma suíte de obras do compositor americano, um verdadeiro passeio por alguns dos principais temas de musicais de todos os tempos, sempre miscigenando influências eruditas e populares, com o tempero especial da música negra de raiz que originou o jazz e o blues. George Gershwin, um judeu branco de Nova York, foi justamente o compositor que construiu a ópera moderna norte-americana no século XX, dando dignidade e erudição à cultura musical negra. 
Seu momento mais especial foi a proto-pop-ópera Porgy and Bess (1935), tocada em forma de concerto pela JazzSinfônica, com a luxuosa participação de quatro incomparáveis cantores operísticos brasileiros, Ednéia de Oliveira (soprano), Edna de Oliveira (mezzo-soprano), Sebastião Teixeira (barítono) e Geílson dos Santos (tenor). Nem mil palavras poderiam explicar com precisão o que foi este concerto, mas duas palavras o ajudarão a entender um pouco: perfeito e inacreditável. 
Baseada no romance Porgy, de Du Bose Heyward, a ópera tem libreto de Ira Gershwin, irmão de George, e conta a história de uma fictícia comunidade afro-americana chamada Catfish Row, uma antiga casa-grande de fazenda sulista de frente para o mar, transformada em cortiço e que abriga personagens inesquecíveis, dentro os quais um deficiente físico (Porgy) que se apaixona por uma prostituta (Bess). 
A orquestra estava em ótima forma, conduzida pelo jovem maestro-auxiliar Carlos Prazeres e os cantores, todos premiados e consagrados nos palcos clássicos, uma atração à parte. 
Alguém colocou no YouTube imagens captadas amadoristicamente. Não dá a idéia da grandeza do espetáculo, mas vale para conferir um pequeno trecho inicial: http://www.youtube.com/watch?v=3ZYN_bpPzpc. [N. do E.: infelizmente, o autor do vídeo não permite a incorporação em outras páginas, por isso apenas o link.]
Saímos extasiados por tanta qualidade e sentimento. Já compramos os ingressos para a apresentação da orquestra este mês, uma homenagem a Tom Jobim, com o músico convidado Richard Galeano. A JazzSinfônica é show! 
A OSESP também não é fácil – O Ibirapuera é um excelente auditório, mas não é o melhor da cidade. Na antiga estação de trens da praça Júlio Prestes, fica a Sala São Paulo, considerada uma das melhores salas de concerto do mundo. Ela é casa da OSESP, a Sinfônica estadual. Há alguns meses, ela também nos encantou com uma obra de Gershwin, numa apresentação matutina dominical. Foi uma leitura de Rapshody in Blue, uma peça fundamental da música orquestral do século passado. Tenho uma versão da Filarmônica de Berlim em DVD e, sinceramente, a OSESP não fica nada a dever. É show! 
39 Degraus, Hitchcock vai ao teatro – Vimos também a adaptação teatral do filme Os 39 Degraus, de Alfred Hitchcock. O thriller policial se transforma numa rasgada comédia com Dan Stulback no papel do almofadinha norte-americano envolvido numa trama de espionagem. O elenco conta ainda com a atriz Fabiana Gugli e os excelentes Danton Mello e Henrique Stroeter que dão vida a mais de 30 personagens em cena. O clima é de farsa, com muitos cacos e a sensação permanente de que os atores estão se divertindo tanto quanto a platéia. A direção é de Alexandre Reineck. 
As montagens do texto em West London e na Broadway receberam prêmios, não sem muita justiça. A temporada paulista faz tanto sucesso que tem sessões de quinta a domingo, além de extras nos feriados e aos sábados, mas vai só até o final feste mês. Não perca, é show!
O vôlei feminino e a emoção – Pretendia acordar tarde neste último sábado, mas a Pandora, nossa Llasa Apso, queria seu desjejum, então acabei ligando a tevê logo cedo. Foi assim que vi, meio sem querer, a semifinal do Mundial Feminino de Vôlei entre Brasil e Japão, na casa das adversárias. Há muito tempo eu não vejo uma equipe de vôlei praticar um jogo tão empolgante quanto o dessa seleção japonesa. Rápidas, criativas, lideradas por uma levantadora extremamente talentosa, a Takeshita (1,59, baixinha para os padrões atuais, mesmo para uma levantadora – eleita a melhor jogadora do último mundial, em 2006) e por uma atacante de ponta jovem e promissora, a Saori (até aqui, a segunda maior pontuadora deste mundial), além de contarem com uma defesa incansável, daquelas que sempre acreditam em qualquer ponto, por mais improvável que seja a bola. 
Acordamos quando o jogo estava 0x1 em sets para o Japão, e o segundo set arrastava-se para ser decidido além dos 30 pontos: fechou 33 x 35. Com o 0x2 e o ginásio cheio, tudo parecia acabado. 
Só quem viu o que se seguiu pode avaliar o nível de emoção que tomou conta daquele ginásio nos três sets seguintes. Contando com força, equilíbrio, paciência, talento, garra, maior altura e experiência, o Brasil conseguiu virar o jogo aparentemente impossível e garantiu lugar na final contra a Rússia, ponto a ponto, em sets sempre apertados. 
Na manhã de domingo, um jogo também emocionante, mas de uma outra forma. Os sets alternaram a prevalência de uma e outra equipe e, ao final, a Rússia venceu por 2×3, tornando-se heptacampeã. Mas este time brasileiro é show!
F1 faz as contas e a esportividade sai ganhando – Outro show proporcionado pelo esporte foi a prova final da Fórmula 1 2010, transmitida diretamente de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Um circuito belíssimo, uma corrida vencida com méritos pelo alemão Vettel que sagrou-se o mais jovem campeão da história. 
O mais interessante foi saber que se a Red Bull Racing tivesse feito o chamado jogo de equipe na penúltima etapa, em Interlagos, o título teria caído nas mãos de Alonso, da Ferrari. Foi graças a manter até o fim a determinação de deixar nas mãos do talento de seus pilotos nas pistas a construção dos resultados que fez da equipe, além de campeã entre as equipes, a campeã entre os pilotos. E a armação da Ferrari, que priorizou Alonso em detrimento de Massa, foi punida pelos deuses do esporte. Show! [N. do E.: fiquei muito feliz com este resultado, porque o mau caratismo não pode vencer jamais, nem o crime.]