E eis que, após uma longa agonia, o Flamengo finalmente saiu da UTI e está garantido na Série A em 2011. Embora tenha se esforçado muito para descer ao cadafalso do rebaixamento, a ruindade e incompetência ainda maior de alguns concorrentes acabaram por trazer um final se não feliz, ao menos aliviado para o rubro-negro. Desde o Bahia em 1989 que não temos uma defesa de título tão ruim por parte de um campeão brasileiro.

Vamos tentar entender alguns pontos que levaram a este fracasso retumbante, histórico do Flamengo em 2010.

O primeiro deles, sem dúvida, foi a alternância de poder no núcleo do futebol. Não somente de treinadores quanto de gerências de futebol. Alguns erros crassos foram cometidos, fruto de disputas políticas e da própria incompetência gerencial da diretoria que assumiu o clube este ano.

Começamos pela demissão dupla do vice presidente de futebol Marcos Braz e do técnico Andrade. Braz está longe de ser um dirigente modelo, mas que o leitor não se iluda: ele somente foi substituído para que o grupo aliado da presidente ligado ao futebol pudesse assumir o controle do futebol. Braz era representante da diretoria anterior, mas o título brasileiro deixara politicamente inviável a sua substituição.

Andrade também foi substituído devido principalmente ao desgaste causado pela sua renovação de contrato no início do ano. Lembre-se o leitor que Rogério Lourenço foi colocado como seu auxiliar já com o objetivo de ser preparado para substituí-lo. Não acredite nesta de “resultados”: o time estava classificado às oitavas da Taça Libertadores e havia sido vice-campeão estadual, mas com a melhor campanha no somatório dos dois turnos – coisas de regulamento “mata-mata”.

O problema é que o grupo político da atual Presidente – na verdade, o somatório de três ou quatro correntes políticas – sabia o que queria destruir, mas não tinha um projeto para o clube formatado. Perdeu-se tempo na definição de um novo técnico e o fraquíssimo Rogério Lourenço acabou efetivado após uma classificação absolutamente insólita diante do Corínthians nas Oitavas de Final da Libertadores. Aliás, ter eliminado o time paulista da Libertadores no ano de seu centenário foi a grande conquista rubro negra em 2010.

Veio a eliminação na competição sul-americana – em uma exibição técnica e tática no mínimo displicente aqui no Rio de Janeiro – e iniciamos de forma claudicante o Campeonato Brasileiro. Jogando em uma retranca feroz, Rogério Lourenço conseguiu dar alguma consistência defensiva à custa de um ataque absolutamente inexistente.

A derrota para o Goiás – hoje rebaixado – na última rodada antes da parada para a Copa do Mundo deixou claro que ele não tinha condições de ser mantido no comando técnico do Flamengo. Rogério Lourenço também solicitaria a exoneração de toda a Comissão Técnica permanente, o que se revelaria, tempos depois, mais um erro determinante. Patrícia Amorim, sem um projeto para o futebol e pressionada pela falta de resultados, optou por utilizar a “bomba atômica”: a contratação de Zico, com plenos poderes, para ser gerente de futebol remunerado.

Cabe um parêntese: a atual presidente foi eleita com um projeto muito mais voltado aos sócios e aos esportes olímpicos que ao futebol. De certa forma, não é exagero dizer que sua administração é mais voltada ao sócio que ao carro chefe do clube, tanto que se observa um progressivo fechamento da estrutura de poder. O mau ano do futebol rubro-negro também é reflexo disso.

Teoricamente Zico assumiria com plenos poderes, entretanto os dias mostraram que seus limites eram bem menos amplos que o imaginado. Além disso, a insistência na não contratação de reforços para o ataque levou a uma busca tardia no mercado. Como resultado Deivid e Diogo foram contratados em condições desfavoráveis e caras, com prejuízo ao clube em termos de eficiência no uso de recursos – o que é diferente de malversação, que fique claro. O gerente de futebol enfrentou pressões e resistências, mas também cometeu diversos erros, em especial na falta de transparência de algumas negociações, e acabou por pedir demissão do cargo. Entretanto, deixou como legado a prioridade para o Centro de Treinamento do clube.

A propósito: não morro de amores pela figura do Presidente do Conselho Fiscal, “Capitão Léo” (longe, muito longe disso), mas o Conselho Fiscal estava em seu direito quando solicitou esclarecimentos sobre as transações envolvendo o CFZ e negociações de jogadores. Pode-se discordar de todo o jogo político envolvido e das pressões eventualmente exercidas, mas a atitude foi correta. Entretanto, não me lembro, por outro lado, tamanho zelo envolvendo as transações feitas pelo ex-czar do futebol Kleber Leite, mas esta é outra história. O fato é que, estatutariamente, o pedido de informações é absolutamente correto.

Neste meio tempo Rogério Lourenço finalmente caiu, e assumiria Silas. Não discordo de sua contratação, pois era o melhor no mercado àquele momento, mas sua gestão revelou-se catastrófica no comando técnico. Ressalte-se que ele herdou os frutos de quarenta dias jogados no lixo – o período da Copa do Mundo – mas principalmente em termos de relacionamento com o grupo ele cometeu alguns erros primários. O time não vencia e ele acabou sucumbindo.

