Não irei comentar os acontecimentos desta “Quinta Feira Negra” aqui no Rio de Janeiro, porque muito já foi dito e especialmente mostrado.
Mas quero escrever sobre algo que me incomodou muito durante o dia de hoje: o clima de “mata e esfola” que se instalou em boa parte da dita “sociedade esclarecida”. Eu passei boa parte do meu tempo livre nesta quinta pendurado no Twitter defendendo que a lei deveria ser respeitada e que matar indiscriminadamente não é melhor solução.
Veja a imagem acima, caro leitor – do jornal O Dia. De acordo com o que li de muitas pessoas, os ocupantes do carro deveriam ter sido sumariamente executados pelos policiais. Se estão em estrada de chão moram em favelas, e se moram em favelas, devem ser exterminados – pois são, necessariamente, bandidos.
Também debati o dia inteiro com pessoas que diziam que “bandido não deve ser preso, e sim assassinado na hora”; “bandido bom é bandido morto”, e coisas correlatas. Além de ver a defesa incontinenti da pena de morte, se possível após julgamento sumário.
Como já escrevi em outra ocasião e conforme já explanado brilhantemenete pelo advogado Walter Monteiro em uma das edições da coluna “Bissexta”, a pena de morte no Brasil além de ser mais cara convive com uma série de problemas legais e éticos. Além disso, com o Poder Judiciário injusto e elitista que temos, muito provavelmente além de inocentes a pena de morte institucional somente atingiria pobres, pretos e putas…
Entretanto, quero chamar a atenção àqueles que defendem execuções sumárias. Lembro aos leitores que o Brasil é um estado de direito, regido por leis e que garante àqueles acusados de algum crime ampla defesa. As penas previstas nos Códigos se constituem na punição indicada para cada caso.
Se as penas de prisão ou alternativas são adequadas ou não, é outra história. Particularmente penso que algum tipo de rigidez poderia ser introduzido em nosso Código Penal, mas de nada adianta termos leis mais duras se nosso Judiciário continuar injusto como o é. Uma reforma neste poder necessita ser feita antes de qualquer tipo de mudança em códigos.
Outro ponto que quero chamar a atenção é que, concentrando a captura, julgamento, sentença e execução em um único indivíduo, se abre um leque de possibilidades bastante sinistro. Hoje é o bandido ou o favelado executado, amanhã pode ser você, morador do asfalto, que se negou a pagar a “cervejinha” do guarda – propina. Ainda mais com uma Polícia que, sabemos todos, tem focos alargados de corrupção em seu seio.
Neste momento entra a hipocrisia da sociedade. Ela não vê problema em ver um favelado sendo executado por policiais sumariamente, mas vai para Copacabana fazer passeatas se um morador do asfalto falece nas mesmas circunstâncias. No fundo, é o mesmo preconceito de classe mal disfarçado ao qual me referi anteriormente.
Preconceito mórbido e injusto, ainda mais quando sabemos que aproximadamente dois terços dos mortos pela Polícia em incursões a favelas não possuem antecedentes criminais. E depois de mortos são obrigados a conviver com o “kit apreensão” que denigre nomes, muitas vezes, limpos.
Este caminho de justiça pelas próprias mãos é bastante perigoso, pois leva à barbárie. O país possui leis, que devem ser respeitadas e seguidas. Bandido bom é bandido preso, julgado de acordo com os trâmites, com direito de defesa pleno e sua integridade física respeitada. O Brasil é regido por leis.
Pense sempre que, ao defender a execução sumária de bandidos, a vítima amanhã pode ser você leitor. Execução sumária é assassinato, seja de quem for. É crime e como tal deve ser punido.
Em tempo, é por causa deste tipo de postura, também, que o câncer chamado milícia se alastrou pelo Rio de Janeiro. Milícia é máfia.
Pense nisso. Barbárie não se combate com barbárie. Barbárie é combatida com inteligência.

2 Replies to “A Hipocrisia da Sociedade e o Estado de Direito”

Comments are closed.