Mais um domingo, e mais uma coluna do advogado Walter Monteiro, a “Bissexta”. Direto dos Estados Unidos, ele relata a experiência de assistir a jogos da NBA (basquete) e da NFL (futebol americano) ao vivo, e as diferenças para o modo de torcer e se organizar brasileiro.
Boa leitura.
Além da Arquibancada
(MIAMI) – Os filmes e os seriados nos ensinaram que o povo americano é tarado por esportes. Embora a maioria dos brasileiros acredite que o basquete representa para eles o que o futebol significa para nós, a verdade não é bem essa. O basquete é apenas o quarto ou terceiro esporte na preferência do público, certamente atrás do beisebol e do futebol americano (este sim, o esporte número 1 dos EUA). Talvez até os esportes de luta, como boxe e MMA ou as corridas locais de automobilismo, como a Nascar, ainda superem o basquete no gosto do público. Isso não quer dizer que o basquete não tenha um longo contingente de apoiadores.
Fui assistir a um jogo na American Airlines Arena (acima), casa do Miami Heat, um dos favoritos da NBA desta temporada por ter estrelas de primeira grandeza no elenco, como LeBron James, Dwayne Wade e Chris Bosh (um jogador incrível, que eu desconhecia). Comprei meu ingresso pela Internet ainda no Brasil, mas suei frio até a hora de entrar. O ingresso é paperless, isto é, simplesmente não há nada em meio físico a ser exibido. Cheguei na roleta, mostrei meu cartão de crédito, a atendente o colocou em uma leitora manual e, voilá, me entregou um comprovante indicando o meu assento. Assento, por sinal, dos mais baratos e distantes da quadra, praticamente no teto do estádio. Por módicos US$ 70.00
O estádio é novo e lindo. Como todos os lugares são marcados, os torcedores chegam bem em cima da hora ou até um pouco atrasados, graças ao trânsito do horário do rush e ainda precisam estacionar a 2 ou 3 quadras de distância, com uns flanelinhas melhorados que cobram US$ 20.00 por vagas em uns terrenos descampados (na porta do estádio, os mesmos flanelinhas cobram US$ 30.00). O jogo é um dos passeios prediletos dos turistas estrangeiros, brasileiros incluídos. Isto é, os que se programaram com antecedência e compraram ingresso. Ou os que não se incomodam em pagar mais caro nas mãos dos cambistas, que atuam livremente sem serem importunados pelos policiais.
Tudo é um espetáculo cronometrado, o hino, a bandeira, o vídeo motivacional que antecede a entrada do time, o DJ que toca música nos intervalos, as ações dos patrocinadores. Come-se e bebe-se de tudo, desde que a pessoa esteja preparada para pagar US$ 8.00 ou até mais por uma cerveja long neck ou aceite pagar ainda mais caro por bebidas mais sérias, como tequila, rum ou whisky. A torcida, entretanto, tem um comportamento meio frio, uma espécie de alegria coreografada e protocolar, uma vibração muito comedida para o meu gosto. O jogo acaba, os flanelinhas somem, o trânsito vira um caos e mais de meia hora depois já dá para ir para o hotel.



Clima totalmente diferente do jogo de futebol americano. Enquanto um jogo da NBA só é percebido por quem foi ao mesmo ou está muito ligado no noticiário local, é impossível passar incólume a um jogo da NFL. Assisti a um jogo do Miami Dolphins contra o Chicago Bears. A cada rodada um jogo é selecionado para acontecer na noite de 5a feira, porque jogo de futebol na TV é sinônimo de muita audiência e venda de anúncios. Os anúncios mais caros do mundo são os do SuperBowl (ou seja, a final do campeonato de futebol americano), que é o evento esportivo mais assistido do planeta. Muito mais do que a final da Copa do Mundo.
Desde a manhã de 5a feira era possível ver pessoas vestidas com camisas do Dolphins, se preparando para um jogo que só começaria às 20h30min. Alguém desatento podia achar que se tratava de um jogo de vida ou morte, uma semifinal ou coisa parecida, mas era só um jogo a mais, no meio da temporada, entre dois times medianos, que não figuram na lista de favoritos. Mal comparando, era como se o Atlético MG fosse enfrentar o Botafogo pela 10a rodada do Brasileirão. Comecei a me assustar quando o meu hotel foi invadido por hordas de torcedores do Chicago. Jamais imaginei que tanta gente se dispusesse a viajar tanto (umas 4 horas de vôo) para um joguinho no meio da semana. 