Vale lembrar que naquele momento o comando do futebol estava – na prática, ainda está – acéfalo. Vanderlei Luxemburgo assumiu com funções não só de treinador como uma espécie de manager, de forma a tentar consertar o desgoverno que o departamento de futebol estava vivendo. O time chegou a reagir, conquistou alguns pontos fundamentais, mas logo o desempenho caiu de novo e chegamos ao final da temporada em uma luta desesperada contra o rebaixamento.

Que fique claro: ninguém poderia reclamar se a tragédia do descenso advisse. O Flamengo seguiu o manual certinho de todo clube que deseja ser rebaixado; mais ainda, pediu por isso.

O elenco rubro-negro precisa de uma renovação geral. Vários jogadores encerraram o seu ciclo no clube e parece claro que 2011 será um ano de transição. Entretanto, acho que esta não é a questão mais importante, embora tenho os dois pés atrás ao ver o que Luxemburgo fez no Atlético Mineiro este ano.

Realmente o que me preocupa é a inépcia da presidente não somente em lidar com as questões referentes ao futebol como em administrar as demandas dos diferentes grupos que a suportam politicamente. Este ano deu seguidas mostras de que ela não gosta de futebol e que, se pudesse, terceirizaria o departamento – como, de certa forma, fez. Sua prioridade está voltada aos esportes olímpicos e ao clube social, bem como concentrar ainda mais o poder nas mãos dos grupos políticos que se revezam há 115 anos no comando do clube.

Além de fazer política: vereadora pelo PSDB, fez questão de homenagear o candidato à Presidência José Serra, palmeirense notório (abaixo), colocando o clube a serviço de interesses eleitorais e partidários. Ressalvo que o terceiro uniforme nas cores originais do Flamengo – uma das poucas coisas boas deste ano – em que pese ter o azul e amarelo do partido tucano já estava aprovado antes mesmo de ela vencer as eleições.

Há um movimento claro, a meu ver, no sentido de diminuir a transparência administrativa do clube e reforçar o caráter anti-democrático com o qual ele é gerido. A simples extinção do “sócio off-rio” – que a meu ver deveria ser reformulado, mas esta é outra história – e o esvaziamento do projeto das Embaixadas são dois bons exemplos, ainda que não sejam os únicos. Um projeto de sócio torcedor com direito a voto, em mensalidades semelhantes às hoje pagas pelos sócios contribuintes, está completamente descartado.

Ainda que na visão da diretoria atual o papel do torcedor se limite a torcer nos estádios, sua vida tem sido dura: não há planos de carnês, os ingressos foram majorados – o torcedor do Flamengo paga hoje o ingresso mais caro no Rio de Janeiro – os pontos de venda são limitados e a venda pela internet é uma piada, para escrever o menos. A impressão que eu tenho é de que o torcedor é visto como uma “vaca leiteira”, do qual se quer a grana mas sem o retorno correspondente aos valores dispendidos.

O clube necessita claramente de um “modelo de governança” estabelecido, com regras determinadas e que não variem de acordo com o grupo político que está no poder. Ano passado escrevi também um “Decálogo” com algumas ações que melhorariam bastante a governança do clube, sua transparência e, à exceção de um ítem, sem depender de mudança no Estatuto do clube. São algumas sugestões que melhorariam a gestão do clube.

Contudo, não vejo na atual administração muito espaço para ações adequadas de gestão. A atual presidente além de estar sobre um delicado equilíbrio político revelou-se uma administradora bastante ineficiente, para se dizer o menos. Até um fanático cego pelo clube tem de reconhecer que o Flamengo regrediu em todos os aspectos neste último ano, apesar da administração anterior estar longe de ser algo próxima do ideal.

Como Patrícia Amorim tem ainda dois anos de mandato, e impeachment, neste momento, é golpe – e eu não concordo com golpes – temos de nos contentar com isso aí: times modestos, mas caros, prioridade aos esportes olímpicos e à sede social e posições de coadjuvante nas competições futebolísticas estaduais e nacionais. Podem chamar de objetivo modesto, mas me contentarei em ver o time mantido na Primeira Divisão nacional ao fim de seu mandato, em dezembro de 2012. Porque a meu ver a tendência é piorar – muito.

O mais incrível é que não me surpreenderia com uma eventual reeleição, apesar de todo o desastre que é o seu mandato. Os interesses dos sócios votantes e em especial dos grupos que detém o poder no clube – todos eles, é bom que fique claro – me parecem bastante descolados dos objetivos do clube e mais ainda de seus torcedores.

Finalizando, duas perguntinhas:

1) César Cielo, apontado como “a grande contratação rubro negra em 2010” (abafa o caso), ganha em torno de R$ 30 mil mensais para sequer mostrar o escudo do clube nas competições? Quais as cláusulas de seu contrato?

2) Quanto custa o time de basquete que perdeu todas as competições que disputou este ano ? Comenta-se que custaria quase o dobro de seu principal adversário, o Brasília – que nos tem vencido sistematicamente.

Não esgoto aqui as razões para o péssimo ano que nós rubro-negros vivemos, entretanto expresso minha preocupação de que o “feliz 2011” expresso no título deste post não seja tão feliz assim.

(Fotos: Lancenet, Arquivo Pesssoal e R7)

One Reply to “Feliz 2011 (Ufa, Mengão ?)”

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