Sem dúvida alguma, o fato relevante do último final de semana foi o tiroteio ocorrido em São Conrado entre traficantes da favela do Vidigal e a Polícia, com invasão de um prestigioso hotel da capital carioca e de um condomínio habitado pela fina flor dos artistas e bacanas da sociedade do Rio de Janeiro.
Contudo, a maneira como se desenrolaram os acontecimentos me deixou “com a pulga atrás da orelha”, como diz a gíria. Explico o porquê.
Voltemos no tempo, 1992. Um suspeitíssimo “arrastão” na praia do Arpoador, a poucos dias das eleições municipais e onde a candidata do PT, Benedita da Silva, era a favorita. Tanto a oposição quanto a imprensa faturaram em cima do fato, alegando que a candidata era a favor da criminalidade e que com o PT na Prefeitura o Rio viveria o “caos”.
Resultado: vitória de Cesar Maia no segundo turno, dando início a uma longa era de domínio da direita na política do Rio de Janeiro, que dura até hoje. O curioso é que no dia do “arrastão” em questão haviam câmeras de televisão estrategicamente posicionadas exatamente no lugar onde houve a confusão toda.
Avançando um pouco no tempo, chegamos a 2002. A dez dias das eleições ocorre uma intensa boataria de que “o morro ia descer”. Comércio na cidade inteira fechado, ruas vazias, medo. Uma vez mais, colocou-se na conta de Benedita da Silva, então governadora e candidata do PT, bem como na do então postulante à Presidência Lula.
Eu me lembro que à época trabalhava na campanha de dois candidatos às eleições proporcionais – a propósito, até hoje os dois me devem dinheiro, e nenhum dos dois foi eleito – e o staff de ambos não falava em outra coisa: que havia por trás da boataria objetivos políticos. Posteriormente soube-se que os boatos tiveram origem no staff do então prefeito Cesar Maia.
Tendo estes dois tristes episódios na lembrança, os acontecimentos do último sábado possuem algumas características semelhantes aos episódios anteriores. Haviam câmeras desde cedo, e o hotel invadido era justamente o local onde a televisão americana fazia uma matéria sobre a “revolução da segurança pública” no Rio de Janeiro.
Concomitantemente desde cedo o candidato a governador Fernando Gabeira, representante das forças conservadoras, declarava no Twitter imprecações contra o atual governador e candidato à reeleição.
Também é muito estranho que o condomínio invadido pelos bandidos, além do hotel, tenha sido justamente um dos mais caros do Rio de Janeiro, onde moram artistas da televisão e que, certamente, irá gerar ressonância na sociedade.
Para mim parece claro que há algum tipo de objetivo político por trás deste confronto. Entretanto, a ação rápida do Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, sem grandes danos, neutralizou grande parte da exploração política que se deve dar ao tema.
O leitor do Ouro de Tolo sabe que não sou grande entusiasta das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mola mestra da política pública de segurança do governador atual. Também sabe que não sou eleitor do mesmo, nem de seu principal opositor, que representa forças que já estiveram no comando do Estado e que foram um desastre, em especial aos cofres públicos.
Como já escrevi aqui, um combate eficiente à criminalidade requisita que o Estado se faça presente nas comunidades carentes não somente através da Polícia, mas através de outros serviços básicos como educação, saúde, esporte e assistência social.
Acima de tudo, o combate à violência requisita que o jovem da favela vislumbre uma opção de ganhar a sua vida de forma honesta e que represente uma remuneração semelhante a que ele perceberia na vida do crime. Noves fora a questão de formação ou da legalidade, olhando-se unicamente pelo viés econômico pode-se compreender a opção de muitos jovens das comunidades pela vida no tráfico.
Consequentemente, a geração de empregos ocorrida no Governo Lula e a elevação da renda real verificada nestes anos de seus mandatos tiveram influência positiva sobre os índices de criminalidade.
Outrossim, qualquer política de combate à violência consistente no Rio de Janeiro passa, necessariamente, por uma reformulação ampla, geral e irrestrita das polícias. Como já abordei aqui anteriormente, em especial o policial militar entra na corporação já pensando em alguma forma de locupletação, o que leva à corrupção e a assassinatos.
Faz-se necessária uma limpeza geral, começando pelos coronéis do topo da cadeia de poder e chegando até os cabos e soldados. Aqueles que leram o livro “Sangue Azul”, que resenhei aqui tempos atrás, sabem que muitas vezes os próprios comandantes de batalhões da Polícia Militar são sócios dos “donos de morro”. Portanto, fica meio difícil se fazer um combate eficiente ao crime quando se sabe que os mesmos que deveriam combater os marginais estão a eles aliados.
Fica aqui a reflexão. Contudo, ao leitor alerto: nem sempre o que vemos é o que realmente acontece. Há muitas questões influentes sob uma capa aparentemente simples. Até as eleições, certamente irão ocorrer fatos destinados a manipular o sentimento da população e, por finalidade, seu voto.
É a política !

2 Replies to “Coincidência ou jogada política ?”

  1. Praticamente todas as imagens mais fortes foram feitas por moradores! Aliás de São Conrado, bairro onde o padrão de vida de muitos daqueles condomínios lhes permite ter alguns desses luxos. Se você visse a imagem dessas câmeras mais recentes, diria que são quase profissionais…

    Agora, como economista, o que você acha da proposta colocada no livro Super Freakonomics de que a ação policial deve ser feita não sobre a oferta (traficantes), mas sobre a demanda (usuários) por razões puramente técnicas de economia?

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