E fiquei ainda mais impressionado quando vi que não era só no meu hotel. A cidade inteira fora invadida por torcedores adversários, famílias inteiras com filhos pequenos e adolescentes, senhores e senhoras de idade, homens gordos bebendo cerveja desde cedo, exibindo suas panças com orgulho. Sem medo de errar, pelo menos uns 5 mil torcedores visitantes foram ao jogo, devidamente trajados com a camisa de seu time, sem qualquer resquício de maus tratos pela torcida local. Uma cena emocionante, que eu nunca verei no Brasil, onde ir a um jogo na casa do adversário é aventura para valentes e destemidos.
O astral da NFL é o oposto da NBA. Futebol americano é adrenalina pura. O alto consumo de álcool, mais do que tolerado, claramente incentivado, ajuda muito a alegria fluir. As pessoas chegam ao estádio muitas horas antes da partida e fazem churrasco no estacionamento, onde bebem litros de cerveja e bebidas destiladas. O estacionamento também serve de espaço para eventos preparatórios. Dentre outras diversões, 1 hora antes da partida era possível assistir a um show da cantora e atriz Juliette Lewis e do guitarrista do Aerosmith. Tudo de graça.
A torcida tem uma alegria genuína, ainda que estimulada pelas ações dos promotores do evento. Fogos de artifício, bandeirões, torcida organizada (com direito a um espaço próprio), tudo é controlado e dirigido pela empresa que é dona do time. Mas isso não retira o brilho da festa. O jogo é de arrepiar e, assim como no Maracanã, as principais jogadas são assistidas de pé, na base de muita gritaria e incentivos. Como a emoção é pulsante e o estádio é coalhado de torcedores adversários sentados lado a lado, de vez em quando sai faísca – eu contei 4 pequenas brigas, prontamente contidas pela segurança.
Não vou me atrever a dar lições acerca do futebol americano, pois se para quem entende o pouco que eu dissesse pareceria enfadonho, para quem não entende seria inteiramente inútil, dado que um jogo que tem mais de 250 páginas de regras não pode ser explicado em poucas linhas. Mas ao menos uma coisa preciso lembrar, para esclarecer que mesmo sendo um esporte coletivo, o futebol americano depende do desempenho individual de um jogador específico, o quarterback, uma espécie de maestro da equipe. Um ótimo quarterback não necessariamente faz um time ser campeão, dado que o esporte continua a ser coletivo, mas um quarterback medíocre é certeza de vexame.
Há um filme com Al Pacino, Dennis Quaid e Jamie Foxx, Any Given Sunday (Um Domingo Qualquer), que explica a alma do futebol americano. A trama se inicia a partir de um acontecimento improvável, todos os quarterbacks do elenco se contundem em uma partida e um desconhecido sai do banco de reservas para cumprir a missão de liderar a equipe. Eu pensava que algo semelhante só ocorresse na ficção, mas na partida que precedeu a que fui, vi pela televisão os dois quarterbacks do Miami se lesionarem no mesmo jogo e serem substituídos por um zé-ninguém. Só que, ao contrário do filme, o Val Baiano do Dolphins fez exatamente o que dele se esperava no meu jogo, proporcionando aos 70 e tantos mil torcedores presentes uma das piores atuações da história do time, um papelão de envergonhar a massa. Me deu pena ver tanta gente cabisbaixa, tendo que aturar as humilhações da torcida rival.
E eu, que sou flamenguista, também me entristeci. Nem tanto pelo resultado em si, mas por ter tido a certeza de que não viverei o suficiente para ver algo parecido no Brasil. Não sou chegado a macaquices ou complexo de vira-latas, mas trabalho com dados de realidade. Um jogo onde o público é marcado pela diversidade (crianças, adolescentes, jovens, casais, gente madura, aposentados, sessentões, setentões, deficientes físicos, trabalhadores, ricos, milionários, gente linda, gente feia, literalmente tem de tudo) e pela tolerância com a torcida rival é, definitivamente, algo muito distante de nós. Uma pena, porque nada é mais recompensador do que viajar muitas horas só para ver o seu time vencer. E melhor ainda quando esse é um programa agregador de parentes e amigos.”